Ótima como Clara em "O Outro Lado do Paraíso", Bianca Bin fez por merecer uma protagonista no horário nobre

Protagonizar uma novela é um desafio para qualquer ator, incluindo os mais experientes. E quando não é um casal de mocinhos e, sim, uma única personagem? E no horário nobre da Globo? Com certeza, é ainda pior para o intérprete. Se fracassar, a mancha em sua carreira será inevitável. Ser o responsável pelo mote central de um enredo é uma missão complicada, exigindo um grau de entrega muitas vezes exaustivo. Mas, Bianca Bin conseguiu driblar todas as armadilhas possíveis e vive seu melhor momento na pele da vingativa Clara, em "O Outro Lado do Paraíso".

A heroína do fenômeno de Walcyr Carrasco correu um risco alto de ser rejeitada nas primeiras semanas, pois apresentava todas as características irritantes de uma mocinha. Era excessivamente ingênua, passiva e totalmente manipulável. Caiu na lábia do conquistador e violento Gael (Sérgio Guizé) com facilidade e não reagia diante das declarações arrogantes da sogra, Sophia (Marieta Severo), e da cunhada, Livia (Grazi Massafera). Para piorar, mesmo apanhando do esposo várias vezes, se negava a denunciá-lo --- como ocorre mesmo na vida real. Ou seja, um teste de paciência para o telespectador.

A questão que a humanizava, despertando empatia do público, era a tragédia envolvendo o seu pai, morto quando garimpava as suas terras em busca de esmeraldas. Esse trauma, inclusive, deixava a protagonista firme em relação ao terreno do avô, Josafá (Lima Duarte), negando qualquer chance de garimpo e enfrentando as intimidações da sogra e do marido.
A atriz conseguiu dominar a personagem logo no início do enredo, mesmo diante de todos esses 'empecilhos dramatúrgicos', provando que a escalação de Walcyr foi um acerto. A burrice da mocinha foi atenuada pela atuação entregue da intérprete.

E Bianca comoveu muito em todos os momentos em que Clara apanhava de Gael, além de ter demonstrado uma linda sintonia com os magistrais Lima Duarte e Fernanda Montenegro (Mercedes). A trajetória da personagem foi exigindo cada vez mais dela e as cenas em que a mocinha foi parar no hospício, sendo internada por Sophia e conhecendo sua futura mentora Beatriz, proporcionaram sequências muito fortes dramaticamente. A atriz ainda fez uma maravilhosa dupla com Nathalia Timberg, emocionando ao lado da veterana, que fez uma breve participação. E um de seus melhores desempenhos no enredo foi justamente na hora em que Clara jurou se vingar de todos os seus inimigos, diante do penhasco onde ficava o manicômio.

A virada da protagonista rendeu a cena mais marcante de "O Outro Lado do Paraíso", entrando para a história da teledramaturgia, sem exagero. A entrada triunfal de Clara, em meio ao festão organizado por Sophia e sua corja, ao som de "Blaze Of Glory" (Jon Bon Jovi), foi de lavar a alma do público e a partir daquele ponto ficou perceptível a mudança na atuação de Bianca, que deixou a expressão angelical de lado, adotando uma postura mais altiva e poderosa. Claro que o fato da personagem ter ficado milionária contribuiu, mas o trabalho corporal da atriz fez toda diferença. Ali nasceu uma nova Clara. Impossível lembrar da icônica frase "Vocês não imaginam o prazer que é estar de volta" sem rememorar a expressão de deboche da heroína.

Desde então, Bianca vem protagonizando ótimas cenas e norteando o roteiro, provocando viradas em todos os núcleos através das vinganças de Clara Tavares. Vale destacar a reviravolta mais recente da novela, quando Renato (Rafael Cardoso) se revelou um dos grandes vilões da trama. Bianca deu um show quando a mocinha descobriu a verdade sobre o seu até então noivo, negando se casar em pleno altar, deixando os convidados e ele impactados. Logo depois, a intérprete foi ainda mais exigida, emocionando durante o desdobramento dessa descoberta, com Renato finalmente tirando a máscara de bom moço e debochando da mocinha. Aliás, Rafael Cardoso, Glória Pires, Lima Duarte, Sérgio Guizé e Thiago Fragoso (que tem uma química grande com Bianca) também brilharam.

É preciso lembrar que Bianca não foi escolhida para ser protagonista no horário nobre às cegas. Walcyr apostou nela simplesmente porque a atriz roubou a cena em "Êta Mundo Bom!" (2016), fenômeno das seis do escritor, apagando totalmente a verdadeira mocinha (Filó - Débora Nascimento), e transformando a lutadora Maria na heroína do enredo sobre Candinho. Saiu de coadjuvante e virou protagonista graças ao seu talento. Sua evolução, por sinal, é visível. Estreou inexpressiva em "Malhação" (2009); não foi bem como adolescente mimada na ótima "Passione" (2010) e teve um desempenho mediano tanto como a chiliquenta Açucena, em "Cordel Encantado" (2011), onde viveu a mocinha, quanto como vilã no remake de "Guerra dos Sexos" (2012). Já nas equivocadas e fracassadas "Joia Rara" (2013) e "Boogie Oogie" (2014) demonstrou um claro amadurecimento cênico, se destacando. Ou seja, protagonizou três novelas das seis e roubou a cena na quarta da mesma faixa, até ser colocada no posto de personagem central no principal horário da Globo. Uma faculdade de artes cênicas diante do telespectador, praticamente.

Bianca Bin faz por merecer o protagonismo de "O Outro Lado do Paraíso" e vive seu melhor momento na carreira na pele da determinada Clara. A mocinha vingativa ganhou uma atriz dedicada e que faz jus ao posto, honrando a confiança de Walcyr Carrasco e do diretor Mauro Mendonça Filho.