terça-feira, 4 de janeiro de 2022

"Nos Tempos do Imperador" falhou na construção dos casais protagonistas

 A atual novela das seis da Globo, dirigida por Vinícius Coimbra, começou enfrentando muitas críticas a respeito de distorções históricas em torno do período imperial do Brasil. Porém, folhetim não é documentário e licenças poéticas são compreensíveis. Afinal, é ficção. Nenhuma novela que retrata períodos reais do país agradará todo mundo, principalmente historiadores. O grande problema do roteiro envolve os romances centrais. Algumas observações são necessárias sobre os dois casais principais da história de Alessandro Marson e Thereza Falcão. 

Os romances são vitais em milhares de folhetins. Os autores foram muito felizes na construção dos casais em "Novo Mundo", de 2017. Até conseguiram contornar bem todas as controvérsias em torno da relação de Dom Pedro I (Caio Castro) e Leopoldina (Letícia Colin), ao mesmo tempo que conquistaram o público com um casal aventureiro que representou o lado mais lúdico do roteiro: Anna (Isabelle Drummond) e Joaquim (Chay Suede). Já em "Nos Tempos do Imperador" houve um equívoco na condução dos dois casais.

Tanto Pilar (Gabriela Medvedovski) e Samuel/Jorge (Michel Gomes), quanto Pedro II (Selton Mello) e Luísa (Mariana Ximenes) foram formados através do amor à primeira vista. Nada contra o clichê, mas esse tipo de situação só emplaca quando há uma química gigantesca entre os atores. Às vezes nem assim. Isso porque não há construção.

O desenvolvimento da relação fica raso para o público e fica quase impossível comprar o relacionamento ao longo da história. Não há um elo afetivo do telespectador, uma torcida. Normalmente ocorre uma rejeição ou então a perigosa indiferença. É verdade que Ana e Joaquim, na trama passada dos escritores, também se apaixonaram à primeira vista. Todavia, o romance demorou a acontecer. Foram vários os empecilhos que os separavam a todo instante, o que despertava expectativa. 

Pilar e Samuel se encantaram e logo depois já iniciaram um namoro. A situação foi até parecida com Ana e Joaquim, que também se conheceram em uma fuga. Mas na atual trama fica difícil torcer por um casal onde tudo aconteceu rápido demais. Aliás, a relação nem parece muito conturbada, o que é um absurdo em se tratando de uma menina branca e um jovem negro em plena sociedade de 1864, onde a escravidão ainda existe. No início da trama, os dois passeavam como namorados pela cidade e encaravam apenas alguns olhares atravessados. Todos do círculo de amizade deles encararam a relação como natural. Realmente, é maravilhoso viver em um mundo sem preconceitos. Mas se até hoje o racismo é um câncer que está presente na sociedade, imagine na época. Seria até mais interessante ver o par sofrendo e precisando enfrentar tudo isso. Ou até mesmo a própria Pilar ter uma resistência inicial em assumir esse amor por conta dos costumes e seus próprios preconceitos, afinal, foi criada em torno deles. Mas os autores criaram uma mocinha sem preconceitos, feminista, progressista, moderna e que se tornou a primeira médica do Brasil (frase dita em quase todos os capítulos das primeiras semanas). É uma pessoa perfeita, o que a torna inverossímil e reflete no enfraquecimento do casal. 

Os dois passaram boa parte da história felizes e quando tiveram um conflito maior foi por conta de uma armação besta de Zayla (Heslaine Vieira), que chantageou Pilar e a obrigou a se separar do mocinho caso contrário contaria que ele era o assassino do pai de Tonico Rocha (Alexandre Nero). A situação se arrastou. Quando a vilã foi desmascarada, o par teve o casamento arruinado por conta de Tonico, que descobriu que Samuel era Jorge durante a guerra contra o Paraguai ---- vale ressaltar que as cenas da guerra foram cansativas e deixaram o folhetim entediante. A virada ao menos deu um fôlego ao enredo, mas não deixou nada em torno dos mocinhos mais atrativo. Agora Samuel está preso e Pilar indignada. 

A situação não muda muito em torno da relação entre Pedro II e Luísa. Muitos questionam o romance da novela porque historiadores nunca confirmaram a existência do relacionamento. Embora o imperador tenha realmente se encantado pela Condessa de Barral, tudo leva a crer que a paixão era platônica e foi registrada apenas por cartas. Mas todo folhetim tem a liberdade poética de criação. Não há problema no desenvolvimento deste amor, mesmo que apenas na ficção. O problema foi a forma como Alessandro e Thereza fizeram. Novamente, apelaram para a paixão à primeira vista. Pedro II contratou a condessa para educar suas filhas e no dia seguinte já estava perdidamente apaixonado. Luísa também não demorou para assumir seu encantamento. E menos de uma semana, os dois já se beijaram e Pedro II disse que eram almas gêmeas. Aliás, os diálogos do casal beiram a cafonice. Com todo respeito aos românticos. São frases prontas e melosas. Em pouco tempo, a condessa já estava morando com a família real e o caso 'oficializado'. Como despertar qualquer tipo de torcida? 

