segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

"Dona de Mim" virou refém de decisões judiciais repetitivas e inverossímeis

 Embora "Dona de Mim" tenha começado como uma novela rica em camadas emocionais e temas sociais relevantes, é impossível ignorar o desvio narrativo que acabou reduzindo boa parte do enredo da trama de Rosane Svartman, dirigida por Allan Fiterman, à disputa de guarda de Sofia (Elis Cabral) e à curatela de Rosa (Suely Franco). A volta de Ellen (Camila Pitanga), a menos de um mês do final da produção, é mais uma prova de como o folhetim ficou refém do repetitivo recurso dramático, quase sempre dependente de decisões judiciais exageradas, repetitivas e inverossímeis.


Todas as escolhas dos juízes foram repletas de absurdos. As decisões foram baseadas apenas em conveniências de roteiro para provocar aparentes viradas ou grandes movimentações na história. Mas foram apenas falsas reviravoltas porque o enredo andou em círculos ao longo dos meses, o que é uma pena. Vale lembrar que a primeira sentença foi a retirada do nome de Abel (Tony Ramos) da certidão de nascimento de Sofia porque o empresário sabia que não era o pai da menina, o que é até uma punição plausível diante do ato ilegal do personagem. Mas passar a guarda provisória para Vanderson (Armando Babaioff) só porque ele era o pai biológico foi um escárnio. Afinal, o vilão não tinha emprego e nem residência fixa, ainda tinha passagem pela polícia. 

Ao longo dos meses, as discussões sobre o futuro da criança dominaram a história, tendo sempre Leona (Clara Moneke) como ponto de apoio, o que é natural em se tratando da protagonista. A relação de cumplicidade das personagens é linda e o amor que as une genuíno. Por isso mesmo não havia a necessidade de um juiz colocá-las morando juntas.

Qual o sentido de uma babá, que até então trabalhava na casa de uma família milionária há menos de um ano, ganhar a guarda da caçula que tem três irmãos adultos? Uma pessoa que tinha como renda apenas o seu salário como babá. O intuito foi juntar as personagens, mas uma autorização de Samuel (Juan Paiva) já seria o bastante. Até porque a cena da decisão judicial não teve qualquer impacto ou emoção justamente por conta dos absurdos que a cercavam. 

E o que dizer da outra decisão judicial que superou qualquer licença poética? Como um juiz pode dar a guarda de Sofia para Filipa (Claudia Abreu), que enfrentava sérias instabilidades emocionais por conta de sua bipolaridade e nunca nem criou a filha dela? Samuel não contou nada sobre o histórico da madrasta durante a audiência porque é ético, mas não há pesquisa do judiciário? Tudo bem que vários juízes do Brasil são uma vergonha, mas não foi o intuito da novela abordar isso. Até porque seria bem mais crível uma cena de Jaques (Marcello Novaes) subornando algum juiz para a decisão ser tomada. 

A disputa pela guarda de Sofia, que tinha potencial para explorar questões emocionais profundas e relações familiares complexas, acaba se transformando em um vai-e-vem burocrático, onde a justiça aparece quase como uma entidade caprichosa, mudando de opinião a cada capítulo apenas para manter o drama aceso. Falta coerência, falta lógica, falta uma abordagem mais realista do sistema jurídico e dobra a sensação de manipulação narrativa. É folhetim, mas não precisa abusar.

O mesmo vale para a curatela de Rosa. O tema do Alzheimer é delicado, sensível e vem sendo tratado com muita responsabilidade dramatúrgica. No entanto, as decisões judiciais apresentadas na novela parecem servir mais ao impacto do que à verdade emocional. A personagem decidiu, enquanto estava lúcida, com amparo da médica responsável e da sua advogada, que Samuel seria o seu responsável, mas um juiz decidiu dar ao Jaques porque a viu desorientada durante a audiência. Como assim? Não há no laudo que a idosa enfrenta a progressão do Alzheimer e justamente por conta disso resolveu se precaver? E a decisão em nada mudou a narrativa da novela, pelo contrário, a fez voltar para o mesmo lugar de meses atrás. O vilão tentou novamente demitir os funcionários da Boaz e parecia até reprise de capítulo. 

Ao transformar o eixo central da história em uma sucessão de sentenças improváveis, a novela perde parte da credibilidade que havia construído com tanto cuidado. A sensação é de que, a cada fechamento de ciclo, surge uma nova decisão judicial que desafia até a suspensão de descrença do público, criando reviravoltas que parecem mais artificiais do que orgânicas. Isso enfraquece conflitos que poderiam ser muito mais potentes se ancorados em nuances humanas, e não em manobras legais improváveis.

O resultado é uma novela que, apesar de grandes atuações e momentos de brilho, acaba tropeçando em sua própria dramaturgia. Ao apostar excessivamente em decisões judiciais absurdas como motor narrativo, "Dona de Mim" compromete a maturidade de seus temas e desperdiça parte do potencial emocional que a trama possuía. É uma escolha que distancia o público, em vez de envolvê-lo. Agora, é Ellen que veio lutar pela guarda de Sofia, juntamente com o marido, Hudson (Emilio Dantas), para ficar com os 25% de ações da Boaz. A mesma coisa que o Jaques fez ao longo da trama. É quase uma substituição de jogador aos 45 minutos do segundo tempo. Saiu o vilão e entrou um casal de trambiqueiros.

Com um pouco mais de consistência e menos exagero, "Dona de Mim" poderia ter mantido sua força. Em vez disso, deixou-se aprisionar por uma dramaturgia que, ironicamente, parece tão perdida quanto os próprios processos que retrata. 

Nenhum comentário: