terça-feira, 8 de agosto de 2023

Clara proporcionou grandes momentos para Regiane Alves em "Vai na Fé"

 A complexidade, quando bem desenvolvida, sempre destaca o personagem e possibilita um arco de possibilidades para o ator que o interpreta. Claro que tipos maniqueístas também proporcionam para os intérpretes grandes momentos, basta ser bem escrito e desenvolvido. Mas quando um perfil aparentemente íntegro e sofredor toma atitudes controversas, há uma natural confusão de sentimentos no público. É para torcer ou detestar? Criticar ou enaltecer? As duas coisas? As dúvidas engrandecem a narrativa e expõem a densidade do papel. É exatamente o que ocorreu com Clara, em "Vai na Fé". 


Não é exagero afirmar que a personagem é a melhor da carreira de Regiane Alves desde a Dóris, de "Mulheres Apaixonadas", exibida em 2003. A atriz há muitos anos não ganhava um papel que a valorizasse, de fato. Ao longo dos vinte anos de seu último grande sucesso na carreira, a intérprete brilhou em todas as suas aparições, vide a doce Belinha, em "Cabocla" (2004); a patricinha Alice, de "Páginas da Vida" (2006); a íntegra Joana, em "Beleza Pura" (2008); e a fútil Cris, em "A Vida da Gente" (2011). Mas a atriz estava precisando de uma mulher que tivesse uma história rica e um destaque que fizesse jus ao seu talento, assim como teve no último grande folhetim de Manoel Carlos, atualmente reprisado no "Vale a Pena Ver de Novo". 

Rosane Svartman conseguiu dar um fim ao longo hiato e presenteou Regiane com um dos melhores papéis de sua novela de sucesso. Clara iniciou a história sem muito destaque e aparecendo em poucas cenas que mostravam o casamento desgastado de uma mulher rica, moradora da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Aos poucos, foi ficando cada vez mais visível a relação abusiva que Clara tinha com Theo (Emílio Dantas) e como enfrentava dificuldades na criação do filho, Rafael (Caio Manhente). Os dois eram vítimas da toxidade de um sujeito que fazia questão de demonstrar poder e controle o tempo inteiro.

Seem autoestima e submissa, Clara era a esposa perfeita para o vilão. A personagem ---- que sofreu vários estupros e violências psicológicas do marido, mesmo sem ter se dado conta ---- começou a mudar quando iniciou uma amizade com sua personal trainer, Helena (Priscila Sztejnman), e passou a desabafar sobre o que sentia naquele casamento de mais de vinte anos. A proximidade entre aluna e professora foi ficando cada vez maior até virar amor. No entanto, a mãe de Rafa relutou bastante para aceitar o sentimento e vencer o próprio preconceito. Até porque o medo de sair da sua rotina de casada era outro empecilho, assim como o temor de perder a vida de luxo que sempre teve. Isso porque Clara nada mais é do que uma dondoca elitista. 

A mudança de comportamento da personagem ficou visível quando foi confrontar Sol (Sheron Menezzes) sobre o passado da dançarina com o seu agora ex-marido. O olhar de superioridade acabou desnudado, assim como sua postura imponente. O mesmo aconteceu diante da descoberta sobre o caso que Kate (Clara Moneke) teve com Theo. Clara até ameaçou agredir a então nora e foi impedida por Bruna (Carla Cristina Cardoso). Até mesmo quando a personagem demonstrava carinho pelas duas havia um elitismo na forma como observava a casa e os 'modos' da namorada e sogra do filho. Quando se encontrou com sérias dificuldades financeiras porque Theo se recusava a dar para a ex o que era seu por direito, ficava a cada dia mais desesperada com seu futuro. E o temor a deixava constantemente irritada a ponto de ser grosseira várias vezes com Helena, com quem tem dividido seu apartamento. Não por acaso, a personal chegou a compará-la com Theo durante uma briga depois que Clara falou de forma bem elitista sobre Kate. Os xingamentos foram bem semelhantes aos os usados pelo vilão e Rosane expôs de forma sutil uma reprodução da agressividade de Theo em Clara. É óbvio que não há comparativo entre um estuprador violento com uma mulher que sofreu em suas mãos durante anos, mas fica implícito que atualmente ela vem reproduzindo na forma de agir algo que sempre vivenciou. E é algo bastante crível, vide o ataque de ciúmes que deu com Helena na academia. 

