segunda-feira, 12 de junho de 2023

"O Rei do Gado" expõe a essência de toda novela de Benedito Ruy Barbosa

 A quarta reprise de "O Rei do Gado" chegou ao fim na sexta-feira retrasada, dia 2 de junho. E foi um quarto sucesso. Um dos maiores êxitos de Benedito Ruy Barbosa começou a ser reexibido em novembro do ano passado e foi crescendo gradativamente na audiência. Na reta final, ultrapassou várias vezes "Amor Perfeito", folhetim das seis inédito da Globo. A emissora tinha reprisado a produção em duas ocasiões: em 1999 e, em 2015, na comemoração dos 50 anos do canal. A novela também foi transmitida pelo Canal Viva em 2011. É um fenômeno incontestável. 


A tradicional trama do ódio entre duas famílias, cujo conflito é aumentado com o amor nascido entre seus herdeiros, conquistou o público. A rivalidade entre os Mezenga e os Berdinazzi era o eixo central da primeira fase da trama (passada em 1943), que durou sete capítulos e foi impecável. Antônio Fagundes e Tarcísio Meira protagonizaram ótimos embates e os fazendeiros que se odiavam foram brilhantemente interpretados por eles.

 Antônio Mezenga e Giuseppe Berdinazzi eram homens poderosos, determinados e extremamente passionais. Defendiam seus interesses com unhas e dentes e a principal razão da grande rivalidade entre eles era a faixa de terra que ficava na divisa das duas fazendas ----- cada um era dono de um cafezal. Mas os eternos rivais não contavam que seus filhos se apaixonassem.
Giovanna (Letícia Spiller), filha de Berdinazzi com Marieta (grande Eva Wilma), e Henrico (Leonardo Brício), filho de Mezenga com Nena (Vera Fisher), viveram uma linda história de amor e enfrentaram os pais.

 A segunda fase começa em 1996 e Fagundes passa a interpretar o filho de Giovana e Henrico, um milionário, dono de várias terras e milhares de cabeças de gado, que sabe da história do passado envolvendo a rivalidade das famílias. Conhecido como O Rei do Gado, Bruno Berdinazzi Mezenga é um homem íntegro, que respeita seus funcionários, ama seu ofício, e é casado com Léia (Silvia Pfeifer), mulher que tem um caso com o mau-caráter Ralf (Oscar Magrini). Solitário e dedicado aos negócios, tem dois filhos com a esposa: Marcos (Fábio Assunção) e Lia (Lavínia Vlasak).

 Mas Bruno tem sua vida mexida ao se apaixonar pela linda sem-terra Luana (Patrícia Pillar), mulher que conhece após se deparar com uma invasão às suas terras, comandada por Regino (Jackson Antunes). A situação, aliás, mesclou ficção com merchandising social, uma vez que Benedito fez questão de abordar a vida dos trabalhadores do Movimento dos Sem-Terra (MST) e também a reforma agrária, temas já explorados por ele anteriormente na versão original de "Meu Pedacinho de Chão", em 1972.

 Se na primeira fase Antônio Fagundes fez uma grande dupla com Tarcísio Meira, na segunda o veterano brilhou ao lado do saudoso Raul Cortez, intérprete do Jeremias Berdinazzi, tio de Bruno (irmão da falecida Giovana, vivido por Caco Ciocler anteriormente) e um rico fazendeiro que não reconhece os Mezenga como membros de sua família. O velho homem se sente culpado por ter enriquecido traindo os familiares e o único sonho do solitário senhor é conhecer sua sobrinha ---- pessoa que a impostora Marieta (Glória Pires em um papel apagado) fingiu ser, despertando a desconfiança de Judite (Walderez de Barros), fiel escudeira de Jeremias.

