terça-feira, 25 de maio de 2021

"A Vida da Gente" apresenta uma legião de homens idiotas e fracos

 A trama da talentosa Lícia Manzo se mostrou impecável, algo raro na teledramaturgia. Difícil não se envolver com os personagens. A autora escreve uma história tão realista e humana que acabou criando um novelo repleto de perfis bem construídos, onde não há vilões e nem mocinhos. Até mesmo em um aspecto que resultaria em uma aparente falha, a autora explora bem os altos e baixos daquelas pessoas. Mas há uma questão bastante clara no roteiro: 90% dos homens são uns idiotas sem atitude. 


É uma missão muito dura criar empatia por qualquer homem da história. Jonas, por exemplo, vivido pelo talentoso Paulo Betti, vive para o trabalho e nunca se preocupou com os filhos. Os trata como um estorvo em sua vida. Também nunca foi adepto da honestidade, pois seus negócios prosperaram com a ajudinha de alguns desvios. Para culminar, aceitou que a esposa Cristiane (Regiane Alves) engravidasse por inseminação artificial e tratou o novo herdeiro com a mesma frieza que travava os dois outros filhos, Rodrigo (Rafael Cardoso) e Nanda (Maria Eduarda de Carvalho). Seu fiel escudeiro, Klebber (Tadeu di Pietro), é um bocó. Mas é importante destacar que as cenas protagonizadas pelos atores são muito divertidas.

Já Rodrigo, um dos protagonistas, é um homem sem atitude e covarde. No atual momento da trama, tem medo de contar sobre seus sentimentos e trai Manu com Ana. Mesmo depois de várias tentativas de Manuela, que insistiu para saber se o marido ainda sentia algo por sua irmã e não recebeu uma resposta honesta. O rapaz prefere desabafar com o tio, Lourenço (Leonardo Medeiro), e com ele confessa suas dúvidas e incertezas. Todavia, esse tio é outro perfil que irrita pela nulidade de sua vida. O  professor largou a carreira no passado para lançar um livro, trabalhado por longos anos. E só conseguiu o dinheiro para bancar o lançamento porque vendeu seu sêmen para o irmão, Jonas, engravidar a esposa. Ainda assim, perdeu toda a fortuna ao longo do tempo e precisou voltar a lecionar. Também nunca conseguiu superar o término de seu casamento com Celina (Leona Cavalli) ---- encerrado porque ele nunca quis ter filhos e ela sim.

E há vários outros exemplos de homens bananas na novela. O frouxo Marcos (um apático Ângelo Antônio) é o mais clássico. Viveu sendo humilhado pela mulher, Vitória (Gisele Fróes), e, mesmo após a separação, continua não conseguindo se impor diante da ex. Até porque nem tem moral. Ambicioso, rejeita trabalhos considerados "menores" e vive planejando algo grande sem tomar qualquer atitude. Sempre com dificuldades financeiras, acaba se encostando nas mulheres. Vide seu romance com Dora (Malu Galli). Precisou ouvir da nova namorada que tinha que ser independente financeiramente para não iniciarem uma relação com problemas. Isso depois que ele mesmo se ofereceu para morar com ela. 

Até mesmo o elenco infantil masculino apresenta traços de inferioridade. Francisco (Vitor Navega Motta), filho de Lui (Marat Descartes) e enteado da ácida e hilária Nanda, é um menino responsável, mas é um típico 'nerd' que sofre humilhações na escola e acabou se apaixonando por uma menina que o ridicularizou quando soube de seus sentimentos. Já o filho de Jonas e Cris é parecido. Tiago (Kaic Crescente) é uma criança infeliz que não recebe a atenção de ninguém, a não ser de sua babá. No caso das crianças, não é culpa delas. São apenas vítimas. Mas, em um comparativo com a mimada e acarinhada Júlia (Jesuela Móro), são figuras muito mais frágeis e até bobinhas. 

