quarta-feira, 25 de setembro de 2019

"Órfãos da Terra" e a obsessão das autoras por sequestros

A atual novela das seis da Globo, lamentavelmente, se perdeu por completo. Não há mais salvação ou esperança. Ainda mais faltando apenas dois capítulos para o final. A possibilidade de um novo fôlego com o desmascaramento de Dalila (Alice Wegmann) logo acabou desfeita em virtude do encaminhamento frágil de uma vingança já sem lógica. E "Órfãos da Terra" ainda expôs a limitação criativa de Duca Rachid e Thelma Guedes através de vários sequestros utilizados com o intuito de "movimentar" o roteiro. Na verdade se trata apenas de uma tentativa de disfarçar a falta de história.


A primeira sequestrada foi Laila (Julia Dalavia). Aziz Abdallah (Herson Capri) mandou um capanga raptar a sua "esposa" no Brasil e Jamil (Renato Góes) conseguiu salvar a amada, ainda que tenha ficado preso no cativeiro por algumas horas com a mocinha. Era o início da trama e até o momento a produção era repleta de qualidades. Até assim o recurso foi utilizado. Mas o enredo começou a se perder com a morte gratuita do sheik e tudo foi piorando ao longo dos meses. Foi uma questão de tempo observar a muleta das autoras sendo utilizada outras vezes e agora com um pano de fundo repleto de equívocos.

Dalila, se vendendo como uma pessoa boa e bem intencionada, já no Brasil, levou o filho de Jamil e Laila para passear e o largou sozinho na rua para se atropelado. Não deixou de ser um outro sequestro. Afinal, levar uma criança para longe dos pais já configura o crime.
Poucas semanas depois, mais um rapto aconteceu: Arthuzinho (Rafael Sun) foi sequestrado para intimidar Miguel (Paulo Betti), que perdeu uma fortuna no jogo. Tudo um plano da vilã, obviamente. O avô pagou a dívida e libertou o neto.

Mas não era o bastante. Dalila ainda sequestrou novamente Raduan (Breno Dellatorre) para obrigar Jamil a se casar com ela. Esse sequestro evidenciou a total falta de lógica do enredo da trama. A filha do sheik demorou três anos para iniciar sua "vingança". Se fingiu de boazinha e gastou uma fortuna ajudando refugiados com o intuito de ganhar a confiança de todos, queimou o food truck de Missade (Ana Cecília Costa) e montou um cassino clandestino apenas para Miguel ficar endividado e passar sua dívida para Jamil com o intuito de chantageá-lo. Perdeu um precioso tempo para realizar tudo isso. Então, por qual razão a vilã raptou a criança para impedir a fuga do mocinho no dia do casório? Não bastaria mostrar tal dívida (vale lembrar, inclusive, que no Brasil é impossível uma pessoa passar todos os seus bens para outra)? Se o rapaz cederia sua ameaça para salvar o filho, não seria mais fácil ter sequestrado Raduan logo no início? Para que gastou tanto dinheiro em um longo plano inútil?

Até no núcleo cômico teve rapto. Sara (Verônica Debom) acabou sequestrada por Abner (Marcelo Médici), Ester (Nicette Bruno), Bóris (Osmar Prado) e Mamede (Flávio Migliaccio) no dia de seu casamento com Ali (Moudamed Harfouch).

A repetição em torno de vários sequestros não vem de agora. Infelizmente, é um vício comum das autoras. A dupla estreou em "O Profeta", em 2006, e abusou do recurso no remake supervisionado por Walcyr Carrasco. O vilão Clóvis (Dalton Vigh) sequestrou a mocinha Sônia (Paolla Oliveira) e muitos outros personagens com frequência. Nem mesmo o trabalho mais aclamado das escritoras escapou dos cansativos raptos. Afinal, como esquecer as inúmeras fugas de Açucena (Bianca Bin), sempre sequestrada por Timóteo (Bruno Gagliasso) em "Cordel Encantado"? Aliás, o vilão da novela de 2011 também sequestrou vários outros personagens ao longo da história e por isso a produção ficou cansativa da metade para o final (a deficiência do roteiro ficou evidente na recente reprise no "Vale a Pena Ver de Novo").

"Joia Rara", o maior fracasso das autoras, foi outra novela que abusou do crime em 2013. Manfred (Carmo Dalla Vechia) sequestrou a mocinha Amélia (Bianca Bin) algumas vezes e outros perfis também foram suas vítimas, como Pérola (Mel Maia). "Cama de Gato" (2010), folhetim da dupla, supervisionada por João Emanuel Carneiro, é mais um caso da falta de criatividade da situação. A vilã Verônica (Paolla Oliveira) sequestrou o mocinho Gustavo (Marcos Palmeira) e também raptou a filha da mocinha Rose (Camila Pitanga), citando apenas dois exemplos. Ou seja, até agora Duca e Thelma usaram repetidamente o mesmo clichê em absolutamente todas as suas obras.

