O imenso sucesso da reprise de "Alma Gêmea" no "Vale a Pena Ver de Novo" jogou pressão na escolha da sua substituta. Afinal, a Globo precisava manter os elevados índices alcançados pelo fenômeno de Walcyr Carrasco, ainda mais no ano em que a emissora completa 60 anos de existência. Não à toa, houve uma demora no anúncio e certamente por conta da indecisão da equipe responsável. Mas a espera valeu a pena e a produção selecionada foi "Tieta", uma das melhores obras da história da teledramaturgia.
A trama de Aguinaldo Silva, escrita com Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn ---- dirigida pelo saudoso Paulo Ubiratan ---- foi um marco da teledramaturgia e um dos maiores sucessos da Globo, o que consagrou o autor como novelista. Exibido entre agosto de 1989 e março de 1990, o enredo foi uma livre adaptação do romance "Tieta do Agreste", de Jorge Amado, publicado em 1977. Mas apenas o mote inicial e o perfil dos personagens foram utilizados com fidelidade, pois a liberdade dos autores foi total, transformando o conjunto em um folhetim original, repleto de tiradas cômicas e situações polêmicas, onde o moralismo e o conservadorismo, tão em voga atualmente diante de determinadas situações, tinha quase desaparecido com o fim da ditadura militar.
O foco principal é um dos maiores clichês da ficção: a vingança. No primeiro capítulo, Tieta, vivida por Cláudia Ohana, é escorraçada de casa pelo pai, o conservador José Esteves (Sebastião Vasconcelos), que não tolera o comportamento 'libertino' da protagonista e ainda é influenciado pelas intrigas da outra filha, a amargurada Perpétua.
Todos da fictícia Santana do Agreste também se mostram horrorizados com o comportamento da menina. A mulher viaja para São Paulo, mas promete voltar para se vingar de todos que a humilharam.
Vinte e cinco anos se passam e Tieta (agora Betty Faria) reaparece, rica e deslumbrante, com o objetivo de executar sua missão prometida no passado. Esse retorno é uma das cenas mais lembradas da novela, principalmente em função da emoção de Tonha (Yoná Magalhães grandiosa), madrasta querida da protagonista. E o retorno ocorre justamente quando a cidade inteira está rezando uma missa, organizada por Perpétua (Joana Fomm), em sua memória. Outro momento marcante da volta é a 'recepção' do bebum Bafo de Bode (Benvindo Siqueira), que se impressiona com o quadril ("Derrière", como diz Tieta) da ricaça e ainda fala que aquilo é uma "plantação inteira de xibiu." O curioso é que, com o tempo, a vingança acabou se diluindo, mas sem afetar a qualidade da obra. A protagonista não se vinga diretamente de ninguém e opta por algo mais genérico, como a vinda do progresso para a cidade, o que traz como consequência a poluição, sujeira nas praias e coisas do tipo.
A história é repleta de tipos caricatos que esbanjam carisma e ainda contém situações polêmicas, vide o romance de Tieta com o sobrinho Ricardo (Cássio Gabus Mendes), filho de Perpétua, que até então planejava ser padre. O romance incestuoso implicou em problemas com a Igreja Católica e a Justiça na época. Outra trama que despertou incômodo foi a protagonizada pelo coronel Artur da Pitanga (Ary Fontoura, genial). Afinal, retratava a pedofilia de forma levemente cômica. O poderoso homem seduzia menores em troca de comida e alfabetização. A única que o enfrentava era Maria Imaculada (Luciana Braga). O núcleo ficou marcado pelo nome que fazendeiro dava a elas: 'rolinhas'. Hoje em dia, com razão, o contexto seria alterado e tratado com mais seriedade.
