sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Reprises de "Laços de Família" e "Mulheres Apaixonadas" expõem a evolução da sociedade ao longo dos anos

 No ano de 2020, a televisão brasileira completou 70 anos. E a teledramaturgia tem suma importância. Ao contrário do que muitos pensam, não se trata apenas de um mero entretenimento ou produtos de qualidade questionável. As novelas brasileiras viraram referência no mundo e um símbolo de produção de alto nível. Mas não é só. As tramas também servem para observar a evolução do comportamento da sociedade e as histórias de Manoel Carlos são as que mais evidenciam isso. Vide as duas reprises atuais: "Laços de Família", no "Vale a Pena Ver de Novo", na Globo, e "Mulheres Apaixonadas", no Canal Viva. 

Os folhetins são os melhores trabalhos do autor, praticamente empatados com "Por Amor", outro clássico. "Laços" foi exibida no ano 2000 e "Mulheres" em 2003. Há 20 anos e 17 anos, respectivamente. Parece pouco tempo, ainda mais levando em consideração a análise da mudança no comportamento das pessoas. Mas não é. E fica evidente ao longo dos capítulos das duas tramas. Tem sido muito interessante acompanhar as produções ao mesmo tempo, até para observar a semelhança do time escalado. Em um intervalo de três anos, o autor selecionou praticamente o mesmo elenco. 

Começando por "Laços de Família", é impossível não estranhar a forma como era tratado o assédio de Danilo (Alexandre Borges) em Ritinha (Juliana Paes), empregada doméstica que trabalhava na mansão de Alma (Marieta Severo), sua esposa. Tudo era exibido com um tom de "leveza" e "comicidade". Algo impensável hoje em dia.

O próprio Danilo era exposto como um galinha engraçado e boa praça. Até aí tudo bem, afinal, o cafajeste cômico é um clichê dramatúrgico. Mas as investidas na funcionária eram elemento de comédia e na época todos se divertiam mesmo. Nem a imprensa especializada estranhou. 

É verdade que Rita com o tempo foi gostando das cantadas até iniciar um caso com o patrão, mas nada que justificasse a abordagem do enredo. E o desfecho da história transbordou machismo. A empregada engravidou do patrão e o fato provocou a separação de Danilo e Alma. Todavia, o casal se reconciliou no final porque a empregada morreu no parto. A ricaça perdoou o marido e ficou com as crianças (eram gêmeos). Para o homem traidor, o perdão. Para a mulher, a morte. O mais grave é que essa história fica menos pior se comparada ao contexto de Pedro (José Mayer). 

O veterinário que trabalhava no Haras de Alma era um poço de machismo e grosseria. Misógino, fazia questão de ser estúpido com qualquer mulher. Era cobiçado por Íris (Deborah Secco), prima de 18 anos, e até então casado. Mas logo se interessou por Cíntia (Helena Ranaldi), sua colega de trabalho. A recíproca era verdadeira. Os dois sempre trocavam ofensas e provocações. Era o típico jogo de gato e rato, onde a atração sexual era a protagonista. Os personagens protagonizaram várias cenas de sexo selvagem, mas algumas delas eram claramente abusivas e até alusivas a um estupro. Na época não houve qualquer estranhamento. Já hoje despertam ojeriza. Para piorar, o final do personagem assusta: Pedro termina com Íris e a engravida. Uma menina que era tratada por ele a novela toda como uma criança --- até palmadas na bunda levava quando fazia besteira. 

Já em "Mulheres Apaixonadas" o caso que chama mais atenção na reprise do Viva é a relação entre Raquel (Helena Ranaldi) e Fred (Pedro Furtado). A professora de educação física da escola de Lorena (Susana Vieira) se encantou pelo menino assim que o viu nadando pela primeira vez. Nem tinha visto o rosto dele ainda. Desde então, começou a cortejar o rapaz descaradamente. Tímido e retraído, Fred não tem amigos no colégio e sua grande companheira é a piscina. Mas, aos poucos, acaba conquistado pela professora. Os dois passam a sair juntos e ninguém vê qualquer problema. Até a personagem fala com uma naturalidade que choca: "Ele tem 16 anos, quase 17", disse a Yvone (Arlete Heringuer), sua melhor amiga e empregada. Se esse tipo de relacionamento já causaria controvérsia em uma faculdade, imagine entre a professora e um aluno do ensino médio. Mas o público não teve qualquer repulsa na época. Pelo contrário, torceu pelo par. 