Seu Laudelino (Stênio Garcia) é mais uma figura que merece menção. Carente ao extremo, vive mendigando atenção de Iná (Nicette Bruno), que o faz de gato e sapato. É praticamente um capacho da namorada e faz tudo o que ela manda. O jardineiro Mathias (Marcello Melo Jr.) também precisa ser citado. Após um bonito início de namoro com a babá Lorena (Júlia Almeida), o rapaz a trai com a patroa que não tem um pingo de caráter. O pai adotivo de Alice (Sthefany Britto), Cícero (Marcello Airoldi), é outro perfil que irrita. Inicialmente mostrado como um pai presente e amigo, o personagem se torna um ciumento possessivo quando o pai biológico da filha surge. Fica insuportável. E até o novo personagem parece um banana. Renato (Luiz Carlos Vasconcelos) tem uma bonita aproximação com Alice, mas depois começa a flertar com a mãe adotiva da filha, Suzana (Daniela Escobar), e banca o sonso. Aliás, é necessário citar a entrada de outro novo perfil, não por acaso, outro idiota: Arthur (André Frateschi). O namorado que Celina quase arranjou vive paparicado pela mãe protetora, interpretada pela saudosa Rosaly Papadopol, e não sabe nem ir ao restaurante sozinho. 

É possível afirmar que há apenas três figuras no time masculino da trama que fogem da regra: o hilário Seu Wilson (Luiz Serra), o responsável e amoroso Lui (Marat Descartes); e o médico Lúcio (Thiago Lacerda). Em meio a tantos homens bananas e idiotas, o trio se salva. Ainda assim o doutor que cuidou e se apaixonou por Ana (Fernanda Vasconcellos) merece uma ressalva: perdoa muito rápido, após a traição da amada. Um pouco de amor próprio não faz mal a ninguém. 

"A Vida da Gente" é repleta de qualidade e o excesso de homens passivos nem pode ser encarado como um equívoco. Talvez sirva até como uma "reparação". Isso porque Lícia Manzo tem um estilo de escrita muito comparado a Manoel Carlos. E Maneco sempre recheou suas novelas com homens abusivos e autoritários, com raras exceções. Não por acaso, as reprises de suas obras causam tanta indignação em alguns aspectos vistos ao olhos de hoje. A autora, portanto, involuntariamente ou não, se 'vingou' muito bem fortalecendo as figuras femininas e fragilizando as masculinas. É mais real  do que se imagina.

11 comentários:

Anônimo disse...

Onde eu assino embaixo desse texto primoroso?

Vinicius disse...

E as pessoas culpam a ana ou manu pelas coisas que o rodrigo faz

Luma Rosa disse...

Oi, Sérgio!
Ainda não assisti e fiquei curiosa em saber se essa é a visão da autora sobre os homens ou se esses comportamentos é a constatação de como anda o mundo masculino onde as mulheres estão "empoderadas". O homem anda tateando no escuro com receio de não ter um comportamento correto.
Bocó? Eu ri... faz tempo que não escuto essa palavrinha
Beijus,

Anônimo disse...

Que "A Vida Da Gente" (2011) é uma novela repleta de acertos, não é novidade para ninguém. O seu texto aponta um dos possíveis trunfos do folhetim, a diferença gritante entre a construção dos perfis masculinos e femininos, especialmente no último parágrafo, em que fica claro que, mesmo sendo considerada a "pupila" de Manoel Carlos no estilo da escrita de suas obras, Lícia Manzo faz uma reparação pelo comportamento tóxico e abusivo de muitos personagens masculinos retratados nas produções dele, intencionalmente ou não. Aliás, qualquer "ousadia" de Lícia é feita com tamanha naturalidade que jamais deve ser vista como um equívoco no conjunto da obra, pelo contrário.

Guilherme

Math disse...

Olha Serigio, desculpa mas eu discordo de você sobre a Vida da Gente em alguns pontos. Eu lembro muito pouco de AVDG e estou assistindo pela primeira. A novela é muito boa e delicada, perfeita pra novelas das seis. Eles conseguem explorar muito bem os personagens. A Licia Manzo escreve muito bem, e até arrisco a dizer que a autora deixa a história em aberto, pro público interpretar da manneira como preferir. Dá pra assistir a novela de várias pespectivas diferentes, gera debates até hj e isso é o mais interessante.

