quinta-feira, 7 de abril de 2016

"Pé na Cova" mesclou humor negro e melancolia com eficiência

A série de Miguel Falabella ---- escrita em parceria com Artur Xexéo, Antônia Pellegrino, Flávio Marinho, Alessandra Poggi e Luís Carlos Góes, dirigida por Cininha de Paula ---- estreou em janeiro de 2013. A produção provocou um estranhamento inicial pela quantidade de tipos caricatos e ausência de um enredo que despertasse atenção. No entanto, essa primeira impressão durou pouco. Com o tempo, foi ficando claro que o maior atrativo era justamente aquela turma nada normal, além do texto repleto de boas tiradas e muito humor negro.


A excêntrica família do subúrbio era composta por várias figuras tragicômicas e o pano de fundo da história não poderia ter sido mais apropriado: uma funerária, a "F.U.I" (Funerária Unidos do Irajá). Ruço (Miguel Falabella) herdou o negócio do pai e passou por muitos perrengues para se sustentar. Sua ex-esposa --- que na verdade sempre foi atual ---, Darlene (Marília Pêra), era a maquiadora dos defuntos, enquanto uma das melhores amigas da família (a esquizofrênica Luz Divina - Eliana Rocha) exercia a função de carpideira.

Os três sempre foram os grandes destaques da série. Os personagens eram os melhores e mais ricos, além de mais engraçados. Ruço vivia proferindo ensinamentos que achava ser de Shakespeare e costumava rir da própria desgraça. Darlene era uma alcoólatra que não largava o copo de gim e ainda vivia com seu cigarrinho na boca.
Já Luz Divina sempre se achou irresistível e fazia questão de contar várias situações absurdas que havia protagonizado ao longo de sua vida. Miguel Falabella, Marília Pêra e Eliana Rocha foram impecáveis do início ao fim.

Aliás, a produção foi a última que pôde contar com o imenso talento de Marília, que faleceu em dezembro de 2015. Mesmo muito debilitada, a atriz fez questão de gravar as duas últimas temporadas inteiras (na verdade foi apenas uma mais longa, dividida em duas) e seu grande amigo Miguel chegou a aumentar o destaque de Darlene, parecendo pressentir o que viria a acontecer. Todas as cenas protagonizadas pelos dois deram um triste tom de adeus. Esses momentos finais, inclusive, serviram para o público se despedir com carinho de uma das mais versáteis intérpretes do país.


Mas, além dos perfis e atores já mencionados, o seriado apresentou muitos outros bons tipos. A empregada Adenóide, por exemplo, era um show à parte. Interpretada pela ótima Sabrina Korgut, a personagem não tinha papas na língua e conseguia ser ainda mais pobre do que a família de Ruço. Suas misérias eram contadas em tom de deboche. Vale mencionar ainda o divertido Marcão (Maurício Xavier), mecânico que virava a exuberante Markassa a qualquer hora do dia. Odete Roitman (Luma Costa), Alessanderson (Daniel Torres), Tamanco (Mart`nália) e Juscelino (Alexandre Zacchia) também merecem destaque, assim como as gêmeas (uma branca e outra negra) Soninja (Karin Hills) e Giussandra (Karina Marthin).


Uma personagem que só gritava "Piranha", entre outras palavras não muito amigáveis, era a Bá (Niana Machado) e conseguiu ter seu espaço na série, sendo uma das figuras mais carismáticas. Ela era a antiga babá de Ruço e foi mantida na casa da família quase como uma peça decorativa. Tudo a ver com o clima da atração. Entre outros tipos que engrandeceram a série através das suas excentricidades foram Dircéia (Helady Araújo) --- que vivia chamando Ruço de "viado" ---, Dr. Zoltan (Diogo Vilela), Abigail (Lorena Comparato), Floriano (Rubens de Araújo) e Deputado Sebonetti (Marcelo Picchi).


O sarcasmo da história estava na fala de cada personagem e o texto era um dos pontos altos. Repleta de tiradas trágicas, cômicas e politicamente incorretas, a série retratava um deboche contínuo. Uma ironia em cima das dificuldades da vida, da hipocrisia do ser humano, do riso em cima da desgraça, da contradição de cada pessoa, enfim. E faziam isso com maestria. Mas não era só. O enredo também apresentava uma dose de melancolia em todo fim de episódio, principalmente através de Ruço e Darlene. O casal deixava de lado as piadas e conversava seriamente, em tom muitas vezes bastante triste, sobre a vida deles e de todos. Momentos que emocionavam sempre.


O último episódio foi focado no aniversário de Ruço, que precisou lidar com a ausência de vários queridos amigos que seguiram seus respectivos caminhos (vide Markassa, Giussandra e Soninja, entre outros). As cenas finais ---- embaladas ao som de "Goodbye" (Air Supply) ---- foram repletas de nostalgia, uma vez que o protagonista voltou no tempo quando começou a ver um compilado de imagens naqueles antigos 'binóculos de fotos', que ganhou de presente da Darlene. Algumas ótimas sequências de todas as temporadas foram relembradas, inclusive o episódio musical especial exibido em 2014. Quando acaba de 'viajar no tempo', Ruço se depara em um estúdio de gravação e vai embora, meio desnorteado. Logo depois, surge uma produtora que escreve em um mural "Gravado. Fui!", encerrando a trajetória da série através de uma ótima metalinguagem. A frase final "O resto é silêncio" (William Shakespeare) foi uma homenagem a Marília Pêra e a subida dos créditos, sem qualquer som, arrepiou.


