Ótima em "Espelho da Vida", Alinne Moraes é uma atriz que nunca decepciona

O elenco de "Espelho da Vida" foi muito bem escalado, com raras exceções. Elizabeth Jhin escolheu bem seus atores e a autora tem a sua 'panelinha', assim como todos os novelistas. Alinne Moraes entrou nesse time quando viveu Lívia, a mocinha das duas fases da primorosa "Além do Tempo" (2015). É compreensível, afinal, a atriz deu um show como protagonista e não foram poucas as cenas grandiosas da intérprete. Agora, a escritora a presenteou com duas vilãs interessantíssimas.

Isabel e Dora são personagens complexas e muito bem construídas pela autora, o que proporciona ótimos momentos para Alinne na atual novela das seis da Globo. A mulher de 2019 é calculista, fria e irônica, mas carrega um trauma da infância ainda não muito explorado no enredo: foi abandonada pela mãe em um colégio interno das Irmãs Benditas, sem maiores explicações. Nunca perdoou Grace (Patricya Travassos) por isso e a relação das duas ---- iniciada há pouco tempo, após um longo período de afastamento ---- é péssima.

Interesseira, se relacionou com Alain (João Vicente de Castro) no passado com o intuito de sair de Rosa Branca, uma cidade pacata, e melhorar de vida. Como não atingiu seu objetivo, o traiu com Felipe (Patrick Sampaio), primo do então noivo, que estava de viagem marcada para o exterior. A relação resultou em uma tragédia: o rapaz sofreu um acidente de carro no dia que iam fugir e Alain flagrou os dois juntos no local do capotamento.
Felipe acabou espancado pelo cineasta e faleceu pouco tempo depois, após o agravamento de um coágulo. Isabel nunca mais teve uma relação amigável com o ex, mas a filha que esperava era dele. E apesar de usar Priscila (Clara Galinari) para se aproximar de Alain, a personagem realmente ama a menina.

Já Dora, antepassado da vilã, amava verdadeiramente Gustavo Bruno, vida passada de Alain. No entanto, a humilde, mas elegante mulher, sempre era humilhada pelo comparsa, que a usava como mero objeto sexual e uma espécie de trunfo para se aproximar de Júlia Castelo (Vitória Strada). Ela, vale ressaltar, tinha as mesmas falhas de caráter de Isabel e as chances de ter sido a assassina da mocinha são bem altas. Ou seja, a atriz está com dois papéis riquíssimos em mãos e tem aproveitado mais essa chance dada por Elizabeth Jhin para brilhar. Afinal, nada melhor do que duas víboras no currículo, após duas heroínas com a mesma autora.

E são duas vilãs com camadas. Nada contra o maniqueísmo. Malvadas mais caricatas também funcionam em alguns folhetins, mas Isabel e Dora têm traços de bondade e de sofrimento. Alinne emocionou em uma das cenas mais delicadas da novela, quando Isabel consolou Priscila, após a menina ter se negado a chamar Alain de pai. Um dos raros momentos em que aquela mãe demonstrou um carinho verdadeiro pela filha. A mágoa que a personagem sente de Grace também expõe o talento da intérprete durante os embates entre as duas. Aliás, a rivalidade com Cris é outro fator que ajuda bastante no destaque da mau-caráter. As cenas protagonizadas por Alinne e Vitória são carregadas de deboche e ironias, valorizando o desempenho de ambas.

A atriz vem se destacando cada vez mais na novela e as sequências das últimas semanas expuseram uma Isabel descontrolada emocionalmente. A vilã flagrou Cris sendo sugada pelo espelho da mansão de Júlia e chegou a ficar presa no portal quando tentou ir atrás da inimiga. Foram cenas muito intensas dramaticamente, mas Alinne não teve qualquer dificuldade. Conseguiu transmitir o choque e o surto que sua personagem teve diante daquele absurdo que presenciou. Ainda brilhou quando, dias depois, a mãe de Priscila fez questão de quebrar o espelho para prender a mocinha no passado. Também deu show no momento em que Isabel proibiu Jadson (Otávio Martins) de contar a alguém sobre o espelho quebrado ---- uma cena de vilã tirando doce de criança, literalmente.

A riqueza na construção das vilãs proporciona uma legítima torcida para que Isabel não tenha um final trágico no folhetim. Afinal, se Alain teve redenção na nova vida, após as inúmeras atrocidades de Gustavo Bruno, ela também poderia ter. Mas é bem provável que Dora tenha matado Júlia e Isabel pode tentar repetir o crime no presente. Um dos muitos trunfos do enredo é justamente esse: as teorias que são criadas por quem assiste de acordo com a história apresentada. E a autora valoriza bastante Alinne nas duas vidas. O maior elemento humanizador das vilãs é a existência de Teresa/Priscila. A menina foi irmã de Dora em 1930 e agora é a filha de Isabel. As cenas da atriz com a grata revelação mirim Clara Galinari sempre funcionam.

Alinne Moraes engrandece qualquer elenco e a intérprete costuma selecionar muito bem seus papéis. Não está em "Espelho da Vida" por acaso. A bem-sucedida experiência que teve com a autora na trama passada com certeza foi primordial para aceitar esse novo desafio e valeu a pena. Difícil imaginar Dora/Isabel sendo vivida por outra pessoa. Parece escrita especialmente para essa atriz que nunca decepciona.