A produção entrou para a história da teledramaturgia com muito mérito. No entanto, a trama representa a essência de todas as novelas de Benedito Ruy Barbosa: uma primeira fase impecável, onde a emoção domina a narrativa, e uma segunda fase que começa envolvente, mas perde o fôlego e passa a andar em círculos, sofrendo com a falta de conflitos relevantes e refém de um ritmo modorrento. Já o último capítulo sempre transborda sensibilidade e as cenas finais ficam na memória do público. A constatação do fato ficou mais fácil com a quarta reprise de "O Rei do Gado" porque a produção foi colocada no ar meses depois do remake de "Pantanal", desenvolvido por Bruno Luperi, neto do autor, que copiou e colou praticamente todo o texto do avô de 1990. As duas obras são bem parecidas, o que explica a estrutura da narrativa do escritor. Citando apenas um exemplo mais explícito, Luana e Juma Marruá (Cristiana Oliveira/Alanis Guillen) são mulheres brutas e quase selvagens por conta da vida sofrida que levaram. As duas têm uma força imensa no início da segunda fase das respectivas obras, mas vão perdendo a importância à medida que o enredo avança e perde o dinamismo. Ironicamente, só voltam a ter um certo destaque quando dão à luz em locais isolados ---- uma em meio à natureza e a outra em um casebre localizado em um acampamento do MST. 

 "Pantanal", tanto em 1990 quanto em 2022, tem uma primeira fase arrebatadora e o início da segunda emociona, mas o roteiro não consegue se sustentar ao longo dos meses por falta de conflitos. O mesmo ocorre com "O Rei do Gado", que perde a sua potência ao longo dos meses, a ponto da segunda fase ser dominada por uma exaustiva investigação sobre o responsável pelo assassinato de Ralf, um personagem terciário. Outra trama que passa a protagonizar a narrativa é o romance entre Caxias (Carlos Vereza) e a jovem empregada, Chiquita (Ariêta Correa). Na verdade, nem se trata de um romance e, sim, de um repetitivo jogo de sedução, onde a funcionária faz de tudo para transar com seu patrão e só consegue uma única vez. A própria situação envolvendo os Sem-Terra demora muito para ser elaborada e só ganha estofo na reta final com a emblemática morte do senador. O enredo envolvendo a golpista Rafaela Berdinazzi é mais um que passa a andar em círculos, sem despertar qualquer interesse. A própria Gloria Pires detestou o papel e nunca fez questão de esconder. São mais de cem capítulos que não fazem qualquer diferença para produção. 

Mas o último capítulo traz de volta a emoção e a sensibilidade que arrebataram o público no inicio. A paz selada entre Bruno Mezenga e Jeremias Berdinazzi proporciona cenas memoráveis de Antônio Fagundes e Raul Cortez, um dos maiores atores brasileiros e que faz muita falta na teledramaturgia. Raul ainda protagoniza uma sequência impagável ao lado de Walderez de Barros na banheira, fechando o ciclo do melhor casal da história de uma forma bem-humorada. Já a mensagem final, valorizando a importância da produtividade das terras através de trabalhadores que precisam delas para a sobrevivência, gera todo o impacto necessário. 

O sucesso de "O Rei do Gado" honra a força de uma história que nunca deixa de ser atual. Ao mesmo tempo, um dos mais aclamados folhetins de Benedito Ruy Barbosa também expõe o DNA de sua escrita, que se repete em todas as suas obras. Para o bem e para o mal. O remake de "Renascer", previsto para 2024, ainda vai ajudar a reforçar essa impressão, uma vez que Bruno Luperi não mudará quase nada da estrutura narrativa de seu avô. Resta aguardar.

10 comentários:

chica disse...

Essa novela foi maravilhosa. Não assisti reprises, mas a original,ótima! abração, chica

Fernanda disse...

Que bom que voce nao romantizou essa novela como a maioria da crítica faz. Nao é uma novela perfeita, tem muita barriga e a estrutura das novelas do Benedito são sempre iguais mesmo. Não acho que a gente precisa de um remake de Renascer.

Marly disse...

É o novelão clássico, que conta uma estória de rivalidade entre duas famílias e o amor que surge entre herdeiros das mesmas. Aborda um tema que seduz desde Romeu e Julieta (talvez antes, rsrs).

Beijo

Fá menor disse...

Gostei muito quando a original passou cá em Portugal. Um enorme sucesso!

Jovem Jornalista disse...

Resenha impecável. Gostei bastante!

Parece ser um produto maravilhoso, com um cheirinho delicioso.

Boa semana!

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Até mais, Emerson Garcia

Sérgio Santos disse...

Bjs, Chica.

Sérgio Santos disse...

Fico honrado, Fernanda.

Sérgio Santos disse...

É mesmo, Marly... bjssss

Sérgio Santos disse...

Que bom, Fá!

Sérgio Santos disse...

Abçs, Emerson.