Aliás, para culminar a junção forçada de Pedro II e Luísa, há Teresa Cristina (Letícia Sabatella), esposa do imperador. Por mais que os autores reforcem a cada diálogo que o casamento foi um arranjo entre famílias ---- algo comum na época ---- e nunca houve amor, impossível o telespectador não ter ficado do lado da imperatriz e tido empatia com sua dor nos primeiros meses de novela. Até porque Teresa se via obrigada a fazer refeições ao lado da amante do marido e ainda lidava com as filhas, Izabel e Leopoldina, o tempo todo sob os cuidados da condessa. É perceptível que houve uma tentativa de diferenciar Luísa e Domitila (Agatha Moreira). Em "Novo Mundo", a rival de Leopoldina acabou vilanizada ao máximo pelos escritores. Oportunista, egoísta e ambiciosa, a Marquesa de Santos foi uma vilã. A ponto de ser punida no final. Já a condessa é idealista, doce, abolicionista, íntegra. Ainda assim, não tem como ficar ao seu lado no romance com Pedro II. Muito menos não sentir uma certa raiva quando finge inocência diante de Teresa ou de qualquer pessoa que fale do seu caso com o imperador. Toda a rejeição em torno do casal poderia ter sido diluída com uma construção mais vagarosa. Os dois poderiam descobrir aos poucos coisas em comum com a convivência e valeria até a personagem desenvolver uma amizade com Teresa, o que aumentaria seu conflito interno sobre o futuro caso com o imperador. 

Outro equívoco envolvendo o casal foi a gravidez de Luísa. Nada contra a licença poética, mas a situação em nada acrescentou ao roteiro. Como o fato jamais existiu na história do Brasil, os autores a fizeram abortar pouco tempo depois. O drama da personagem não causou nenhum desdobramento na novela. Foi algo gratuito. Desnecessário mesmo. E tanta pressa para o romance se mostrou um erro crasso de estratégia. Além da relação ter sido explorada apenas em breves transas escondidas e com praticamente nenhum conflito de fato, a condessa voltou para França para cuidar de seu marido em estado terminal na atual fase da trama. Foi o único momento em que Pedro e Luísa se separaram. Porque antes sempre surgia algo que adiava sua partida do país. E vale lembrar que todos sabem que o final do par não será feliz ---- basta relembrar o destino de Pedro II em qualquer livro de história. 

A verdade é que o famigerado amor à primeira vista deveria ser abolido das novelas. Aquele encantamento inicial sempre despertará o interesse do público, mas as declarações de amor profundo com menos de duas semanas de namoro não emplacam mais. Vale até incluir a reprise da ótima "Paraíso Tropical", no Viva, onde Daniel (Fábio Assunção) e Paula (Alessandra Negrini) se apaixonaram subitamente no primeiro capítulo. O folhetim é de 2007 e os mocinhos fracassaram. É uma fórmula que só funciona mesmo em obras espíritas, quando as reencarnações viram tema do enredo. A autora Elizabeth Jhin é uma expert. Ou então em contos de fadas. Já em histórias mais tradicionais o romance construído, ainda que se apoiando em outro clichê --- o das implicâncias ou brigas, por exemplo ----- sempre terá maior aceitação. Nada melhor do que acompanhar aquele sentimento surgindo. "Nos Tempos do Imperador" falhou no desenvolvimento de seus principais pares românticos. Não à toa que Nélio (João Pedro Zappa) e Dolores (Daphne Bozaski) roubaram a cena justamente porque o par teve tudo o que os centrais não tiveram: construção. 

10 comentários:

Unknown disse...

Concordo com tudo que você falou 👏👏

Anônimo disse...

Todos falam dos erros históricos dessa novela mas o principal problema dela foi isso que voce escreveu. Os protagonistas são ruins com romances piores.

Unknown disse...

Penso exatamente o mesmo. As tramas poderiam ser muito melhores se houvesse outro tipo de construção, como retratar a quase impossibilidade na época de um romance entre uma branca e um ex-escravo. Seria bem mais interessante e crível.

Pedrita disse...

eu acho q licença poética tem limite. as princesas irem a um bar à noite e ninguém reconhecer como trama de malhação beirou o ridículo. melhorou e ficou mais realista qd os príncipes chegaram. os textos de amor tb são muito infantilóides e desfocados da realidade da época. um pouco ok, mas foi over. amor romântico demais. só recentemente que acharam cartas da luísa e do pedro. parece q há um livro com as cartas. eles se corresponderam até ela ficar velhinha. eu me incomodo muito com a trama branco salvador. fizeram uns remendos, mas continua caricato. a trama da lupita é um show de erros. escravos não tinham cativos. lupita comprou escravos pro patrão dela. e não recebe herança. se recebe, tb é do patrão dela. beijos, pedrita

Heitor disse...

Concordo com cada parágrafo.

Ane disse...

