quinta-feira, 27 de novembro de 2025

"Três Graças" é o que o remake de "Vale Tudo" tentou ser e fracassou

 Aguinaldo Silva nunca teve papas na língua. O autor é conhecido pelas suas opiniões sinceras sobre diversos assuntos, incluindo o trabalho de seus colegas. Não por acaso, vários jornalistas tentaram de toda maneira extrair alguma declaração sua a respeito do remake desastroso de "Vale Tudo". Até porque ele também é o único escritor vivo da obra original. Mas as poucas falas sobre o assunto foram genéricas e discretas. Só que agora, através da excelente "Três Graças", que assina junto com Zé Dassilva e Virgílio Silva, é possível observar tudo o que o escritor achou da adaptação de Manuela Dias. 


Há diversas situações da atual novela das nove da Globo, dirigida com brilhantismo por Luiz Henrique Rios, que alfinetam de forma sutil a produção anterior que chegou ao fim há menos de dois meses. O autor tem uma maneira espirituosa e sofisticada de transformar o remake em combustível criativo. Em vez de cair na armadilha fácil de ataques diretos ou grosseiros, a nova trama usa o fiasco alheio como lente de aumento para refletir sobre a própria teledramaturgia brasileira: seus exageros, suas repetições, e promessas de reinvenção que muitas vezes fica apenas no 'release'. 

Aguinaldo, Zé e Virgílio criaram um novelão clássico, onde um novelo vem sendo desfeito aos poucos, sem atropelos, e com uma estruturação que engrandece a narrativa e os personagens, ou seja, tudo o que o remake não teve.

Manuela Dias criou um amontoado de conflitos rasos e personagens descaracterizados, onde situações eram criadas e encerradas em menos de uma semana. Obviamente, o fato da nova história ser bem construída é o mínimo que se espera em qualquer bom folhetim, mas funciona como uma crítica involuntária a partir do momento que a obra substitui outra que não tinha nada sequer parecido. 

A novela não aponta o dedo gratuitamente, a estrutura narrativa prepara, interpreta e devolve ao público versões totalmente reconhecíveis dos tropeços narrativos, de direção e estéticos que marcaram a adaptação de "Vale Tudo". Cada referência é trabalhada com ironia fina, consciente, quase acadêmica, mas sem perder a leveza e o bom humor que conquista até quem não acompanhou o caos original. Até porque é tudo tão discreto que muitos provavelmente nem notam. 

As atrocidades ditas por Arminda (Grazi Massafera), após uma Odete Roitman que chamava a filha bêbada de 'alcoolista', é o mais explícito.  Há até um comentário específico a respeito de 'índios' que certamente foi inserido a dedo pelo autor. A perua ainda debocha do termo indígena, que é o correto atualmente. Isso porque uma das falas mais lembradas da versão original é a de Odete se referindo ao Brasil como uma terra de 'índios e negros', frase que foi excluída na adaptação. Vale destacar também a claustrofobia de Leonardo (Pedro Novaes). Em 1988, Tiago sofria de asma e tinha crises de acordo com seu estado emocional. No remake, a autora mudou para uma crise de ansiedade, mas depois esqueceu e nunca mais abordou o assunto. Embora a enfermidade de Leo seja outra, é perceptível a intenção do escritor de agora explorar essa sua vulnerabilidade. Aliás, Leonardo é filho de Ferette (Murilo Benício), um poderoso empresário que desvia uma fortuna de sua fundação produzindo remédios falsos. Um crime que facilmente Marco Aurélio (Reginaldo Faria), pai de Tiago, cometeria. Só que o vilão no remake, embora tenha sido corrupto, ganhou uma veia cômica que esvaziou a força de sua vilania. Ele não dava medo em ninguém, ao contrário do perfil original e do atual, criado pelo autor. 

A própria Gerluce (Sophie Charlotte) funciona como uma crítica ao desenvolvimento péssimo da Raquel (Taís Araújo), que repetia o mantra 'Quem mente rouba, quem rouba mata' e virou coadjuvante de luxo da obra porque não fazia absolutamente nada de relevante na história. Agora, a protagonista é o grande foco da trama, não se intimida diante de ninguém e está planejando roubar uma fortuna dos ricos para dar aos pobres através de remédios verdadeiros. Para atingir seu objetivo, recrutou o pai de caráter duvidoso, duas vítimas dos falsos medicamentos e a melhor amiga. O ato da mocinha ainda provoca o pertinente questionamento: 'Vale a pena ser honesto no Brasil?'. A pergunta soa familiar? Pois é... 

Já a direção brilhante de Luiz Henrique Rios não tem qualquer objetivo de atacar o trabalho de Paulo Silvestrini na produção anterior, mas fica inevitável a comparação diante de condutas tão antagônicas. Enquanto inúmeras cenas no remake deixaram a desejar e tiveram qualquer impacto diluído pela má condução dos atores e das cenas, principalmente as de ação, no folhetim atual há um cuidado em todas as cenas, o que aproxima o telespectador da história e envolve através de momentos de fácil identificação, onde a câmera é quase um personagem à parte. 

