A valorização dos atores veteranos e o lindo casamento de Josafá e Mercedes em "O Outro Lado do Paraíso"

Não é todo autor que dá o devido valor aos atores que fazem parte da teledramaturgia e da história da televisão brasileira. Muitos acabam ganhando coadjuvantes sem muita função e raramente têm um bom destaque. "Deus Salve o Rei", atual trama das sete da Globo, por exemplo, reflete essa desvalorização. São poucos intérpretes mais experientes e os poucos que tinham morreram ou sumiram da história, como Rainha Crisélia (Rosamaria Murtinho) e Rei Augusto (Marco Nanini). Já o "O Outro Lado do Paraíso" expõe justamente o contrário: a experiência é constantemente valorizada.

Walcyr Carrasco é um escritor que sempre procurou dar destaque aos veteranos em seus folhetins e o atual é mais um exemplo. É até impressionante a quantidade de medalhões da teledramaturgia escalados para essa produção e com perfis de importância. Nesta segunda-feira (02/04), por sinal, foi ao ar o casamento de Mercedes e Josafá. O casal de 'velhinhos turrões' sempre foi um dos pontos altos da trama, destacando o brilhantismo de Fernanda Montenegro e Lima Duarte, figuras tão raras em novelas.

E o casório não tinha como não emocionar o público. Após muitas brigas (resultando em cenas divertidas), os dois finalmente resolveram fazer uma cerimônia, partindo da vidente o pedido de casamento, logo depois que a mesma descobriu pela filha, Diva (Bel Kutner), que estava viúva há um bom tempo.
A cena, dirigida com competência por Mauro Mendonça Filho e equipe, valorizou a linda sintonia dos atores e a facilidade que ambos têm em transmitir emoções através dos olhares. Foi um momento delicado e até raro na ficção, pois quase nunca há destaque em pares de idosos, ainda mais resultando em matrimônio.

Só mesmo em novelas do autor há esse tipo de valorização, vide o bonito casamento de Bernarda (Nathalia Timberg) e Lutero (Ary Fontoura) em "Amor à Vida" (2013) ou a relação sensível entre Juju (Nicette Bruno) e Romeu (Ary Fontoura) em "Sete Pecados" (2007), citando ainda Osvaldo (Fúlvio Stefanini) e Divina (Neusa Maria Faro) em "Alma Gêmea" (2005), Pancrácio (Marco Nanini) e Anastácia (Eliane Giardini) em "Êta Mundo Bom!" (2016), e Dona Mimosa (Suely Franco) e Calixto (Pedro Paulo Rangel) em "O Cravo e a Rosa" (2000). Entre tantos outros em suas obras. E o caso de "O Outro Lado do Paraíso" ainda conta com um 'terceiro elemento' muito luxuoso: Laura Cardoso, que vive a cafetina Caetana. A responsável pelo bordel era apaixonada por Josafá no passado e armou para separá-lo de Mercedes. Ela só se entendeu com a rival séculos depois, resultando em uma cena magnífica das veteranas.

Laura, inclusive, só participaria da primeira fase e em poucos capítulos. Mas a atriz amou tanto a personagem que pediu ao autor para não matá-la e ele, claro, aceitou. Caetana, então, virou um dos principais destaques do núcleo do bordel e ainda criou uma forte amizade com Mercedes, sempre procurando alertá-la das encrencas da neta, Cleo (Giovanna Cordeiro). O laço ficou tão forte que a 'prostituta aposentada' foi até no casamento da ex-rival com o seu ex-grande amor. E emocionou, assim como seus queridos colegas. O momento em que Mercedes ofereceu o primeiro pedaço de bolo para a amiga foi um primor. Os olhares disseram tudo. Aliás, ver esse trio junto em um folhetim é um privilégio raro. Eles até brincam em entrevistas a respeito da idade, dizendo que os três somam uns 500 anos de tevê.

Além deles, no entanto, é preciso citar outros veteranos com espaço no atual fenômeno das nove. Ana Lúcia Torre tem dado um show como a preconceituosa e divertida Adnéia, virando o destaque do núcleo de Samuel (Eriberto Leão). As situações são repetitivas e cansativas, tendo como único objetivo inserir comicidade no roteiro e preencher o tempo dos capítulos, mas ainda assim a atriz tem o espaço que merece. O mesmo vale para Eliane Giardini, que tem uma grande importância na pele da racista Nádia, formando uma boa dupla com o também experiente Luis Melo, intérprete do juiz Gustavo. E o que dizer da maravilhosa Marieta Severo vivendo a asquerosa Sophia, grande vilã da história? Ótima e sempre com muitas cenas.

Vale citar outro grande nome: Glória Pires, protagonizando uma verdadeira avalanche de catástrofes com sua sofrida Elizabeth, que vem enfrentando um drama atrás do outro desde que a novela estreou. A cena em que a personagem descobriu o estado crítico do seu fígado em virtude do alcoolismo, exibida também nesta segunda, por exemplo, destacou a entrega da atriz, que transmitiu todo o desespero de Beth em não poder salvar Adriana (Julia Dalavia). Ela ainda deu um show quando a mãe de Clara entrou em crise de abstinência, surtando por um gole de bebida. Mais uma intérprete recebendo o devido valor na trama. Até mesmo a breve participação da grandiosa Nathalia Timberg valorizou o talento da atriz, comovendo quem assistia com a inteligente Beatriz, paciente do hospício em que Clara (Bianca Bin) ficou internada. O autor só falhou mesmo com Juca de Oliveira, que poderia ter aparecido muito mais através das maldades de Natanael, e Zezé Motta, que apareceu bastante no começo, mas acabou perdendo espaço com a Mãe do Quilombo.

O casamento de Josafá e Mercedes em "O Outro Lado do Paraíso" proporcionou cenas belíssimas protagonizadas pelos sempre irretocáveis Lima Duarte e Fernanda Montenegro, deixando ainda mais claro o quanto Walcyr Carrasco faz questão de dar destaque aos atores mais experientes em seus folhetins. Tomara que vários outros escritores sigam esse exemplo, pois intérpretes que fizeram história na teledramaturgia não podem ser esquecidos nunca.