Claro que a construção de Maneco propicia uma empatia ao casal. Afinal, Raquel sofre violência doméstica do ex-marido, Marcos (Dan Stulbach), que quando volta faz da vida da personagem um inferno. Fred vira um defensor da professora e acaba sofrendo junto com ela ---- o desfecho é trágico, vale lembrar. O curioso é que em 2003 a mãe de Fred, Eleonora (Joana Medeiros), é apresentada e vista como uma vilã. Isso porque nunca aprovou a relação de seu filho com a professora. Agora é perceptível como aquela mãe tem total razão. Aliás, ainda dentro do núcleo, é preciso citar uma declaração problemática dita por Helena, a protagonista da novela, em uma conversa com Raquel: "Tivemos um professor que abusou de uma menina. Claro que foi demitido imediatamente. Mas graças a Deus conseguimos abafar o caso. Mas ele abusou de uma garota de 14 anos. Nada justifica uma atitude como essa, mas as meninas se exibem, viu. Provocam. Meninas já com corpo de mulher. No verão passado, uma menina ficou de busto nu na piscina pra todo mundo ver", declarou aos risos. Hoje em dia essa afirmação seria normal na fala de uma vilã, não de uma protagonista. 

Outro caso que merece menção, ainda que com menos gravidade, é o comportamento de Carlinhos (Daniel Zettel) com Zilda (Roberta Rodrigues). O filho de Carlão (Marcos Caruso) virou um dos queridinhos do público com razão. Irônico, o garoto não se intimidava com as grosserias de Dóris (Regiane Alves) e, ao contrário da irmã, tratava os avós, Leopoldo (Osvaldo Louzada) e Flora (Carmem Silva), com imenso carinho. Porém, as insistentes investidas em Zilda não seriam vistas com bons olhos atualmente. É verdade que a empregada gostava e dava corda para o garoto (tanto que a primeira vez dele foi com ela), mas as constantes cantadas (que muitas vezes resultavam em passadas de mão) seriam bem problematizadas. Aliás, há uma Zilda em cada novela: as duas negras, empregadas domésticas, pobres, sem núcleo próprio, sem conflitos e que vivem em função de seus patrões. Hoje em dia não passaria despercebido.

As novelas de Manoel Carlos funcionam como ótimos exemplos sobre o comportamento da sociedade na época. Tanto que é um dos poucos autores que utiliza acontecimentos reais do cotidiano em alguns diálogos de seus personagens. E as reprises simultâneas de "Laços de Família" e "Mulheres Apaixonadas" estão servindo para a constatação da evolução e amadurecimento do comportamento das pessoas, ainda que de uma forma sutil. Nem tudo está retrocedendo, por mais que pareça.

34 comentários:

Jovem Jornalista disse...

Interessante esse correlato das duas tramas. Só sabia que Laços de família estava passando.
Gostei do blog e estarei por aqui agora. Esteja a vontade para visitar o meu espaço também.

Bom fim de semana!

Jovem Jornalista
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Até mais, Emerson Garcia

Nameless disse...

Eu não vejo nenhum problema no relacionamento de Fred e Raquel. Talvez, o fato de ela ser proferrora dele. Ainda assim só se caracteriza assédio se ela usasse de sua função e autoridade para fazer sexo com ele. O único problema, ao meu ver, é se o educador passar a favorecer o aluno devido à relação dos dois. Não acontecendo isso, tudo bem. Professores não são seres virginais, assexuados. Isso é uma imagem meio católica, religiosa da profissão. Outro dia em Malhaçao Lica falou:é mais fácil Eu fazer algo com o Boris do que ele comigo. As pessoas não são obrigadas a se sentirem atraídas ou se apaixonarem por pessoas da mesma idade. Ao meu ver, criança é uma coisa adolescente outra. A Malu Magalhães nao começou a namorar o Marcelo Camelo aos 16. Angélica namorou, aos 15 anos, o Cesar filho, que tinha 27 anos. Fernanda Torres namorou, aos 17 anos, o Pedro Bial.Kelly key, aos 13 anos, começou a namorar o Latino, que tinha 23.Daniela sarayba, aos 14 anos, começou a namor Márcio Garcia, que tinha 28 anos. Três meses depois estava noivou com ele. A Paula Lavigne começou,aos 13 anos namorar o Caetano veloso, que tinha 40. E até tiveram filhos. O próprio Manoel Carlos aos 23, 24 anos namorou Cidinha Campos(ex-deputada estadual do Rio de janeiro) quando ela tinha 15 anos e tiveram uma fila: Maria Carolina( umas de suas colaboradoras). Pode pesquisar.

