A primeira fase da trama escrita por Edmara Barbosa e Bruno Luperi, baseada na obra de Benedito Ruy Barbosa, é ambientada nos anos 60 e o diretor aproveita a ambientação de época para criar um conjunto lúdico, onde o espetáculo visual se torna o grande protagonista. As caracterizações são primorosas e há até uma licença poética na vestimenta da arrogante Encarnação (Selma Egrei), que não tem nada a ver com o período do enredo, mas representa uma espécie de rainha louca dos contos de fadas.
O show de imagens é um presente para os olhos e o diretor conseguiu até deixar uma sequência de incêndio belíssima. O texto da produção é um mero adorno, que nem faria falta se não existisse. As pausas dramáticas (muitas vezes bem longas) se sobressaem, assim como o trabalho corporal dos atores, que estão fazendo parte de um teatro televisionado.
Há um exagero proposital em todas as cenas e o ar lírico está presente o tempo todo. Realmente a primeira fase provoca a impressão de se tratar de um mundo 'encantado', onde as mazelas funcionam como choques momentâneos de realidade em meio ao universo tão belo visualmente.
Grande parte dos elogios, inclusive, são direcionados ao trabalho do diretor, que se torna notável a cada capítulo. Ele tem conseguido transformar em pura arte um início de história vagaroso e com muitas cenas que não fazem o enredo andar. Tanto que, até então, se não fossem as repetições claras de Benedito, a produção poderia ser facilmente identificada como uma 'obra de Luiz Fernando Carvalho'. E não é a primeira vez que ele modifica drasticamente uma novela de Benedito. Afinal, não dá para esquecer a sua primorosa direção em "Meu Pedacinho de Chão", em 2014.
O diretor transformou o remake do autor em um lindo conto de fadas, onde o lúdico se fez presente do primeiro ao último capítulo. As cenas musicadas, o colorido dos cenários, o capricho da sua equipe na criação do figurino (feito de material reciclado), a interpretação mais exagerada do elenco; enfim, tudo fez a diferença no folhetim, que primou pela fantasia sob o olhar de uma criança. Se não fosse pela interferência direta de Luiz, a trama seria um moroso mais do mesmo e dificilmente deixaria uma marca. Até porque o enredo, analisado friamente, não apresentava grandes conflitos ou dramas.
Essa forte marca de Luiz Fernando Carvalho na televisão, buscando elementos mais fantasiosos e líricos, surgiu na minissérie "Hoje é Dia de Maria", exibida em 2005 ---- no cinema, a 'revolução pessoal' ocorreu um pouco antes, com "Lavoura Arcaica" (2001), seu primeiro longa, ganhador de mais de 50 prêmios . Antes ele já era um competente diretor e tinha uma linguagem mais conceitual (vide "Esperança", em 2002, por exemplo), mas ainda não havia um estilo que viraria a sua maior identidade na tv. Tanto que a sua direção em "Renascer", "O Rei do Gado" e "Os Maias", citando apenas algumas produções, não tinha um diferencial para ser 'lembrado'. Ele as dirigiu com extrema competência, mas os autores é que 'ditaram' as regras. Sua autonomia ainda não permitia maiores excessos ou 'devaneios'. Isso começou justamente com a produção protagonizada por Carolina Oliveira, que primou pela linguagem inovadora --- até hoje as cenas cantadas, as caracterizações e o universo fantasioso são rememorados.
Ele repetiu o feito em "Hoje é Dia de Maria - segunda jornada" (2005) e também abusou do lirismo em "A Pedra do Reino", microssérie de 2007 em homenagem ao escritor Ariano Suassuna. Entretanto, houve um certo abuso do diretor que deixou o conjunto cansativo. Protagonizada por Irandhir Santos, a trama pecou nos exageros e deixou a desejar no desenvolvimento, apesar do capricho da produção. Outro produto que contou com o toque de Luiz foi "Capitu", microssérie de 2008, baseada no romance de Machado de Assis. Escrita por Euclydes Marinho, a história foi dominada pelo diretor, transformando a trama em um grande devaneio sobre as relações. E nesse caso também houve um excesso, deixando a produção confusa e pretensiosa demais.
A microssérie "Afinal, o que querem as mulheres?", em 2010, foi outro erro do diretor. Escrito por João Paulo Cuenca e protagonizada por Michel Melamed e Paolla Oliveira, o enredo não era atrativo e o diretor pecou ao inserir vários elementos 'delirantes' para desenvolver a história, provocando mais confusão do que explicação --- ainda que o intuito tenha sido esse. O resultado ficou decepcionante. Aliás, quando resolveu retratar a realidade nua e crua em "Subúrbia" (2012), ele também pecou no 'excesso de desgraça'. Na série, houve a preocupação em sair da fantasia e mergulhar na tragédia, mas exageraram na dose. Ou seja, nem sempre Luiz acerta. O que é natural para qualquer profissional. Mas, apesar dos tropeços, ele sempre faz questão de correr riscos e isso é muito válido. Parece que a sua cabeça está em constante 'ebulição', onde as ideias nem sempre conseguem ser colocadas no papel.
E outra produção que pôde contar com sua marca foi "Alexandre e outros heróis", especial de fim de ano de 2013, baseado na obra de Graciliano Ramos. Protagonizada por Ney Latorraca, a história de apenas um capítulo foi extremamente caprichada, recebendo todo o toque lúdico do diretor, e foi até indicada ao Emmy Internacional.
