Suely captura cada nuance da personagem: os lapsos de memória que surgem como pequenas fissuras no cotidiano, o esforço quase infantil para manter a autonomia, o medo silencioso de perder a si mesma, e, ao mesmo tempo, a dignidade que insiste em permanecer.
Nada é exagerado; tudo é tão humano que, em muitos momentos, parece que acompanhamos alguém muito próximo, alguém real.
A atriz ilumina a tela mesmo nos instantes mais dolorosos. Em Rosa, há fragilidade, sim, mas também há humor, doçura e uma força subterrânea que insiste em resistir ao esquecimento. Suely Franco transforma cada olhar perdido, cada hesitação, em uma poderosa lembrança de que o Alzheimer não apaga apenas memórias, como desafia identidades, relações e afetos.
Com essa interpretação, Suely não só engrandece a obra, como também oferece ao público uma representação respeitosa e necessária de uma condição ainda marcada por tabus e incertezas. O mais impressionante é como a veterana transforma Rosa em um espelho para quem assiste. Sua presença em cena nunca pede compaixão fácil; ela nos convida a compreender, a observar os pequenos gestos que revelam o quanto aquela mulher ainda deseja ser dona de si, mesmo quando a memória insiste em se dissolver. A atriz domina esse equilíbrio com maestria: Rosa é vulnerável sem ser vitimizada, é forte sem negar sua dor.
A química de Suely com o restante do elenco também contribui para a potência da narrativa. Cada interação ---- seja um diálogo terno, seja um silêncio incômodo ---- reforça a complexidade das relações que se reconfiguram ao redor da doença. A atriz consegue, em segundos, mudar o tom da cena, alternando entre lucidez e confusão, ternura e inquietação, revelando o impacto devastador, mas também profundamente humano, do Alzheimer.
A sua cena mais emblemática da trama foi o momento em que Rosa chora a morte do filho, Abel (Tony Ramos), durante o velório. Aquilo dilacerou o telespectador. Mas foram tantas sequências primorosas que é até injusto fazer uma lista. Ainda assim, é preciso mencionar a hora em que a personagem descobriu que Jaques (Marcello Novaes) foi o assassino do irmão. A avó pediu um instante sozinha para os netos e desabou. Que atriz extraordinária. Após uma longa trajetória na televisão, no cinema e no teatro, é possível afirmar que seu papel na atual novela das sete, escrita por Rosane Svartman e dirigida por Allan Fiterman, entrou para a galeria de um dos melhores de sua carreira.
É raro ver um trabalho tão completo, em que técnica, emoção e ética representativa se encontram de forma tão harmoniosa. Em "Dona de Mim", Suely Franco não apenas interpreta Rosa: ela lhe dá vida, história, dignidade e verdade. É o tipo de atuação que permanece com o espectador muito depois do fim. Um lembrete de que a arte pode, sim, tocar o que há de mais íntimo em nós.
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