Sempre me relacionei com pessoas mais velhas e da minha idade desde os 12 anos, e muitas vezes as pessoas mais velhas que me compreendiam e me respeitavam muito mais do que as pessoas da minha idade.Minhas amigas do colégio de 12,13 anos diziam a mesma coisa.

Em relação ao Carlinhos como você disse a zilda dava corda e a partir do momento que você consenti, você está dando liberdade ao outro. Ela consentia que ele passasse a mão nela,portanto...Ou será que uma empregada não tem o direito de ser cortejada, desejada, se assim ela quiser?

Quanto ao fato das empregadas serem negras, ao meu ver, reflete a realidade do país. Eu não ando tropeçando por aí com empregadas brancas dos olhos verdes ou azuis. Elas até existem, mas em uma quantidade muito pequena.

Óbvio que as personagens tem que ter história própria e não viver em função dos patrões, mas ninguém pode negar que Manoel Carlos sempre deu importância a essa categoria e syas Helenas muitas vezes tinham na empregada sua amiga e confidente.

Em novelas dos outros autores as empregadas muitas vezes se quer abriam o bico.

FABIOTV disse...

Olá, tudo bem? Eu, pessoalmente, já tinha essas indagações desde os idos anos 90...Agora, as vozes discordantes que ficavam confinadas nos lares reverberam na internet. Ainda bem. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br

Anônimo disse...

Com todo respeito ao comentário acima, mas a senhora não vê problema em uma professora de 40 anos se relacionar com um aluno do ensino médio de 16? Sabia que professores são presos nos Estados Unidos por isso?

Heitor disse...

Que análise maravilhosa e precisa. Parabéns.

Anônimo disse...

Amando esses comparativos entre produções teledramatúrgicas mais do que necessários para percebermos em que aspectos a sociedade evoluiu, Sérgio. O modo como Manoel Carlos abordou certas temáticas na época original de exibição de cada obra fornece bastante material para traçar esses paralelos. Pena que de "Páginas Da Vida" (2006) em diante essa mesma maneira de inserir o merchandising social nas tramas comprometeu a repercussão e até mesmo a audiência dos folhetins do autor.

Guilherme

Nameless disse...

Os estados unidos são um país de cultura puritana que proíbe até a prostituição, à exceção do estado de Nevada( capital: Las Vegas, a cidade do "pecado"). Não devemos imitar aquele país em tudo. Só admiro a diligência, a ética do trabalho e a pujança da ecomonia americana. Culturalmente, nunca gostei daquele pais. É um pais puritano e segregatório. Nas escolas exitem as tribos( patricinha, nerdas, esportitas, aos populares) que não se misturam. Bairro de negro, bairro de branco. Igreja de branco, igreja de negro etc.
Prefiro a Europa. Nunca entendi essa obsessão com os Estados Unidos. Não odeio, mas também não amo.
Daqui a pouvo para imitar os estados unidos alguém proporá que criemos bairros de negros e brancos e tribos nas escolas que não se misturam só para nos igualar.

Nameless disse...

Perdoem-me pelos eventuais erros de digitação. Foi a pressa.

Olímpia Menezes disse...

Perfeita sua análise comparativa. Voce entende mesmo do que faz e dá gosto de ler. Só me assustei mesmo com o comentário da moça dizendo que é normal uma professora de 40 ficar com um aluno de 16. Diferença de idade nao tem problema, mas isso implica em conflito ético além de cabivel de processo por ser um menor de idade.

Anônimo disse...

A verdade é que Manoel Carlos ficou conhecido por retratar bem o feminino quando na verdade é o contrário: é um autor que não se envergonha de ser machista e muito menos racista. Suas novelas envelheceram muito mal.

Anônimo disse...

É normal que certas tramas de novelas fiquem datadas com o tempo. Já que a sociedade evoluiu alguma coisa nesses últimos anos.

Anônimo disse...