Luiz Fernando Carvalho ---- que ainda faz questão de trabalhar com o elenco através de um longo processo em um galpão ---- é um profissional ousado e que merece respeito pelas suas ideias nada simples de serem executadas. Após várias produções elogiosas e outras nem tanto, o diretor mais uma vez imprime o seu DNA poético e artístico em "Velho Chico", cuja primeira fase é basicamente uma representação de tudo o que sai da cabeça desse verdadeiro sonhador.
32 comentários:
Parabéns pelo texto. E como vc já previa, ele que tá salvando essa primeira fase modorrenta de Velho Chico.
Ele é um diretor ousado, mas pra mim errou mais que acertou. Agora em Velho Chico mesmo nem tá conseguindo salvar a trama chata que tá indo ao ar.Dá sono a novela. E o que eu amei em Meu Pedacinho de Chão eu detestei em Capitu e A Pedra do Reino.Já Hoje é dia de Maria é uma graça.Gostei desse apanhado que você fez dele.
Não sabia da direção dele em Afinal o que querem as mulheres?. Achei aquilo ruim demais.E ele acertou no remake de Meu Pedacinho, mas nesse agora acho que tá errando pq apesar da boa fotografia nem ele tá salvando esse enredo sonolento.
Acho muito pedante.Todas as novelas precisam desse troço fantasioso?Já deu e essa novela tá chata demais.
Tô encantada com as imagens e figurinos dessa primeira fase de Velho Chico. Ele tá salvando esse início porque se fosse só pela história eu já tinha largado.Por isso acho que a segunda fase não terá salvação sendo em 2016.
Assistindo pouco mas gostando.
bjokas =)
Olá, Sérgio...verdade, muitas vezes, pela ousadia, corremos o risco dos exageros e excessos. Ou seja, nem sempre se acerta. Mas, nesse caso , se não fosse pela interferência direta de Luiz, com sua fantasia e desenho estético , "sei não" como seria essa primeira fase ...belos dias,abraços!
Acho ele muito pedante.
Ele é um diretor conceitual. Gosta de arte mas muitas vezes deixa seus devaneios atrapalharem a boa trama de um enredo. Por isso Capitu e A Pedra do Reino, que são produções magníficas, ficaram chatas e pedantes na televisão. Mas ele com Benedito é bom porque ele tira leite de pedra e nesse caso é positivo.A história do autor é sempre a mesma e cabe ao diretor tentar dar um sopro de novidade. Conseguiu em Meu Pedacinho de Chão com o mundo encantado e tá conseguindo nessa primeira fase. Mas quando chegara os dias atuais nem ele mais vai conseguir salvar porque não terá o apelo estético como arma. Aí veremos Fagundes fazendo o coroné de sempre e os filhos apaixonados que não podem ficar juntos. Mudarei de canal.
Sérgio, gostei muito de sua postagem. Você me inteirou das características do diretor, e o aplaudo. Só hoje vou vou poder assistir com calma a novela (rss), porque estava com hóspedes. Ainda bem que mal começou!!! Bjs.
Ótimo diretor! Ele faz qualquer novela virar conto de fadas.
Essa novela me dá sono. Não tenho mais paciência pra essas história do Benedito. Mas o Luiz tira leite de pedra.
Ele é um diretor refinado. Mas tudo que é demais enjoa. Gostei de Hoje é dia de Maria e Meu Pedacinho de Chão, mas essa agora não. E levou uma surra de Totalmente Demais ontem. A novela das sete deu 31 e a das nove deu 29.
Querido Sérgio, estou achando Velho Chico com uma direção fantástica!
Lendo o seu texto, pois me identifiquei demais com tudo o que está acontecendo: o jogo de luzes, a interpretação teatral dos atores, o estilo lento onde se privilegia o encantado!
Estou amando mesmo!
Cansei dos folhetins rápidos demais, com aquela correria que ninguém dá conta de nada...rsrs
E viva a calmaria, enquanto durar no Velho Chico!
Ah, ontem as cenas do casamento foram lindas... Pena que mataram o Capitão... :( Rodrigo Lombardi emocionou e encantou nesta fase.
Aguardando ansiosa as cenas dos próximos acontecimentos...
Beijos e uma Feliz Páscoa amigo, para si e toda a família!
Mt obrigado, Lisa. E tá salvando msm.
Que bom que gostou, Bruna. bjsss
Foi sim, Fabiana, e foi ruim demais mesmo. Concordo.
Respeito sua opinião, anonimo.
A trama é modorrenta demais, Quércia. O diretor faz toda diferença.
Ok, Bell. =) bj
Pois é, Felis...
Tudo bem, anonimo.
Achei seu comentário mt pertinente, Joana. Muito mesmo. bjs
Então por isso que vc sumiu, Marilene. rs bjs
Algumas sim, Pãmela. bjssss
Entendo perfeitamente, William.
Denise, a surra aumentou depois. A das sete deu 32 e a das nove 27. Perder de cinco pontos é muita coisa e inédito.
Que bom que está curtindo, Adriana. E desejo a vc uma linda Páscoa. Vc e toda sua família. Beijão!
Realmente, o estilo de filmar de Luiz Fernando Carvalho divide opiniões: alguns o acham elitista, enquanto outros, inclusive eu, admiram seu bom gosto.
Quero acrescentar que Velho Chico não faz meu estilo de novela. Mesmo admirando a direção, a produção, as atuações, a novela me dá sono.
Pois é, Elvira. Tem vezes que ele acerta e tem vezes que erra.
Ah, Elvira, eu endosso seu comentário. Tb acho mt chata!
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