Curiosamente, uma situação que passou sem problemas na época seria censurada hoje: a abertura. Se por um lado o país avançou na discussão de temas importantes, em outros retrocedeu muito. A linda abertura que mesclou elementos da natureza com a beleza da mulher (no corpo nu de Isadora Ribeiro) não seria liberada nos tempos atuais. A alegação seria a "presença de crianças vendo televisão com a família e atentado ao pudor antes das dez da noite." Com certeza a modelo estaria vestida. Tanto que a produção caprichada de Hans Donner (o maior designer gráfico que a Globo já teve) nem foi exibida na reprise da novela no "Vale A Pena Ver De Novo", assim como ocorreu em 1994. Nas duas reexibições, a emissora preferiu eliminar a abertura e exibi-la rapidamente no encerramento dos capítulos e com os nomes do elenco creditados quase que de uma vez só.
Deixando as polêmicas de lado, é preciso elogiar os vários tipos marcantes da trama. Além da própria Tieta (Betty Faria em seu melhor momento na carreira) e da icônica Perpétua (maior papel de Joana Fomm e uma das mais lembradas vilãs da teledramaturgia), a história também contou com uma dupla maravilhosa: Cinira e Amorzinho. As discípulas de Perpétua eram coadjuvantes, porém, foram crescendo cada vez mais graças ao imenso talento de Rosane Gofman e Lilia Cabral. As devotas bancavam as puras, mas não podiam ver um homem que sentiam um fogo nas ventas, com direito a tremeliques inesquecíveis de Cinira. Outro perfil que conquistou o público foi a Dona Milú (saudosa Miriam Pires), cujo bordão ---- "Mistéééééééério!" ---- caiu no gosto popular.
O carismático Modesto Pires (saudoso Armando Bógus), a querida Carmosina (Arlete Salles em grande momento) ---- agente dos correios que abria as cartas de todos da cidade usando o vapor da chaleira ---- , o afetado Timóteo (ótimo Paulo Betti), o já citado Bafo de Bode, o bonachão Jairo (querido Elias Gleizer) e o malicioso Osnar (José Mayer) foram outros perfis que agradaram. E vale uma menção especial a Tonha, a personagem mais doce da história. Quase uma Cinderela do nordeste. Maltratada pela vida e sempre com um olhar melancólico, a madrasta de Tieta protagonizou uma das melhores cenas da novela, quando voltou a Santana do Agreste toda elegante, semanas depois de finalmente ter se livrado da opressão de Zé Esteves, aconselhada pela enteada e amiga. Ela retornando triunfante e linda, desfilando pelos lençóis maranhenses ao som de "Uma Nova Mulher", cantada por Simone, foi de uma sensibilidade ímpar.
Outro boa lembrança da trama era o enigma em torno da Mulher de Branco. A figura feminina só aparecia em noites de lua cheia e sempre escolhia os homens 'indefesos' para atacar sexualmente. Ela era Laura (Cláudia Alencar), a esposa do Comandante Dário (Flávio Galvão). A revelação, no entanto, decepcionou. Ficou claro que o autor inventou aquela solução às pressas porque não fez qualquer sentido. A personagem era uma das únicas da cidade com um comportamento livre e não se esconderia para a realização de seus desejos. Aliás, é importante ressaltar que a novela tem seus problemas. Há uma ausência de acontecimentos ao longo dos meses e o enredo se sustenta por esquetes pontuais. A barriga (período em que nada de relevante acontece na história) é algo comum na teledramaturgia e ainda mais na época, já que não havia preocupação com a divisão da atenção do telespectador com outras telas e o próprio ritmo de vida era mais devagar. A vingança de Tieta também merecia um cuidado maior para a movimentação da trama e a perda de destaque de Bafo de Bode, principalmente quando virou evangélico, tirou a força de um dos perfis mais divertidos da produção. Mas são falhas que não afetam o conjunto bem-sucedido da obra.
Todos da fictícia Santana do Agreste também se mostram horrorizados com o comportamento da menina. A mulher viaja para São Paulo, mas promete voltar para se vingar de todos que a humilharam.
