"No Rancho Fundo" tem início menos corrido que "Mar do Sertão"

 Mário Teixeira foi chamado às pressas pela Globo para apresentar uma nova sinopse para a faixa das seis. Isso porque "O País de Alice", novela que Lícia Manzo preparava para o horário e já em processo de escalação, foi  cancelada de última hora pela cúpula da emissora por considerar o enredo elitista. E após o fiasco do remake de "Elas por Elas", o objetivo era reerguer a audiência com uma história de apelo popular. O autor, então, decidiu produzir uma espécie de continuação de "Mar do Sertão". E nasceu "No Rancho Fundo", que estreou segunda-feira passada, dia 15.

A novela sofreu uma avalanche de críticas nas redes sociais assim que seu material começou a ser divulgado e grande parte da indignação veio de nordestinos, que não aguentam mais se verem representados como miseráveis. As fotos da família central do enredo apresentavam os personagens sujos, com roupa maltrapilha e pele queimada do sol através de uma maquiagem bem evidente. A produção da trama sentiu o peso dos apontamentos do público e mudaram um pouco o figurino dos personagens, segundo matérias de vários sites de notícias. 

E dá para entender a revolta de parte das pessoas, afinal, esse tipo de abordagem é algo comum em se tratando de nordeste na ficção. São sempre cenários áridos, com pessoas de pouca condição financeira e uma aparência de seca por todo lado. Por mais que a desigualdade social no Brasil seja uma constante e ainda tenha muita gente passando sérias dificuldades (não é uma situação inverossímil), já passou um pouco da hora de mudar esse tipo de abordagem na teledramaturgia.

Não deixa de ser um estereótipo. E a família central de "No Rancho Fundo" representa isso. A casa deles nem luz elétrica tem e está em um local isolado. Um telespectador mais desatento acharia que se trata de uma novela de época até porque a parte rica da trama tem uma arquitetura que remete a um enredo de anos atrás. O próprio mote de forçar uma moça a se casar só porque não é mais virgem soa anacrônico. Mas são detalhes que acabarão assimilados com o passar dos meses.

A novela teve uma bonita estreia e a direção de Allan Fiterman valorizou as belas paisagens através de uma fotografia de encher os olhos. A primeira semana focou na família principal, liderada pela potente Zefa Leonel, interpretada com maestria por Andrea Beltrão. O autor colocou no centro da narrativa a relação entre Quinota (Larissa Boccino) e Marcelo Gouveia (José Loreto), onde a mocinha se mostra apaixonada e o golpista quer apenas se divertir. Em meio ao imbróglio amoroso, há inúmeras esquetes envolvendo todos os personagens, o que era a principal característica de "Mar do Sertão". A diferença, porém, está no ritmo da narrativa. Na produção anterior, Mário Teixeira desenvolveu toda a sinopse em apenas duas semanas, o que destruiu a estrutura da obra, que enfrentou uma barriga (período onde nada de relevante acontece) gigantesca ao longo dos meses restantes. Não deu para entender a pressa. O erro já tinha sido cometido pelo escritor em "O Tempo Não Para", seu folhetim das sete cujo enredo acabou em um mês. 

Agora, ao menos por enquanto, os acontecimentos não vêm sendo atropelados por uma agilidade forçada. Tanto que Quinota só conheceu Artur (Túlio Starling), o verdadeiro mocinho, no sexto capítulo. E foi uma cena bonitinha em que os dois jantaram em um restaurante chique, onde a tímida moça observou os modos do rapaz e copiou para evitar um vexame. Aliás, praticamente todos os atores estão bem em cena, incluindo os protagonistas. Além da já mencionada Andrea Beltrão, vale citar Alexandre Nero como Seu Tico Leonel, Mariana Lima como Tia Salete, Clara Moneke como Caridade e Heloísa Honein como Margaridinha. E os atores que deram um show em "Mar do Sertão" e estão de volta são outros que se destacam, vide Welder Rodrigues como Sabá Bodó, Titina Medeiros como Nivalda, Nanego Lira como padre Zezo, Thardelly Lima como Vespertino, Leandro Daniel como Floro Borromeu e Debora Bloch como Deodora. Outro acerto é a volta de Lukete e Juzé encerrando os capítulos contando o que vai acontecer no dia seguinte através dos repentistas Palmito e Totonho, respectivamente. A abertura com a música "No Rancho Fundo" também merece menção pelo bonito trabalho de animação, embalado pelo canto de Elba Ramalho e Natascha Falcão, exibindo a trajetória da família Leonel que vai enricar com a descoberta da turmalina paraíba. 

"No Rancho Fundo" vem apresentando um início agradável e gostoso de acompanhar. A resposta do público está positiva. Resta torcer para que Mário Teixeira tenha uma história rica para contar e não bote tudo a perder com uma celeridade desnecessária que só prejudica as catarses de todo bom folhetim.