A reprise de "Página da Vida" chegou ao fim nesta sexta-feira, dia 15, no Viva. A reexibição foi um sucesso, o que reforçou a potência das histórias de Manoel Carlos. Na época, entre 2006 e 2007, a trama também teve um ótimo retorno da audiência, após um início conturbado. No entanto, a história marcou o início do declínio do autor, que já não estava mais tão inspirado quanto antes.
Maneco vinha de três trabalhos que foram, em sequência, um fenômeno de audiência no horário nobre da Globo: "Por Amor", em 1997, "Laços de Família", em 2000, e "Mulheres Apaixonadas", em 2003. A trinca de ouro foi sucesso de público e crítica. Mas "Páginas da Vida" acabou marcada por vários problemas observados pela crítica especializada e uma rejeição inicial do público, o que obrigou o autor a mexer na trama. As alterações surtiram o efeito na audiência. Alguns conflitos receberam mais destaque em detrimento de outros.
A maior qualidade da novela foi seu núcleo central. A potência do drama protagonizado por Helena (Regina Duarte), Marta (Lilia Cabral), Alex (Marcos Caruso) e Nanda (Fernanda Vasconcellos) arrebatou o público com um clichê irresistível e bem explorado: a gravidez na adolescência que resultou em uma rejeição antológica e um processo de adoção que esbanjou delicadeza. Nanda engravidou fora do país e sua volta ocasionou um embate com sua mãe que nunca foi esquecido pelos telespectadores.
Tudo ficou ainda mais catastrófico quando a personagem foi atropelada por um carro desgovernado em um ponto de ônibus, no Leblon, e acabou falecendo na hora do parto forçado. A tragédia causou um infarto em Alex e expôs uma frieza assustadora de Marta, que aceitou ficar apenas com Francisco (Gabriel Kaufmann) e renegou a neta, Clara (Joana Mocarzel), porque o bebê tinha Síndrome de Down. "Eu passo" foi a frase mais chocante dita pela avó. A médica, Helena, então decidiu adotar a menina. É um mote central que não tinha como não funcionar. E todas as cenas envolvendo os conflitos rendiam grandes atuações. Lilia Cabral viveu seu melhor momento na carreira na pele de Marta, uma personagem complexa, que esbanjava crueldade, mas não podia ser classificada apenas como uma 'vilã'. Não por acaso, a atriz foi indicada ao Emmy Internacional por conta de seu irretocável desempenho. Marcos Caruso foi outro gigante. A sensibilidade de Alex foi defendida com maestria pelo ator que era um parceiro perfeito de Lilia. O casal se comportava como inimigos mortais e as brigas eram fortes a ponto de Lilia ter sofrido um grave acidente durante uma delas, quando Marta foi empurrada por Alex e bateu com a boca na quina da mesa. Precisou até de cirurgia. A atriz ainda fazia boas cenas com a também talentosa Silvia Salgado, intérprete de Verônica, irmã rica de Marta. Regina Duarte brilhou como Helena e suas cenas com a pequena Joana Mocarzel eram lindas. A veterana viveu sua terceira Helena do Maneco e conseguiu diferenciá-la das demais. Fernanda Vasconcellos fez uma breve participação, mas o sucesso foi tanto que a morte de Nanda foi adiada e depois a personagem foi mantida como espírito.Já os núcleos paralelos foram os responsáveis pelos problemas da trama. Era tanto núcleo e tanto ator que vários nomes de peso foram figurantes de luxo. Mal tinham cenas. Houve um grave excesso no processo de escalação. Tinha mais ator do que história. Antônio Calloni chegou a pedir para sair da trama diante do descontentamento com seu personagem, que mal aparecia. Sônia Braga, figura raríssima em novelas e até em produções nacionais, estava totalmente deslocada em um núcleo que não tinha qualquer conexão com os outros. Renata Sorrah tinha poucas sequências na pele da juíza Tereza e só teve um breve momento de destaque quando o filho da personagem, Luciano (Rafael Almeida), foi sequestrado pelo próprio pai, Nestor (Zécarlos Machado), que acabou morto na hora do resgate. O núcleo protagonizado por Leo (Thiago Rodrigues), e depois Olívia (Ana Paula Arósio), tinha a grande Nathalia Timberg como Hortência, a avó do rapaz, que era mera 'orelha' para os desabafos do neto. Regiane Alves ganhou uma personagem que lembrava Clara e Dóris, personagens vividas por ela em "Laços de Família" e "Mulheres Apaixonadas". Alice parecia um clone delas. Edson Celulari foi perdendo a função ao longo dos meses até Silvio praticamente desaparecer da narrativa. Marcos Paulo (o médico Diogo) foi outro grande ator que não teve seu talento valorizado, assim como Christine Fernandes, Leandra Leal, Ângela Leal, Fernando Eiras, Buza Ferraz, Xuxa Lopes, Lígia Cortez, Umberto Magnani, Walderez de Barros, Louise Cardoso (a trama de Diana, professora que tinha tesão por um aluno mais jovem, era cansativa ao extremo), Tato Gabus Mendes, Helena Ranaldi, entre tantos mais. Até o grande Tarcísio Meira acabou desperdiçado. Tide, o patriarca da família, perdeu a função logo no início da história, quando sua esposa, Lalinha (Glória Menezes), faleceu.
Vivianne Pasmanter e Caco Ciocler tiveram química de sobra e o casal Isabel e Renato funcionava, mas a trama andava em círculos e se esgotou com o tempo. Eram tantas idas e vindas que tiravam a paciência do telespectador. O conflito envolvendo a bulimia de Gisele (Pérola Faria) gerou uma boa repercussão e destacou o talento de Deborah Evelyn, que brilhou na pele da mãe que sufocava a filha e era obcecada pela magreza. Mas também se arrastou ao longo da trama e não teve fôlego. Já Jorge (Thiago Lacerda) era um personagem que não tinha rumo. Ficava claro que o autor não sabia muito bem o que fazer com ele, até que decidiu colocá-lo apaixonado por Thelminha (Grazi Massafera em sua primeira novela). Ali o galã começou a ter um norte, só que ainda assim protagonizando situações que não saíam do lugar. O noivado de Thelma com Dorival (André Frateschi) parecia oriundo de algum folhetim de época. E Maneco tentou repetir a questão da virgindade ---- vista com Edwiges (Carolina Dieckmann) em "Mulheres Apaixonadas" ---- com a menina interiorana, mas o drama ficou anacrônico e machista.
Por falar em machismo, o autor sempre demonstrou essa característica em suas obras, até as mais elogiadas. Não foi diferente em "Páginas da Vida". Tudo o que envolvia Greg (José Mayer, como sempre) era problemático. O sujeito desviava dinheiro da empresa do sogro, colecionava amantes e era tratado como galã. Aliás, o tapa que ele dá em Márcia (Helena Ranaldi) na última semana da novela, 'devolvendo' a agressão sofrida anteriormente em uma discussão, como se tivesse empatado a briga, foi absurdo. E o personagem ---- que se comportava como príncipe com Helena ---- protagonizava sequências repetitivas envolvendo seu caso com Sandra (Danielle Winits), que só foi descoberto por Carmem (Natália do Vale, ótima) na última semana. Outro drama que se arrastou na história foi o 'amor' de Lavínia (Letícia Sabatella mal aproveitada), uma freira do hospital, e seu paciente que era portador do vírus HIV. Além da temática ter sido pessimamente abordada, Gabriel (Miguel Lunardi) ficou a novela toda deitado em uma cama. Ao menos o núcleo do hospital teve algumas boas sequências por conta da vilania da Irmã Maria (Marly Bueno), chamada de Irmã Má. Bete Mendes (Irmã Natércia), Inez Vianna (Irmã Fátima) e Selma Reis (Irmã Zenaide) ainda formavam um trio de madres divertido.
No entanto, dois núcleos secundários renderam boas situações. O drama do alcoolismo de Bira, que vivia sendo cuidado por sua filha, Marina, proporcionou momentos brilhantemente interpretados por Eduardo Lago e Marjorie Estiano. Eram cenas emocionantes e fortes. Outro conflito que despertou interesse foi o racismo velado, ao mesmo tempo que escancarado, de Gabi (Carolina Oliveira), uma criança que aprendeu o preconceito com a mãe, Angélica (Cláudia Mauro). Eram sequências perturbadoras, mas que tinham um impacto necessário. Destaque ainda para Paulo César Grande e Elisa Lucinda como Lucas e Selma, onde a atriz era a madrasta desprezada pela filha de seu marido.
A novela ao menos tem uma última semana marcada por vários acontecimentos por conta do vício do escritor em deixar tudo para o final. A disputa pela guarda de Francisco é decidida com momentos emocionantes, enquanto o flagra de Carmem em Greg e Sandra rende uma catarse aguardada com direito a muitos tiros. Alex também só descobre que sua neta, Clara, está viva nos instantes decisivos. A sequência em que Nanda impede Marta de cometer suicídio é outra marcante. Já a última cena é quase uma cópia do memorável desfecho de "Por Amor", quando Helena e Alex observam Clara e Francisco brincando com o espírito de Nanda enquanto passeiam pelo Jardim Botânico, mesmo cenário onde Helena (Regina Duarte), Atílio (Antônio Fagundes), Eduarda (Gabriela Duarte) e Marcelo (Fábio Assunção) fecham o ciclo no sucesso de 1997.