Vinte e cinco anos se passam e Tieta (agora Betty Faria) reaparece, rica e deslumbrante, com o objetivo de executar sua missão prometida no passado. Esse retorno é uma das cenas mais lembradas da novela, principalmente em função da emoção de Tonha (Yoná Magalhães grandiosa), madrasta querida da protagonista. E o retorno ocorre justamente quando a cidade inteira está rezando uma missa, organizada por Perpétua (Joana Fomm), em sua memória. Outro momento marcante da volta é a 'recepção' do bebum Bafo de Bode (Benvindo Siqueira), que se impressiona com o quadril ("Derrière", como diz Tieta) da ricaça e ainda fala que aquilo é uma "plantação inteira de xibiu." O curioso é que, com o tempo, a vingança acabou se diluindo, mas sem afetar a qualidade da obra. A protagonista não se vinga diretamente de ninguém e opta por algo mais genérico, como a vinda do progresso para a cidade, o que traz como consequência a poluição, sujeira nas praias e coisas do tipo.
A história é repleta de tipos caricatos que esbanjam carisma e ainda contém situações polêmicas, vide o romance de Tieta com o sobrinho Ricardo (Cássio Gabus Mendes), filho de Perpétua, que até então planejava ser padre. O romance incestuoso implicou em problemas com a Igreja Católica e a Justiça na época. Outra trama que despertou incômodo foi a protagonizada pelo coronel Artur da Pitanga (Ary Fontoura, genial). Afinal, retratava a pedofilia de forma levemente cômica. O poderoso homem seduzia menores em troca de comida e alfabetização. A única que o enfrentava era Maria Imaculada (Luciana Braga). O núcleo ficou marcado pelo nome que fazendeiro dava a elas: 'rolinhas'. Hoje em dia, com razão, o contexto seria alterado e tratado com mais seriedade.
Curiosamente, uma situação que passou sem problemas na época seria censurada hoje: a abertura. Se por um lado o país avançou na discussão de temas importantes, em outros retrocedeu muito. A linda abertura que mesclou elementos da natureza com a beleza da mulher (no corpo nu de Isadora Ribeiro) não seria liberada nos tempos atuais. A alegação seria a "presença de crianças vendo televisão com a família e atentado ao pudor antes das dez da noite." Com certeza a modelo estaria vestida. Tanto que a produção caprichada de Hans Donner (o maior designer gráfico que a Globo já teve) nem foi exibida na reprise da novela no "Vale A Pena Ver De Novo", assim como ocorreu em 1994. Nas duas reexibições, a emissora preferiu eliminar a abertura e exibi-la rapidamente no encerramento dos capítulos e com os nomes do elenco creditados quase que de uma vez só.
Deixando as polêmicas de lado, é preciso elogiar os vários tipos marcantes da trama. Além da própria Tieta (Betty Faria em seu melhor momento na carreira) e da icônica Perpétua (maior papel de Joana Fomm e uma das mais lembradas vilãs da teledramaturgia), a história também contou com uma dupla maravilhosa: Cinira e Amorzinho. As discípulas de Perpétua eram coadjuvantes, porém, foram crescendo cada vez mais graças ao imenso talento de Rosane Gofman e Lilia Cabral. As devotas bancavam as puras, mas não podiam ver um homem que sentiam um fogo nas ventas, com direito a tremeliques inesquecíveis de Cinira. Outro perfil que conquistou o público foi a Dona Milú (saudosa Miriam Pires), cujo bordão ---- "Mistéééééééério!" ---- caiu no gosto popular.