Porém, ao ler o seu texto, percebi dois pontos negativos que estão me incomodando durante a reexibição da novela. É o publico e a critica. Vou falar da critica. Eu já dei a minha opinião varias sobre os criticos de Tv, que eles bem hipocritas, eles vão pro lado onde eles mesmos podem se beneficiar. Aqui não é muito diferente. Só que, o buraco é bem mais embaixo. Ao mesmo tempo que os criticos reclamam que "Ah, team ana e team manu não importa, dá pra entender as duas", a midia tenta emplacar uma narrativa de rivalidade entre homens e mulheres em AVDG.

Na minha sincera opinião, a novela é muito mais do que isso. Essa insistência de querer lacrar, militar acaba sendo um saco. Eu não vejo a novela dessa forma. Como eu já disse, a autora explora muito bem os personagens. E é complexidade o ponto alto da novela. Na minha opinião, a vilã da história é a Eva (Ana Beatriz Nogueira). Ela taca o terror em todos os personagens. Uma vilã de peso e muito bem interpretada. Eu vejo dessa forma, alguns podem discordar de mim, outros não. Enfim, na minha opinião isso é bem hipocrita, ao mesmo tempo que a "critica" prega uma coisa, por trás fazem o que criticam o tempo todo, e eu percebi isso ao ler o seu texto.

Agora vamos falar do público. Essa parte é bem complicada, porque o público é bastante generalizado. Já pesquisei bastante sobre a novela, e soube dessa "rivalidade" que o público criou entre a Ana e a Manu. Agora, hj em dia, tá bastante forte. Ficam sempre o tempo todo, falando quem tá certo e errado, sendo que, não tem lado errado. Na verdade, todos os personagens, eu digo todos, levaram uma rasteira da vida, até a Ana levou uma rasteira. Ela perdeu a sua vida no acidente, e acorda cinco anos depois, virada do avesso. Não existe lado certo ou errado, dá pra compreender todos os personagens. Todos tem motivos, inclusive a Eva. Então, esse negócio de emplacar uma rivalidade besta entre as duas é chato e cansativo. Até desligo o Wi-fi na hora da novela, porque pra mim, não é interessante ver pessoas brigando por tudo.

Por favor, Sergio, se por acaso vc ler isso, não leve isso como ofensa. Não me confunda com um hater, eu não sou de ofender ninguém hahaha. Eu sou apenas um cara simples, dando a sua opinião sincera sobre novelas e em geral. Se alguem discorda, tudo bem discordar, sem ofensa por favor hahahahaha

Abraço Sérgio!

Jovem Jornalista disse...

Interessante seu ponto de vista. Não estou acompanhando a novela, mas gostei das suas considerações.

Boa semana!

Jovem Jornalista
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Até mais, Emerson Garcia

Roseli disse...

Sérgio, concordo que vários dos homens dessa novela são fracos e bananas.
Mas algumas mulheres são o oposto: perfeitas demais. Por exemplo, a mãe da Alice. Ela sempre é legal, sempre é compreensiva, sempre fala com voz calma, quase susurrada... É muito perfeitinha.
Mesmo a Manu, na época em que a Ana estava em coma, também era quase perfeita. Nunca reclamava da vida, nunca perdia a paciência com a sobrinha/filha, nunca se irritava com os problemas... É muita perfeição junta.
Eu gosto da novela, mas às vezes acho que os personagens são um pouco simplistas.


garotaemduvida... disse...

Texto mais que certeiro! Parabéns!

Lulu on the sky disse...

Olá Sergio,
A novela é ótima, mas parece que a autora faz questão de deixar os homens passivos para mostrar o empoderamento feminino.
Big Beijos,
Lulu on the sky

Unknown disse...
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Anônimo disse...

Lícia claramente odeia homens e tenta descontar suas frustrações nesse personagens. Não tem nada positivo nisso, é patética a ajuda a tirar essa pencha de genialidade que jogam nela e nessa novela.

Ah, e essa novela tem vilões sim. Eva é vilã. Negar isso é bizarro.