quinta-feira, 6 de novembro de 2025

"A Viagem": sexta reprise, sexto sucesso

 A versão original de "A Viagem" foi exibida entre 1975 e 1976 pela extinta TV Tupi. A novela de Ivani Ribeiro fez muito sucesso, o que motivou a Globo a fazer um remake da produção em 1994, sendo escrito, inclusive, pela mesma Ivani. Mas nem os profissionais mais otimistas da emissora poderiam imaginar que a produção fosse fazer tanto sucesso e muito menos que viraria um clássico. Mas virou e o folhetim novamente obtém ótimos índices de audiência, agora no "Vale a Pena Ver de Novo", reprisada pela terceira vez.


A novela está em sua última semana e a primeira reprise na faixa da tarde da Globo foi ao ar em 1997, substituindo "Mulheres de Areia", e a segunda foi em 2006, no lugar de "Força de um Desejo". A trama também foi exibida em forma compacta no quadro 'Novelão da Semana', do extinto "Vídeo Show". Já o extinto Canal Viva, hoje chamado de Globoplay Novelas, reprisou o clássico também três vezes --- a última reprise foi exibida ano passado. Ou seja, fazendo uma soma simples, é possível constatar que a novela emplacou nada menos que sete vezes.

E todo o sucesso é mais do que merecido. Com um enredo espírita emocionante, a novela de Ivani Ribeiro, dirigida por Wolf Maya, envolve o telespectador com uma história que mescla inteligentemente os mistérios que rondam a vida e a morte com os típicos dramas de um tradicional folhetim, incluindo ainda uma parcela de comicidade, através de personagens responsáveis pela dose de leveza na história.


A novela começa apresentando o jovem de classe média-alta Alexandre (Guilherme Fontes), usuário de drogas e álcool ---- vícios expostos subliminarmente ----, que pratica um assalto e mata um homem. Ele consegue fugir, mas seu irmão Raul (Miguel Falabella) e o cunhado Téo (Maurício Mattar) o entregam à polícia. A única pessoa que fica ao seu lado é sua irmã, Diná (Christiane Torloni), que tenta soltá-lo a qualquer custo. E para tentar ajudar seu irmão, a personagem tenta contratar Otávio (Antônio Fagundes), mas não consegue pois o respeitado advogado se recusa a defender Alexandre e ainda declara que fará de tudo para condená-lo, uma vez que era amigo do homem que foi assassinado por ele.


O rapaz acaba mesmo sendo condenado, mas se suicida na prisão. E promete se vingar de todos que o prejudicaram, nesta vida ou na outra. A partir da tragédia, a trama espírita é inserida na novela, que até hoje é lembrada pela forma delicada e bonita que retratou o 'céu', para onde iam os espíritos de luz, e pelo assustador 'Vale dos Suicidas', onde Alexandre ficou por um bom tempo.


Ao longo da história, o irmão de Diná fez questão de prejudicar a vida de todos seus desafetos. Destruiu o casamento de Raul e Andrezza (Thais de Campos) através do controle que exerceu sobre Dona Guiomar (grande Laura Cardoso), transformando a doce senhora, sogra de Raul, em uma víbora. Também modificou a personalidade de Téo, o induzindo a ser um homem violento, e conseguiu matar Otávio ----- que vivia um romance com Diná, formando o belo casal protagonista -----, provocando um acidente de carro.


O advogado vai para o 'céu', chamado de colônia 'Nosso Lar', e lá sofre por estar sem o amor de sua vida, apesar do ambiente lindo e acolhedor. Mas seu sofrimento não dura muito, pois Diná acaba falecendo, por causa de um infarto fulminante, após encontrar sua sobrinha Bia (Fernanda Rodrigues), que estava desaparecida. A situação foi muito peculiar porque pela primeira vez o público torcia para a mocinha morrer, sem ter qualquer tipo de rejeição à personagem. Ela tinha que falecer logo para reencontrar seu amor. E a cena do reencontro foi muito bonita. Antônio Fagundes e Christiane Torloni emocionaram.