A superproteção que Clara tem com Rafa é outra atitude controversa e que rende boas discussões. A forma abusiva e cruel de Theo destruiu o filho psicologicamente a ponto de desenvolver uma depressão severa, mas o tratamento que a mãe tem dado ao menino também não contribui para o seu amadurecimento. A personagem trata Rafael como se o rapaz tivesse 6 anos e necessitasse viver dentro de uma bolha de acrílico. Embora sempre fale para o herdeiro viver e sair daquele quarto, acaba demonstrando uma insegurança gigantesca sobre como Rafa vai reagir aos tombos da vida. Tanto que exigiu que Kate se afastasse para que Rafael não descobrisse sobre o caso da garota com Theo. Depois aceitou a nora de volta, mas estabelecendo um acordo para que o segredo permanecesse guardado. Mesmo quando estava com pouco dinheiro em casa, se recusava a cortar qualquer gasto que tivesse com o filho e nem aceitava que ele trabalhasse ou vendesse objetos para ajudar. Agora, na última semana de história, houve uma evolução em seu comportamento, ainda que no quesito relacionamento siga tropeçando em suas aparentes certezas. 

Ou seja, Clara é uma personagem repleta de camadas e a atriz está brilhante em "Vai na Fé". Foram muitas cenas grandiosas ao lado de Emilio Dantas, Carolina Dieckmann e Caio Manhente. É até injusto citar uma só. A intérprete consegue extrair todas as contradições daquela mulher elitista e mimada que passou anos sendo violentada de todas as formas pelo marido, mas que sabe ser esnobe e até cruel quando quer. Ao mesmo tempo que é uma mãe amorosa e cuidadosa, acaba aumentando a fragilidade emocional do próprio filho. Conseguiu se libertar de um homem abusivo, mas ainda reproduz alguns comportamentos nocivos por conta de anos de convívio com o que havia de pior em um ser humano. Afinal, ninguém é uma coisa só e interpretar um tipo assim é ainda mais desafiador. Só que o desafio se torna fácil para uma profissional como Regiane Alves, que brilhou do início ao fim da novela das sete. 

15 comentários:

Anônimo disse...

Não mencionar Pricila e a cena de ontem, a troca complexa ente elas, te torna apenas mais um homem que se entitula jornalista

Anônimo disse...

Apesar de Regiane Alves ter tido a oportunidade de dar vida a outros bons personagens na Globo, foi Clara, de "Vai Na Fé", que se mostrou digno de ser mencionado em um ranking de papéis teledramatúrgicos a exigirem grande entrega da intérprete em cena. E é tão bom quando perfis de núcleos centrais são devidamente valorizados nas obras de que fazem parte.

Guilherme

Maria Rodrigues disse...

Pormonorizada e interessante análise.
Abraços

Anônimo disse...

Realmente, a Clara é uma controvérsia. E está sendo feita brilhantemente pela incrível Regiane... que me fez acompanhar uma novela depois de ano e com certeza vai deixar saudade. Espero ve-la em breve.

Marly disse...

Os seres humanos são cheios de contradições e ambiguidades e isso só melhora com o autoconhecimento. A atriz realmente tem se saído muito bem no papel dessa mulher que sequer tem consciência das razões que a levam a agir do modo que age. Mas eu acho que ela chega lá, rsrs.

Beijo

CÉU disse...

Oi, Sérgio!
Com suas análises, eu fico sabendo do enredo da novela "Vai na Fé" e do papel dos atores.
Regiane Alves é, talvez, a principal atriz. Gostei de ler e saber.
Beijos e dias felizes.

Monique Larentis disse...

Eu que não posso assistir a novela toda hora, adoro vir me informar sobre as novidades de tudo que está acontecendo :)

www.vivendosentimentos.com.br

Renato disse...

fala sério, essa clara é péssima, a única complexidade dela é ser racista com a kate e a sol, e esse casalzinho com a helena era bem idiota, sem nenhuma química, poderia ter rendido melhor se a intérprete da helena fosse uma atriz minimamente talentosa, esse casal só ficou famosinho em uma bolha muito específica de uma rede social que praticamente não existe mais, que é conhecida por ser extremamente tóxica e por só se interessar por atrizes brancas.
ainda sobre a personagem, chega a ser patético ver que clara só conversa de igual pra igual com lumiar porque é tão branca e rica quanto ela. lumiar é outra que é racista até o último fio de cabelo, mas ela, assim como clara, lui e theo, tiveram mais camadas e humanização do que os próprios protagonistas ben e sol. óbvio que o fã de vai na fé jamais enxergará o racismo presente nessa situação, mas eu nem espero isso deles, até porque, é nítido que o nível intelectual desse povo é extremamente baixo.

Sérgio Santos disse...

Verdade, Guilherme.

Sérgio Santos disse...

Bjs, Maria.

Sérgio Santos disse...

Tb, anonimo.

Sérgio Santos disse...

É isso, Marly!

Sérgio Santos disse...

Fico honrado, Céu.

Sérgio Santos disse...

Bjs, Monique.

Sérgio Santos disse...

Vc que é inteligentíssimo, né Renato.