Thelma declarou no Twitter que isso é uma marca da dupla. A razão foi a nota zero que a colunista Patrícia Kogut deu para os vários sequestros de "Órfãos da Terra" meses atrás. Porém, é preciso ressaltar que o recurso não pode ser classificado como "marca". Todo autor costuma ter um padrão. É fato. João Emanuel Carneiro tem as vilãs loiras; Walcyr Carrasco os animais em núcleos cômicos ou guerra de comida (embora nem sempre os use); Carlos Lombardi os atores descamisados; Manoel Carlos os barracos de familiares endinheirados do Leblon; enfim. Mas nenhuma dessas situações movem as novelas ou alteram o roteiro. O caso dos sequestros provoca uma falsa sensação de agilidade, quando na verdade se trata apenas de uma mera enrolação disfarçada diante de uma ausência de conflitos melhores.

É verdade que o sequestro da mocinha ou do mocinho é um clichê antigo na teledramaturgia. Todos os escritores usam. E normalmente na reta final das novelas para provocar uma tensão. Todavia, no caso de Duca Rachid e Thelma Guedes esse recurso é usado à exaustão do início ao fim de suas produções. Não é possível que as escritoras não consigam pensar em nada melhor ao longo de suas histórias. Para culminar, no penúltimo capítulo de "Órfãos Da Terra", Dalila fez Camila (Anaju Dorigon) de refém para poder sequestrar Laila. Com todo respeito, não há paciência que aguente. Não é marca, é preguiça.

19 comentários:

Anônimo disse...

Esse seu texto vomitou muitas verdades e eu confesso que nem lembrava que em Cama de Gato tb teve festival de sequestro. A memória nos trai.

chica disse...

Passando aqui,te lendo,fico sabendo de tudo,de cada detalhe...Isso é bom! Abração, chica

Anônimo disse...

Que vergonha de novela. Esse lixo ainda pode ganhar o Emmy por causa da estética e da temática.Isso é o mais desesperador.

Leitora disse...

Olá Sérgio! Nossaaa eu amei esse final: "Não é marca é preguiça." Enquanto eu lia eu só pensava: Quanta falta de criatividade! Mas criatividade não é uma coisa que vem o tempo inteiro às vezes surge uma ideia incrível, mas geralmente quem escreve tem que pensar. Botar o Tico e Teco pra discutir. E utilizar o mesmo recurso várias vezes só mostra exatamente isso: Preguiça!
Marca pra mim são as Helenas do Manoel Carlos, como você lembrou os descamisados do Lombardi, marca é uma coisa que a gente vê nos textos do autor. Como a sensíbilidade da Lícia Manzo, o sem nuances do Walcyr que é um texto mais cru e algumas vezes pastelão, a pegada mais tensa e direta do João Emanuel. Uma agilidade por vezes policialesca, os personagens típicos como a Lícia que tem os "orelhas" a Glória Perez e seus personagens multiculturais. Isso é marca! É você olhar uma história pela primeira vez e só pelo cena e todo contexto já saber que aquela história é do Gilberto Braga ou do Silvio de Abreu.
Agora utilizar o mesmo Plot sempre pode ser preguiça ou desleixo ou uma mistura dos dois. Pode ser qualquer coisa menos marca.
Gosto é uma coisa intrínseca de cada um, mas eu já pensei que elas eram ótimas autoras, porém a verdade é que não. Pelo menos não pra mim. Vários autores escorregam não é essa a questão, mas eu vi estas obras e na época não me liguei tanto em nada disso ou simplesmente praticava o "glorez" deixava voar. Na reprise de Cordel que eu gosto muito apesar de tudo é que eu vi os erros. Chegou ao ponto que a trama ficou andando em círculos, mas isso você sabe e lembrou. E Órfãos tem um enredo fraco. Talvez alguém diga: "Ahhh, mas a temática dos refugiados..." Olha só existe uma coisa chamada Trama e Tema. Um exemplo de Tema: Vingança que inclusive é um dos temas de Órfãos da Terra. Quantas histórias de vingança existem? Milhares né? Logo é um tema clichê, mas o que faz esse tema ser bom e atrair as pessoas, além do sabor de: "Os humilhados serão exaltados"? Isso mesmo a trama. A maneira que a trama é costurada pra começar queremos vingança parta ou de um personagem carismático que sofreu o pão que o diabo amassou ou de um personagem que começa não muito querido e aos poucos vai nos conquistando, mas de alguma forma sofreu tbm. Precisamos sentir na pele a injustiça que aquele personagem sofreu. Ficamos muito revoltosos com injustiça, agora me diga que injustiça Dalila sofreu?? Esse seria o primeiro grande erro. Note que eu disse o primeiro. Não é porque uma novela tem como tema algumas questões a serem discutidas que ela é boa. Você lembra de Salve Jorge, claro que lembra, qual era o tema? Tráfico de Pessoas e a Trama? Deu um auê aí na cabeça agora né? Porque a trama seria simples, uma mulher que é traficada e etc, etc, mas a costura dessa trama é um emaranhado de fios soltos com buracos aqui e ali. E olha Bom Sucesso um dos temas é uma coisa simples: Amizade, mas olha a trama como é bem costurada. Você não precisa de um tema grandioso, você precisa antes de mais nada de uma boa trama. Um tema grandioso em uma trama cheia de buracos se afunda, já um tema simples em uma costura bem feita se sobressai e mais do que isso ele destaca os demais temas considerados pertinentes.
Então sim Órfãos da Terra pode ter uma grande temas, porém lhe falta trama e quando tem é sustentada em alicerces de areia, prova disso é essa quantidade absurda de sequestros.

