"Verdades Secretas" teve um conjunto de acertos que merece ser relembrado

 A Globo resolveu reprisar o fenômeno "Verdades Secretas" por duas razões: atrair mais atenção para a continuação da trama de Walcyr Carrasco, com o título de "Verdades Secretas 2", exclusiva da Globoplay, com gravações em andamento e estreia prevista para o final do ano; e barrar a possível elevação de audiência de "A Fazenda 13", reality que já se inicia em setembro na Record. A estratégia é inteligente, afinal, a novela das 23h fez um grande sucesso em 2015 e tem um conjunto de acertos que merece ser relembrado. 

 A novela não perdeu o ritmo e apresentou uma agilidade invejável, ainda mais levando em consideração que a história tinha poucos personagens, o que implicava em menos tramas paralelas para 'desviar a atenção'. Tudo esteve, direta ou indiretamente, ligado ao enredo central, envolvendo o triângulo Alex (Rodrigo Lombardi), Arlete/Angel (Camila Queiroz) e Carolina (Drica Moraes). E os perfis eram repletos de dubiedades. Todos tinham um telhado de vidro, o que deixava o enredo instigante e destacava o elenco, muito bem escalado.

A fixação doentia que Alex passa a ter por Angel eleva a adrenalina da novela ao longo dos capítulos. E desde que o empresário se casa com Carolina, o clima de tensão fica maior em torno da trama, causando a impressão de que existe uma panela de pressão prestes a explodir a qualquer momento.

O casamento também funciona para evidenciar um lado até então desconhecido da protagonista, vivida por Camila Queiroz, a grata revelação do folhetim. Ela não era tão íntegra quanto aparentava ser.

Outro triângulo que provoca o público é o formado por Fanny (Marieta Severo), Anthony (Reynaldo Gianecchini) e Giovanna (Agatha Moreira). A dona da agência, que 'utiliza' várias modelos no 'Book Rosa' --- termo que virou moda na época e caiu na boca do público ---, é completamente dependente do michê e trava um batalha de ironias com sua rival, bem mais jovem. Já o modelo decadente se aproveita das duas e só mostra sentir um carinho verdadeiro pela mãe, a alcoólatra decadente Fábia, vivida magistralmente pela saudosa Eva Wilma. E a garota é uma rebelde que busca um afeto verdadeiro, sem medir as consequências dos seus atos. Toda a trama é riquíssima e exibe três figuras que apresentam várias falhas de caráter, ao mesmo tempo que expõem a fragilidade (ou o ponto fraco) de cada um.

A degradação de Larissa (Grazi Massafera), em virtude das drogas, é mais um atrativo da novela. A modelo foi afundando e sua instabilidade pôde ser vista assim que apareceu na história. Viciada em crack (após ter usado muita cocaína), a ex-modelo passou a frequentar a Cracolândia --- cenas que primam pela qualidade da direção de Mauro Mendonça Filho --- e seu estado deplorável assusta. Grazi esteve totalmente entregue e viveu seu melhor momento na carreira. Foi um divisor de águas para a atriz. A personagem ainda é explorada pela inescrupulosa mãe, que é a cafetina da própria filha.

Mas o roteiro também tem espaço para o humor, apesar de ser repleto de situações dramáticas. E a comicidade da dupla formada por Visky (Rainer Cadete) e Lourdeca (Dida Camero) funciona perfeitamente. Os dois trabalham na agência de Fanny e trocam inúmeras ofensas ao longo do dia. Entretanto, um encontrou no outro o seu ponto de apoio, nascendo assim uma afinidade inusitada, que reflete até em algumas transas. Os atores estiveram em plena sintonia e proporcionaram uma certa leveza em meio a tantas cenas pesadas.

É preciso citar ainda o ótimo núcleo da escola, que expõe de forma bem real o que ocorre em vários colégios, como o bullying em cima de Eziel (Felipe Hintze), chamado de gordo e humilhado o tempo todo. O rapaz recebe o o apoio de Nina (Bella Piero), menina que faz parte do grupo 'opressor', mas passa a gostar dele ao longo da história. Patrícia (Mariana Molina), Guilherme (Gabriel Leone) e Darlene (Bel Kutner) são outros bons perfis que compõem a trama e os atores convencem em cena.

Hilda (Ana Lucia Torre), Pia (Guilhermina Guinle), Osvaldo (Genésio de Barros) e Everaldo (Mouhamed Harfouch) também se sobressaem na trama, valorizando os intérpretes. E uma outra qualidade da novela é que a produção honra seu título. Todos os personagens têm suas verdades secretas. Inclusive os citados. A avó de Angel, por exemplo, tem uma doença terminal e esconde da filha e da neta. A mãe de Giovanna faz um aborto (só para não perder a pensão do ex-marido) e o médico que a operou foi justamente o aparentemente ilibado Dr. Everaldo. Ou seja, não existe 'livro aberto' na história. Há sempre páginas bem escondidas.

E a trilha sonora ajuda a contar todo o enredo com habilidade. A seleção de músicas é certeira, tanto internacional quanto nacional. "Criança" (Marina Lima), "Prumo" (Tulipa Ruiz), "Cego para as cores" (Pato Fu), "Pequena Morte" (Pitty), "Angel" (Massive Attack) --- tema de abertura ---, "A Letter To Elise" (The Cure), "Golden Hours" (Barbara Ohana), "Sentimental" (Los Hermanos), "The Last Day ft. Skylar Grey" (Moby) e "Rational Culture" (Tim Maia) são apenas algumas que compõem a excepcional 'playlist' (lista de canções).

"Verdades Secretas" fez um merecido sucesso e ganhou até o Emmy Internacional. A novela escrita por Walcyr Carrasco (autor que é praticamente uma fábrica de fazer folhetim), dirigida primorosamente por Mauro Mendonça Filho, conseguiu apresentar uma sucessão de temas pesados sem provocar qualquer tipo de rejeição. Isso porque a história foi bem construída, os conflitos atrativos, os personagens complexos e a trama envolvente. O conjunto funcionou perfeitamente e honrou ainda o horário mais tardio, propício para enredos fortes. Vale a pena rever.