Os autores entendem que criticar com elegância é muito mais poderoso do que reconstruir um erro, até porque o estrago no remake já está feito e ficará marcado como um dos maiores equívocos da teledramaturgia recente. Claro que "Três Graças" tem seu próprio caminho e não é escrita como resposta a nada e nem ninguém, mas as sutilezas estão lá, mesmo que nem todos as observem. Quem estava curioso para saber o que Aguinaldo Silva achou do remake do folhetim que escreveu em 1988 ao lado de Gilberto Braga e Leonor Brassères basta assistir ao que o escritor vem apresentando às 21h20 na Globo.  

3 comentários:

Fabio Cardoso disse...

Ver a prima mal caráter oferecer água saborizada e depois Arminda falando que preferia ter tido um bebê reborn foi sensacional hahah

Ane disse...

É por esta e outras que não vejo mais novelas!
Bom fim de semana! :-)

Anônimo disse...

Não sou de fazer muitos comentários não, sou noveleira assumida desde que escutava as radionovelas no sertão, a única doideira que fiz na minha vida de noveleira foi vestir meu filho de baiana no carnaval. Ainda como alguém que curte as novelas do Aguinaldo, acho que tenho certos palpites.

 0 Acho que a estátua vai ser roubada e toda a novela vai estar de uma mão a outra. Isso, pelo geral, acontece nas novelas de Aguinaldo como a caderneta de Jorge Tadeu em Pedra sobre Pedra, o tesouro chinês Fina Estampa e os dobrões de ouro na Duas Caras.

0 Kellen vai ter uma relação com o Jorginho (nojo) ou com um dos bandivos

0 Acho que o Jorginho realmente se reformou e que não tem nada de ruim com o pastor, é só a escalação de Enrique Diaz, o cara tem cara de quem tem um revólver escondido.

0 Agora, uma coisa é que Jorginho se reformou e outra é que Gerluce vai perdoá-lo. Nem Do Carmo nem Griselda fizeram isso com os ex. Seria decepcionante se fosse esse o caso.

0 Uma das Graças vai trabalhar  na casa do casal que comprou o filho de Joelly sem saber que se trata dele, isso é regra do filho perdido desde que Moisés teve a sua mãe como ama de leite. Aposto na Lígia (e até no Joaquim) que precisa de mais narrativa. Isabel não teve perto do Viriato?

0 Paulinho vai ser o Dirceu desta novela e vai encontrar o neto da Gerluce.

0 Alias, já quero a Arminda com seu neto sem saber que é ele.

0 A rescrita do personagem de Lena vai ser do Ester da Fina Estampa, ela tem um quê de mocinha de novela, ela tentará fugir com a criança (com o marido quebrado porque só assim para não poder fugir até a Europa) e depois vai ter batalhas judiciais que vão a emocionar pelo filho com as graças.

(Agora uma coisa, achei um erro não ter a Lena como um personagem  próprio desde o início, ao menos para torcer mais por ela. Essa dark vibe de Samira não a beneficia, e preciso que o personagem seja mostrado mais amplamente, ofício, ter jantares e monólogos etc.

0 Rogério, de estar vivo, tem que ser realmente muito apaixonado pela Arminda ou ter o rabo preso, porque só desse jeito para não mandar a ela e o Ferette para a cadeia. Aliás, se sabe mesmo tudo sobre os remédios. Nojo de vingança que não faz sentido.

0 Gerluce e Paulinho serão rivais, Gerluce arruinando suas investigações e ele procurando pela mulher que ama sem saber, preciso de uma narrativa donde os mocinhos sejam rivais e botem a outro na cadeia, e nada de vilões no médio.

0 a filha de Samira tem que ser a Lorena (com o Ferette), ela vai ter um relacionamento com a Juquinha a policial, imagina a Lorena tentando ajudar a falsa mãe da namorada que a procura. Esse drama tem tudo para ser o maior drama de lésbicas da historia das novelas.

0 Raul e mesmo filho da Arminda mas com Ferette, de não ser assim arruína a ligação entre vila e mocinha como avos do mesma neto

0 Maggye também e bebe do trafico. E preciso Samira fazendo chantagem com muita gente (que vila boa)

Aposto que essa novela vai crescer e muito na audienca, o secreto ta no drama da Joelly e a Lena, o filho perdido da certo desde Albertinho no Direito de Nascer, não e Senhora do Destino a maior audienca do milênio? Não e esse motivo do sucesso de Mãe na record e prova de amor, tem algo de isso na novela atual Dona de mim, Se o Aguinaldo faz certinho e sabe quando jogar os secretos e eventos. A trama tem um novelao querendo sair  tudo vai dar certo. Te mete