É verdade que o tempo destrói tudo. Mas nunca tanto como nas novelas do Maneco, como fã do Viva vejo novelas da mesma época e talvez, salvo algumas cenas específicas do Silvio (as da Isabela), não vejo tanto a forma retrógrada como em O trabalho dele.

Andie disse...

Amo as duas novelas do Maneco, mas a melhor para mim é Por Amor.
Quero História de Amor no Vale a Pena Ver de Novo.

https://gibrealityalternativo.blogspot.com/2021/01/gib-05x08-so-tu.html?m=1

Anônimo disse...

Isso se chama pedofilia

Anônimo disse...

Exatamente... esse depoimento me assustou tanto, normalizar pessoas mais velhas namorando adolescentes é algo que não devemos fazer. Pessoas nessa idade são totalmente manipuláveis, vide o recente caso da Duda com o nego do Borel.

Nameless disse...

Então quer dizer que todos os exemplos citados por mim não foram de pessoas que se amaram. Poupem-me!!! Relacionamentos podem ser saudáveis ou não independente da idade dos envolvidos. Já vi jovens em relacionamentos de m*rda com alguém
Da mesma idade comdireito até a agressão física. CRIANÇA é uma coisa, ADOLESCENTE outra. Pedofilia é atração por CRIANÇAS. Já vi até adolescentes estupradores e homicidas como aqueles do Pará que estupraram jogaram as vitimas de um penhasco ("Que "crianças,hein"). O problema é que há país qie querem ver os filhos eternamente como crianças e se recusam a aceitar o crescimento de seus filhos e prefere culpar sempre outro quando o jovem se relaciona com alguém mais velho, ainda que esse alguém mais velho seja decente, honesto e sincero. Há muito jovem por aí manipulador e mau caráter pior do que muito adulto. Eu enxergo nisso certo grau de moralismo.

Nameless disse...

Perdiem-me por enventuais erros de digitação.

Nameless disse...

Meu teclado está com alguns problemas.

Anônimo disse...

O Comentário não me assusta tanto, a “ética” sempre teve motivos e motivações, o #metoo em 2017 foi fundamental para uma nova visualização e uma revisão ética. Não é que esteja tão normalizado, é que já foi normalizado, convivemos à vontade com esses exemplos já citados e muitos outros que acontecem até hoje puderam ser citados, (uma atriz de rock story falo com orgulho sobre isso em o programa da Fátima), de facto, as novelas sustentavam essas relações com um nerchanding social muito presente. Se você olhar de perto em 2016 Reginaldo Faria foi uma delícia no TD + na reprisse ja era difícil de assimilar.

Anônimo disse...

Até porque as artes não estão obrigadas a este pedido constante de uma advertência cheia de moral, às vezes a dramaturgia, já desde os gregos se encarregavam apenas de imitar a realidade ou de mostrá-la, não havia meio-termo ou debate. A dramaturgia não normaliza como as coisas são, apenas a imita. Meu problema com a Zilda é que ela é uma personagem robô, ela não percebe que está sendo explorada e parece não ter reclamações. Às vezes eu só quero vê-la respirar pesadamente ou revirar os olhos por tanto abuso. Deus, nem mesmo um namorado poderia ter dado a ela.

Anônimo disse...

Acho "Por Amor" melhor do que as mulheres, se PA estava errada em deixar sua catarse para o final, mas falta à mulheres uma narrativa contundente como PA, trocar bebês na maternidade e ter um filho de um homem que você não ama para salvar sua filha é Melhor. Qual foi a narrativa de "mulheres" mesmo? dê crédito às subtramas, não é nada novo nem para a época, falta mais originalidade

Sérgio Santos disse...

Fico feliz, Jovem!

Sérgio Santos disse...

Tudo bem, Nameless.

Sérgio Santos disse...

Verdade, Fabio.

Sérgio Santos disse...

Valeu, Heitor.

Sérgio Santos disse...

Fico feliz, Guilherme. E vc está certo.

Sérgio Santos disse...

Honrado, Olimpia.

Sérgio Santos disse...

Tb acho isso, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Isso, anonimo.

Sérgio Santos disse...

As do Maneco são as mais graves mesmo, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Tb gosto mt, Andie.

Sérgio Santos disse...

Achei excelente o debate todo que surgiu em virtude do texto!!!

sonia vargas disse...

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Anônimo disse...

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