Em meio a toda bem escrita trama, havia o delicioso núcleo cômico da pensão da Dona Cininha (Nair Bello), onde viviam vários tipos interessantes, como Seu Tibério (Ary Fontoura) ---  que conversava com um espírito ---, Naná (Keila Bueno), Geraldão (Cláudio Mamberti), Fátima (Lolita Rodrigues) e Padilha (Renato Rabello). Havia ainda um misterioso personagem que não mostrava o rosto e só se comunicava por gestos. Apelidado de 'mascarado', na verdade ele era Adonay (Breno Morony), ex-noivo de Carmem (Suzy Rêgo), que ficou desfigurado após um grave acidente. O perfil era um dos responsáveis pelos momentos mais tocantes da história. Suas cenas eram lindas e lúdicas.


Vale citar ainda outros tipos inesquecíveis como Dona Maroca, vivida pela saudosa e magistral Yara Cortes. Mãe de Alexandre, Raul, Diná e Estela (Lucinha Lins, com uma atuação impecável), a personagem misturava sabedoria com comicidade e todas as sequências em que aparecia eram maravilhosas. Aliás, a cena final onde Maroca chega ao céu, após falecer, encontrando com sua filha Diná e seu genro Otávio foi de uma sensibilidade única. Aquele momento fez muito telespectador chorar e pensar nos parentes que já se foram e que, quem sabe, um dia irão encontrar novamente em outro plano.


Entre os personagens marcantes da excelente produção, há também o Dr. Alberto, interpretado pelo saudoso e talentoso Cláudio Cavalcanti. Médico espiritualista, o íntegro homem conseguia detectar a presença de Alexandre e ajudava muito a família do rapaz, que sofria com as interferências do espírito, sem saber. Lisa (Andrea Beltrão), namorada do irmão de Diná, foi outra personagem que marcou, assim como Agenor (John Herbert), Glória (Denise Del Vechio), o vilão Ismael (Jonas Bloch), Edmeia (Mara Manzan), Zeca (Irving São Paulo), Okida (Carlos Takeshi), Queiroz (Ricardo Petraglia), Regina (Mara Carvalho), Josefa (Tânia Scher), Vovó (Selma Samir), entre outros.


Claro que a novela tem defeitos, como qualquer outra. O temperamento de Bia, por exemplo, cansa o telespectador e se arrasta ao longo do enredo. A pré-adolescente passa a história quase toda venerando Ismael, o pai canalha, e ofendendo a mãe. Sua cegueira diante da índole do pai afronta a inteligência do público. Hoje em dia, outra situação do roteiro despertaria questionamentos: a forma agressiva e abusiva do relacionamento de Téo e Lisa. Todos sabem que o personagem age por influência do espírito de Alexandre, mas não deixa de ser uma espécie de 'justificativa' para homens violentos. Seria até um problema e tanto para a Globo caso ocorra o interesse de um novo remake. Aliás, ainda sobre questões problemáticas, inicialmente, o "Nosso Lar" só tinha pessoas brancas, enquanto no "Vale do Suicidas" havia uma grande quantidade de negros. Houve um forte protesto na época do Movimento Negro e só assim inseriram atores negros no "céu". Já a trama sobre o homem misterioso que engravidou Sofia (Roberta Índio do Brasil) é uma bobagem, assim como a solução do 'problema' com o casamento forçado da então adolescente com Zeca (Irving São Paulo). Em nada acrescenta. Mas são equívocos que não prejudicam a qualidade da trama.


"A Viagem" é do time de novelas que entram para a história da teledramaturgia e continuam vivas na memória do telespectador. No caso do remake da saudosa Ivani Ribeiro, há a peculiar característica de fazer sucesso todas as vezes que é exibido na televisão, sem apresentar qualquer sinal de esgotamento. Mesmo já sabendo tudo o que vai acontecer, o público faz questão de rever a primorosa obra e mergulhar novamente no universo do drama espírita de uma novelista que pode estar no lugar que idealizou em seu folhetim.

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