Oi, voltei!
Bem eu não assisto esta novela, então não sei
sobre estes detalhes ruins.
Geralmente gosto de novelas de época.

Ane
De Outro Mundo
😊

Ana disse...

Não concordo. Existiram amores arrebatadoras como da Pilar e Samuel/Jorge, é só procurar que vai achar e, da Condessa de Barral e o Imperador também foi verídica.
Ou seja, está novela teve erros como qualquer outra, demorou a explicar, mas conseguiu esse feito. Nesse texto mostra um machismo cruel em relação a Pilar, porque as mulheres não podem ser determinadas, fortes e resolutas? Isso as faz ficarem chatas? Ela, Pilar, precisa sim erguer cada vez mais erguer a cabeça para ser respeitada para encarar o machismo e preconceito como uma mulher.
Marson e Tereza estão abordando esse texto para alfinetar os racistas e, para mostrar que tudo continua do mesmo jeito. Os autores estão "gritando " ao povo BASTA de RACISMO.

Anônimo disse...

Em malhacão Sonhos o Duca e Bianca já namoravam na historia. Acho que muita gente torceu para o Duca e Nat pq foi um relacionamento construído.

Regina disse...

"selton e mariana n tem química"
kkkkkkkkk
eles têm sim, o negócio é q os dois não engajaram com as aborrecentes shippadoras de casal
tbm, devo concordar q a história deles foi péssima, um enredo minimamente desenvolvido mostraria que eles não só têm química como também física e tudo o mais
agora, podem demonizar a condessa de barral à vontade, nada apaga o fato de que essa imperatriz teresa cristina é uma mulherzinha chata, apagada e sem sal, jamais chegará ao nível da imperatriz leopoldina, até pq, novamente, a história de leopoldina foi melhor construída que a dessa imperatriz aí, é impossível torcer pra uma criatura passivo-agressiva q adora arrotar q é uma super mãezona e que faz tudo pelas filhas e ainda joga na cara da condessa q ela "abandonou" o filho, mas na primeira chance q teve, a imperatriz mãezona largou as meninas com a amante do marido pra passar um ano fora com o cara
e recentemente, nos foi revelado que na verdade, foi eugênio, o marido da condessa, que exigiu que o filho deles fosse pra frança, unicamente para castigar a quase ex-esposa por sua traição, chega a ser patético ver gente censurando uma criança morar com o pai (por exigência dele) enquanto a mãe trabalha para servir o país, enquanto ignora as falhas da mulher que só lembra das filhas para manipulá-las em seus joguinhos de poder com a amante do marido
se a teresa tem fãs, deve ser pq uns perfis famosinhos resolveram adotar e o resto do twitter, q n tem opinião própria, vai na onda por puro engajamento
teria sido melhor pra trama que uma das duas fosse mesmo a vilã, mas os autores, no auge de sua arrogância, acharam que conseguiriam fazer algo semelhante à rivalidade das irmãs ana e manuela de a vida da gente, pena que eles são incompetentes, né?
inclusive, tenho quase certeza que se novo mundo foi mais bem feita, foi por conta de alguém que supervisionou os autores na criação da história, essa pessoa tá fazendo a maior falta agora

Márcia disse...

Eu acho que a rejeição de Pilar e Samuel tem paralelos com o que ocorreu com Ramon e Paloma em Bom Sucesso: casais interraciais estão em baixa.
A maioria do público, que é conservadora, sempre vai ter um pé atrás com um negro namorando uma branca (e vice-versa), mas tem havido um crescimento da rejeição de casais interraciais com os progressistas, especialmente aos envolvidos com o movimento negro, que tem feito várias críticas ao que eles chamam de palmitagem (justamente um negro se envolver com uma branca) e colocado em pauta que a nossa miscigenação era baseada num projeto de poder, para ir eliminando os negros diluindo as suas características após o cruzamento com brancos.
Assim, colocar nos tempos de hoje um casal interracial, ainda mais um no qual o par é formado por um homem negro e uma mulher branca, é praticamente suicídio. Se não for bem desenvolvido, não há muito o que fazer. E a situação piora quando um dos obstáculos a esse casal é justamente uma mulher negra apaixonada pelo homem negro e inconformada com a rejeição do mesmo. E fica ainda menos defensável quando lembramos que ela é vista como uma mulher rival da branca desde a infância. Há na internet (mais especificamente, no site Shoujo Café) um brilhante texto esmiuçando o racismo embutido nessa trama, e eu tenho notado que as críticas na construção da personagem fizeram os autores mudarem a trajetória de Zayla, tornando-a menos vilanizada, mas não adianta, o estrago já está feito.
Sim, certo que o casal Nélio e Dolores foi melhor construído, mas assim como o Marcos e a Paloma de Bom Sucesso, o fato deles serem brancos os ajudou a conquistar mais torcida do público. Além disso, a pele branca de Dolores a permitiu ser vista com respeito desde a primeira fase, ela pôde ser uma criança pura e ingênua, diferente da Zayla.