Anônimo disse...

Você pra esculachar fica ainda melhor nunca vou me cansar de falar isso. hahahahahahah

Anônimo disse...

Sérgio, mais uma vez, como de costume, concordo integralmente com o seu texto e os comentários da Leitora. As críticas ferrenhas recebidas por "Órfãos Da Terra" são mais do que merecidas, e finalmente após pouco mais de uma década foi constatada a insistência de Duca Rachid e Thelma Guedes em abusarem do clichê dos sequestros em suas obras. Nunca assisti à versão de 1977 exibida na extinta Rede Tupi da novela "O Profeta", mas creio que nem mesmo Ivani Ribeiro, como excelente roteirista que foi pela vida inteira, limitou sua criatividade a empregar esse recurso com o intuito de movimentar as tramas de suas novelas. E por falar no abuso desse clichê em produções televisivas, uma mais recente ingressou na lista delas: (parece ser obsessivo da minha parte, e creio que, de fato, seja dessa maneira, mas não posso deixar de mencionar) a desprezível "Malhação - Vidas Brasileiras" (2018), na qual vários fatores elencados por você em seus textos a respeito dela contribuíram para o fracasso moral daquela temporada que sequer teve a média geral de audiência satisfatória (sei que "Malhação - Sonhos" (2014) também não a teve, mas ao menos houve burburinho por parte de quem acompanhou a fase em questão) e só foi produzida pela Rede Globo porque Silvio de Abreu, o atual diretor de Dramaturgia Diária da emissora, parece se destacar mais pelos equívocos do que pelos acertos em suas decisões no exercício do cargo. Enfim, Sérgio, aguardo a análise final da chatíssima "Órfãos Da Terra" na noite de amanhã para concordar com você e todos os internautas com gosto apurado para teledramaturgia. Sem mais. (Pelo menos até então...).

Guilherme

Pedrita disse...

às vezes eu acho q a globo diz só aceitar novela se nos últimos capítulos a vilã sequestrar a mocinha, ou o bebê da mocinha. trama velha, chata e cansativa. igual as corridas de carros em filmes americanos. uma infinidade de tempo desprezível. eu acho q órfãos continua ótima. dalila podia ter partido com o pai lá atrás. pq as outras tramas são excelentes. bom, a do abner tá chata tb. mas as outras são ótimas. eu adorei joia rara. como disse, as autoras são ótimas em tramas paralelas, mas como há a obrigatoriedade de um núcleo principal, ficam inventando maldades de vilãs. dona do pedaço está igual. bom sucesso começa a ir para o mesmo caminho. beijos, pedrita

Lulu on the sky disse...

O que mais me chateia é que essa novela tinha tudo para ser A NOVELA das seis. Mataram vilão no começo, fizeram da filha uma obssecada por vingança e mal amada. Enquanto nas tramas paralelas além de rodarem em círculos, tinha troca troca de casais com total falta de química.
big beijos
Lulu on the sky

Anônimo disse...

Só li verdades, eu tomei nojo dessa novela qnd a Camila denuncia o Cassino para Almeidinha e com menos de 20 minutos ela dá a batida e todo o Cassino tem se transformado num escritório. Isso foi uma agressão a minha inteligência, parei de assistir porém ouço de tabela pois a TV fica ligada e minha mãe que mais dorme que assiste "acompanha".

Adriana Helena disse...

Sérgio, somente com você entendo e acompanho as novelas e o teor que elas querem realmente transmitir!
Que decepcionante não é verdade? Órfão da Terra tinha tudo para ser um trabalho de excelência e se perdeu no caminho..
E você sempre espetacular em esmiuçar todos os detalhes querido, você é demais!!!
Tenha um final de semana maravilhoso!!!
Beijos!! :))))

Sérgio Santos disse...

Que bom, Chica.

Sérgio Santos disse...

Que comentário maravilhoso, Leitora. E eu tb nunca achei as autoras excelentes, pelo contrário. Agora só constatei tudo. E endosso todo o seu comentário.

Sérgio Santos disse...

Obrigado, anonimo. kkk

Sérgio Santos disse...

Muito bom seu comentário, Guilherme.

Sérgio Santos disse...

Isso, Lulu.

Sérgio Santos disse...

Nem lembrava mais disso, anonimo... kk foi ridiculo msm.

Sérgio Santos disse...

Bjs, Pedrita.

Sérgio Santos disse...

Fico honrado, Dri. bj

Sérgio Santos disse...

Pior que pode ganhar msm, anonimo...