"Pé na Cova" teve cinco temporadas e saiu do ar com dignidade ---- até porque não haveria como continuar sem Marília. A série de Miguel Falabella ---- cuja trilha sonora, repleta de clássicos internacionais, era um show à parte --- conseguiu fazer rir e chorar através de uma gama de personagens tragicômicos, onde a alegria de viver se sobressaía, apesar dos inúmeros problemas que faziam questão de aparecer a todo instante. O humor negro e a melancolia foram mesclados com eficiência. Deixará saudade.

24 comentários:

Valentina disse...

Confesso que não gostava muito, mas valeu pela Marília.

Anônimo disse...

Pra mim já foi tarde, mas lamento pelo adeus da Marília na telinha!

Daniela disse...

Foi lindo o final. Me emocionei!

Thamires disse...

A primeira temporada foi ótima, mas depois ficou muito chato. Só que concordo que o último episódio foi lindo e arrepiante. Triste ver os créditos subindo sem som.Um lamentável adeus a Marília Pêra.

Heitor disse...

Foi uma série mediana, mas o texto era um acerto.E Marília será eterna.

Matheus Nogueira disse...

Sérgio,o SBT está preparando uma novidade em sua programação noturna.à partir de Junho,será exibida,com 26 episódios,a série´´A Garota da Moto´´,produzida em parceria com a Mixer e a Fox.escrita por Tiago Santiago,a série terá Christiana Ubach como protagonista.ela será uma motoqueira q arriscará sua vida para ajudar seu pai e seu filho pequeno.

Adriana Helena disse...

Sérgio, desde que o Pé na Cova entrou no ar, com aquela abertura de caveirinhas dançantes, me apaixonei...rsrs
Gosto do diferente e inusitado e nisso a sério foi fantástica!
Destaco também, além da brilhante interpretação dos atores que mencionou, a trilha sonora que era constituída de canções antigas que emocionavam demais...
Fiquei desolada com a morte da Marília Pera, pois ela era intensa, querida e forte e jamais haverá alguém como ela! :(
Enfim, um belo trabalho para ficar na história da tv!

E você sempre trazendo pra gente tudo de melhor e mais completo Sérgio, obrigada!
Maravilhoso fim de semana querido amigo!

MARILENE disse...

Sérgio, não era fã do programa, apesar de minha admiração por alguns atores que dele faziam parte. Com o falecimento da grande Marília Pera e sabendo que havia episódios gravados, quis vê-los. Terminou de forma grandiosa e emocionante. Bjs.

Sérgio Santos disse...

Entendo, Valentina!

Sérgio Santos disse...

Sem problema, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Idem, Daniela.

Sérgio Santos disse...

Concordo que deu uma decaída, sim, Thamires. Teve altos e baixos. bj

Sérgio Santos disse...

Será mesmo, Heitor.

Sérgio Santos disse...

Eu já havia lido sobre isso, Matheus. Aguardemos.

Sérgio Santos disse...

Eu que agradeço, Adriana. Comentário excelente e eu tb mencionei a trilha no texto. Foi primorosa mesmo, repleta de clássicos. bjs e obrigado pelo carinho.

Sérgio Santos disse...

Entendo, Marilene. Bjão

Vane M. disse...

Por incrível que pareça meus personagens preferidos foram a saudosa Darlene e a Bá... achei interessante Miguel trazer para a série atores novos e mesmo muito simples pessoalmente. Abraços!

Vera Lúcia disse...


Olá Sérgio,

Embora não seguisse à risca o "Pé na Cova", lamentei não ter assistido seu encerramento, embora ainda tenha oportunidade de assistir pela internet. É que a gente vai deixando para quando tiver um tempinho disponível e acaba não vendo.
Ficava tocada toda vez que via Marília Pêra em cena. Admirável mulher, além de incomparável artista.
Pelo visto, foi mesmo um encerramento regado a nostalgia. O programa não seria mesmo mais viável sem Marília Pêra.

Ótimas considerações.

Abraço.

Sérgio Santos disse...

Também eram meus preferidos, Bia. Mas acrescento a Luz Divina. bjsss

Sérgio Santos disse...

Não teria como a continuação, Vera. E o final foi emocionante. Se puder, tente ver a última cena. Só ela já vale. bjs

Unknown disse...

Assinei o Globo play e assisti durante três dias e três noites. Amei. Lindo, impecável, surpreendente.
Me perdi de amor, de sonho, do desejo de que não terminasse nunca a deliciosa dramaturgia chamada: "Pé na Cova".

Marcelo Fernandes disse...

"Pé na cova" foi maravilhoso, personagens interessantes, histórias em sua maioria cativantes, combinação de humor e emoção, que só gente simples consegue entender, parabéns aos envolvidos.

Anônimo disse...

Aqui estou Zamenza, conheci teus textos no Twitter e agora que fui descobrir esse blog, estou reassistindo Pé na Cova e os melhores personagens são os 4 principais:
Ruço, Darlene, Juscelino e a Luz Divina.

Anônimo disse...

Zamenza escreve muito bem