O carismático Modesto Pires (saudoso Armando Bógus), a querida Carmosina (Arlete Salles em grande momento) ---- agente dos correios que abria as cartas de todos da cidade usando o vapor da chaleira ---- , o afetado Timóteo (ótimo Paulo Betti), o já citado Bafo de Bode, o bonachão Jairo (querido Elias Gleizer) e o malicioso Osnar (José Mayer) foram outros perfis que agradaram. E vale uma menção especial a Tonha, a personagem mais doce da história. Quase uma Cinderela do nordeste. Maltratada pela vida e sempre com um olhar melancólico, a madrasta de Tieta protagonizou uma das melhores cenas da novela, quando voltou a Santana do Agreste toda elegante, semanas depois de finalmente ter se livrado da opressão de Zé Esteves, aconselhada pela enteada e amiga. Ela retornando triunfante e linda, desfilando pelos lençóis maranhenses ao som de "Uma Nova Mulher", cantada por Simone, foi de uma sensibilidade ímpar.
Outro boa lembrança da trama era o enigma em torno da Mulher de Branco. A figura feminina só aparecia em noites de lua cheia e sempre escolhia os homens 'indefesos' para atacar sexualmente. Ela era Laura (Cláudia Alencar), a esposa do Comandante Dário (Flávio Galvão). A revelação, no entanto, decepcionou. Ficou claro que o autor inventou aquela solução às pressas porque não fez qualquer sentido. A personagem era uma das únicas da cidade com um comportamento livre e não se esconderia para a realização de seus desejos. Aliás, é importante ressaltar que a novela tem seus problemas. Há uma ausência de acontecimentos ao longo dos meses e o enredo se sustenta por esquetes pontuais. A barriga (período em que nada de relevante acontece na história) é algo comum na teledramaturgia e ainda mais na época, já que não havia preocupação com a divisão da atenção do telespectador com outras telas e o próprio ritmo de vida era mais devagar. A vingança de Tieta também merecia um cuidado maior para a movimentação da trama e a perda de destaque de Bafo de Bode, principalmente quando virou evangélico, tirou a força de um dos perfis mais divertidos da produção. Mas são falhas que não afetam o conjunto bem-sucedido da obra.
Lídia Brondi (Leonora), Françoise Fourton (Helena), Tássia Camargo (Elisa), Bete Mendes (Aída), Roberto Bonfim (Amintas), Cláudio Corrêa e Castro (Padre Mariano), Renato Consorte (Seu Chalita), Marcos Paulo (Arthuzinho), Liana Durval (Rafaella), Paulo José (Gladstone), Ana Lucia Torre ---- que divertia com a mania de limpeza de Juracy, hoje certamente diagnosticada com TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) ----, Otávio Augusto (Marcolino), Luiza Tomé (Carol), Cidinha Milan (Cora), Cristina Galvão (Filó), Danton Mello (Cupertino), foram mais alguns nomes do ótimo elenco que brilharam, além das luxuosas participações de Rogéria (Ninete), Iara Jamra (Assuntinha) e Jorge Dória (Pastor Hilário).
"Tieta" foi uma das grandes novelas da história da teledramaturgia e repetiu o sucesso na sua segunda reprise no "Vale a Pena Ver de Novo". A trama também foi exibida no Canal Viva em 2017. O êxito atemporal é fruto do reconhecimento do público, reforçando todas as qualidade desse clássico. A história é querida por todos os fãs de um bom folhetim e se eternizou na memória do brasileiro.
8 comentários:
Tieta realmente estabeleceu seu próprio marco, na teledramaturgia. Tantos anos depois da primeira exibição, a gente vê que vários personagens viraram 'memes' na Internet, sendo lembrados por muitos que assistiram a novela. É bom saber que o remake também obteve sucesso.
Beijão
Um verdadeiro clássico da teledramaturgia. Sérgio, você soube que, há alguns anos, a Betty Faria disse não ser amiga da Sônia Braga, pois segundo a Betty, a Sônia "não pediu licença para ser Tieta" nos cinemas?
Guilherme
Me acuerdo a ver visto esa novela. Te mando un beso.
A Melhor Novela uma pena que teve tantos cortes
exatamente!!!
Nao sabia disso. Nem sabia dessa entrevista!!
bj
vdd
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