terça-feira, 7 de março de 2023

"Falas Femininas - Histórias Impossíveis" impacta e gera necessário desconforto

 Na sexta-feira passada (03), a Globo promoveu uma coletiva presencial sobre "Falas Femininas - Histórias Impossíveis", projeto da emissora cujo primeiro episódio estreou nesta segunda-feira, dia 6, logo após o "BBB 23". Participaram as protagonistas Luellen de Castro e Isabel Teixeira; as autoras Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza; e as diretoras Luísa Lima e Thereza Médicis, além de grande parte da equipe envolvida na produção. Fui um dos convidados e o episódio, intitulado "Mancha", foi exibido para todos. 


A trama narra a história da empregada doméstica Mayara (Luellem de Castro), que está em seu último dia de trabalho. Ela, que passou no vestibular e decidiu investir em seu estudo, acredita que Laura (Isabel Teixeira), mãe solo de uma bebê, é uma patroa 'diferente'. Até que Laura pede que ela desista dos seus estudos. Sem sucesso, pede um último favor: a limpeza de uma mancha na janela de vidro da sala, que muda o curso da história de ambas. O epísódio faz parte da antologia "História Impossíveis", apresentada nos especiais "Falas" deste ano, com enredos de suspense criados a partir de medos femininos. 

Impressiona a qualidade da produção. Não só do texto, como das interpretações viscerais das protagonistas e do jogo de câmeras que dão um clima de suspense ao longo da narrativa. Ainda há uma intencional mistura com um thriller psicológico.

A história inicia aparentemente melancólica e até poética, quando gradativamente vai mudando o tom através do desdobramento em cima da realidade da situação envolvendo patroa e empregada. Embora a clássica frase 'Ela é praticamente da família' nunca seja dita, está sempre presente diante da hipocrisia que envolve aquela relação, onde a patroa finge ser uma amiga compreensiva, mas faz questão de lembrar quem é que manda com rápidos cortes durante um bate-papo. 

A sutileza de várias situações que estão presentes na vida de inúmeras pessoas é uma constante. Laura mora em um apartamento de luxo na zona sul do Rio de Janeiro, onde a sua vista é linda, enquanto a janela do quarto da empregada (resquício da engenharia que domina quase todos os imóveis das cidades) fica de frente para as outras janelas dos demais quartos de empregada do condomínio. As trocas de olhares entre as personagens é outro ponto que merece menção porque vai mudando ao longo do episódio. Inicialmente, o olhar de Laura reflete um medo disfarçado de acolhimento, enquanto o de Mayara expõe um genuíno carinho que sente pela patroa. Mas a proximidade do fim do expediente, 18 horas, que marca a despedida da empregada, vai tirando a máscara daquele relacionamento. Laura vai ficando com um olhar ligeiramente raivoso e Mayara com uma mistura de ranço e decepção. 

A queda de Mayara, após um natural desequilíbrio enquanto tenta limpar a janela pelo lado de fora, sem nenhum equipamento de proteção e tendo apenas o apoio de Laura segurando a escada, transforma a trama em um suspense de tirar o fôlego. Laura fica sem saber como agir, tenta limpar as provas da tragédia e até liga para a emergência, mas sem terminar a ligação porque sua maior preocupação é dizer que não teve culpa ao invés de falar o nome da vítima. O plot twist da volta de Mayara deixa a história para a imaginação do telespectador. O retorno tira a máscara de Laura, que finalmente se dá conta que não foi uma mulher diferente de sua mãe e avó, mas, em compensação, percebe que sua filha pode ser no futuro. Até porque a personagem não é uma vilã. É fruto da descendência de uma elite brasileira escravocrata. E a própria mulher tem suas questões, pois é mãe solteira com mais de 40 anos. É tudo muito bem estruturado do início ao fim. Aliás, o que realmente aconteceu? Mayara morreu de forma trágica como tantas mulheres negras morrem diariamente no Brasil? Ou conseguiu sobreviver por algum tipo de amortecimento da queda e realmente retornou para aterrorizar sua patroa? A dúvida é fundamental para a trama. 

Isabel Teixeira, após o imenso sucesso como Maria Bruaca no remake de "Pantanal", está irretocável. Sua soberba atuação promove cenas de encher os olhos, onde muitas vezes o texto não é necessário. Laura é uma personagem que exige entrega. Já Luellem de Castro, que brilha no humor na série "Encantado`s", do Globoplay, emociona na pele de uma mulher que representa milhares de Mayaras. 

Ao longo do ano, novos episódios vão ao ar em datas que celebram causas e lutas sociais: Dia dos Povos Indígenas ("Falas da Terra"), Dia do Orgulho LGBTQIAPN+ ("Falas de Orgulho"), Dia Nacional das Pessoas Idosas ("Falas da Vida") e Dia da Consciência Negra ("Falas Negras"). 

A antologia "História Impossíveis" foi criada e escrita por Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, escrita por Thais Fujinaga, Hela Santana, Graciela Guarani e Renata Tupinambá, com direção artística de Luísa Lima, direção de Thereza Médicis, Everlane Moraes, Graciela Guarani e Fábio Rodrigo e produção de Leilanie Silva. Alinhado à jornada ESG da Globo, o projeto tem direção executiva de produção de Simone Lamosa, e direção de gênero, de José Luiz Villamarim. 

14 comentários:

Fá menor disse...

Muito interessante e pertinente.

Abraços.

Jovem Jornalista disse...

Quero muito assistir. Parece ser um tapa na cara de todos nós.

Boa semana!

O JOVEM JORNALISTA está no ar com muitos posts interessantes. Não deixe de conferir!

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Até mais, Emerson Garcia

Marly disse...

Eita, "esta é das minhas" (obras que me fisgam, por tratar de temas nos quais sempre tenho refletido)!

Beijo

Anônimo disse...

Os projetos dramatúrgicos que celebram causas e lutas sociais se fazem bastante necessários, principalmente para provocar reflexões sobre os direitos das pessoas destacadas nessas produções.

Guilherme

Outsiders disse...

Estreia do projeto provoca o espectador a pensar sobre a realidade das mulheres negras no Brasil.

Finalmente, a televisão do Brasil homenageia as mulheres com uma fantástica história de horror!

Anônimo disse...

"Alinhado à jornada ESG..." O que é isso?

Anônimo disse...

Eu não entendi o final...fiquei bem confusa.

VANDREZA SODRÉ disse...

Uma mistura de tapa na cara com questionamentos: como podemos mudar esse triste destino!? Chorei muito por saber que pode ser verdade, em algum lugar do país! 🤔😳

Sérgio Santos disse...

Bjs, Fá.

Sérgio Santos disse...

É sim, Emerson.

Sérgio Santos disse...

Bjs, Marly!

Sérgio Santos disse...

É isso, Guilherme.

Sérgio Santos disse...

Resumiu bem, Outsiders.

Sérgio Santos disse...

Tb, Vandreza.