quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Abordagem da violência doméstica em "Mulheres Apaixonadas" foi histórica

 A reprise de "Mulheres Apaixonadas" está em plena reta final no "Vale a Pena Ver de Novo" e o fenômeno de Manoel Carlos vem repercutindo muito nas redes sociais, o que apenas comprova que o sucesso é atemporal. O autor criou um novelão da melhor qualidade e entre os muitos acertos estão as várias boas abordagens de temas importantes, como a violência doméstica. A saga de Raquel (Helena Ranaldi) foi uma das mais emblemáticas da história. 

A professora de Educação Física vivia um relacionamento abusivo com Marcos (Dan Stulbach) em uma época em que essa classificação sequer existia e havia uma tensão constante no ar antes mesmo do personagem entrar na novela. Raquel estava sempre em estado de alerta diante de qualquer movimentação estranha e tudo piorou quando o ex-marido começou a telefonar sem deixar qualquer recado. Era um enredo de suspense em um núcleo secundário dentro de um folhetim tradicional. Mas a trama ganhou ainda mais destaque com a chegada do aterrorizante homem. 

Não havia cena leve entre os dois. Até em momentos aparentemente tranquilos, o clima sombrio se fazia presente graças ao bom trabalho da direção de Ricardo Waddington e ao show dos atores. Marcos protagonizava várias sequências assustadoras e eram violências de todos os tipos: físicas, psicológicas e morais.

E a história ficou para sempre na memória do público principalmente por conta de um instrumento que o agressor passou a utilizar para ferir a vítima: uma raquete de tênis. Foram 'apenas' duas cenas em que a raquete foi utilizada, mas foi algo tão violento e cruel que deixou uma marca eterna em quem assistiu. Até porque a última surra que o vilão dá em sua ex-esposa é justamente com a raquete e o que faz Raquel criar coragem para denunciá-lo. 

A forte cena do último espancamento foi exibida nesta segunda-feira, dia 13. Claro que houve um corte na edição por conta do horário, mas a Globo nem censurou muito a cena. E teve um motivo para aquele momento ter ido ao ar quase na íntegra: a história ficcional foi exibida um dia depois do escândalo envolvendo Alexandre Correa, marido de Ana Hickman, que agrediu a esposa e foi denunciado por ela na delegacia. Inicialmente, o sujeito até negou a violência e tentou acusar a imprensa de 'fake news', mas diante de todas as evidências acabou confirmando após algumas horas. A coincidência na verdade reflete apenas o quanto a violência doméstica segue em alta após 20 anos da exibição do sucesso de Manoel Carlos. 

E a novela ainda teve uma importância gigantesca para a criação da Lei Maria da Penha. "Mulheres Apaixonadas" foi exibida em 2003 e não havia lei alguma que defendesse a mulher. Tanto que a maior crítica em cima do drama vivido por Raquel era a respeito das punições ridículas dadas ao agressor: pagamento de cestas básicas ou serviços comunitários. A história gerou um amplo debate sobre a questão na época e três anos depois a lei foi implementada, ainda que siga com falhas por conta das brechas na legislação que beneficiam os agressores. No entanto, não deixa de ser uma evolução significativa e que aconteceu em grande parte por conta da arte. Vale lembrar que o folhetim também foi o responsável pela criação do Estatuto do Idoso por conta da trama em que Dóris (Regiane Alves) humilhava seus avós. 

A trama de Raquel foi tão potente que até hoje nenhum folhetim conseguiu explorar a violência doméstica de uma forma tão profunda quanto Maneco abordou em "Mulheres Apaixonadas". Ainda que tenha uma situação problemática em cima da relação da professora com um aluno de 17 anos (um romance que envelheceu muito mal), é inegável o quanto o sofrimento da personagem com o ex-marido serviu para incentivar inúmeras mulheres do país a denunciarem seus agressores. Fora a interpretação brilhante de Helena Ranaldi e Dan Stulbach, que viveram o auge da carreira em 2003. Raquel foi o melhor papel que atriz já teve até hoje, assim como Marcos foi o melhor do ator. Um enredo que entrou para a história da teledramaturgia e mexeu com as leis do Brasil. 

4 comentários:

Anônimo disse...

"Mulheres Apaixonadas" (2003) é memorável em vários aspectos, sobretudo nos merchandisings sociais muito bem empregados e que, de alguma forma, contribuíram para a evolução gradativa da sociedade.

Guilherme

Maria Rodrigues disse...

Pela sua resenha, essa novela pelas histórias e temas abordados, é certamente muito interessante e intemporal.
Um grande abraço

Anônimo disse...

Final o Fred morrer é uma das piores coisas que aconteceu na novela.

Fá menor disse...

Muito bom. Há cenas que vieram "abrir os olhos" a muita gente.