"Páginas da Vida" é uma novela marcante de Manoel Carlos, mas com muitos altos e baixos. Ficou visível que o veterano enfrentava uma maior dificuldade no desenvolvimento de uma boa história. Já era um indício do que estaria por vir na problemática "Viver a Vida", de 2009, e no imenso fracasso "Em Família", de 2014. Porém, a reprise do Canal Viva foi muito acertada justamente para rever o que deu certo e observar melhor todas as suas falhas.
20 comentários:
Realmente, foi uma trama irregular, razoável e que marcou pelas grandes atuações. Lília e Marcos Caruso foram os grandes nomes da novela e seguraram a trama até o fim. Infelizmente, vários núcleos paralelos foram mal desenvolvidos e atores talentosos foram desperdiçados. O elenco era gigantesco e o Maneco não conseguiu dar conta de tantos personagens. Já era o começo do desgaste da fórmula das novelas dele e que se agravaria em Viver a Vida e Em Família.
De fato "Páginas Da Vida" (2006) teve uma trajetória permeada por altos e baixos. Baixos como a presença de vários intérpretes em perfis pouco relevantes, e altos como as tramas envolvendo Nanda (Fernanda Vasconcellos), Marta (Lília Cabral) e Helena (Regina Duarte). Mas a reprise no Canal Viva foi válida para constatá-los.
Guilherme
Lembro, já começou a ter alguns problemas, mas no geral foi ainda uma ótima novela. Só não gosto de assistir reprises, deixo o tempo na frente da TV para as novidades. Beijos ;)
https://costuraerasga.blogspot.com/
Nada a ver
Olá, tudo bem? Concordo. Páginas da Vida marca o início do declínio do autor. "Páginas da Vida" não foi um estouro nos índices de audiência. Não gostei da novela. Porém, o último capítulo foi lindo. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br
até concordo que Páginas da Vida foi o início da decadência das novelas do Maneco, porém Páginas da Vida chega à ser tolerável do que o grande flop que foi o fracassado Em Família de 2014
outra novela flopada da década de 2010 que eu queria você falasse e fizesse crítica dela aqui no seu blog é o horrível Amor e Revolução do SBT, essa novela foi muito criticada por ser um grande insulto para as pessoas que viveram ou foram vítimas da infame ditadura militar e é o maior fracasso de audiência das novelas do SBT, uma das únicas coisas boas da novela foi o beijo lésbico de duas personagens da novela e outra, você teria interesse de falar sobre o desenho da Turma da Mônica e até mesmo famosos da TV fazendo participações nas dublagens brasileiras dos filmes do extinto estúdio de animação Blue Sky Studios aqui no seu blog, já porque você não costuma falar muito sobre desenhos animados aqui, com algumas exceções como a menção do Pica-Pau nos piores de 2012, na parte sobre a Record naquele ano fez uma matéria vergonhosa sobre o desenho do Pica-Pau, porque o diretor do TV Xuxa da Globo chamou os telespectadores que assistem Pica-Pau na Record de idiotas
Eu discordo. Essa e "Mulheres Apaixonadas" pra mim são as únicas novelas boas dele
Excelente análise.
Bom domingo.
Beijinhos
Como sempre, Sérgio, você foi muito feliz em sua abordagem. Essa novela não correspondeu aos costumeiros aplausos dados ao autor. Abraço.
É exatamente isso, Guilherme.
Exato, Guilherme. Deu pra ver tudo que deu errado.
Entendo, Jeaanne.
Ok, Claudio.
Obrigado, Fabio.
Eu vou escrever sobre a série da Turma da Monica, anonimo.
Sem problemas, anonimo.
Bjs, Maria.
Vc sempree querida, Marilene.
Por Amor passou longe de ser um grande sucesso de audiência, pelo contrário. Era inclusivo atrapalhada pelo Ratinho. E Páginas da Vida não teve problema de audiência no começo não, pelo contrário. Começou explodindo e depois foi caindo.
Helena devia ter sido a irmã bem de vida de Marta (bem de vida pq trabalhou, médica. Não por causa de marido). Alex devia ter ficado debilitado mais tempo, Marta rejeitava cuidar da criança, criança nunca é adaptava a voltar com os avós Qd Alex melhorasse. Marta vendia as duas crianças. Isso colocaria a Helena mais dentro da trama principal (pq do jeito que foi, ela ficou totalmente escanteiada pq a trama principal era a da Marta) e cortava alguns secundários… cortava mais algumas personagens e pronto, teria uma novela mais coesa, mais uma obra prima do Maneco. Pq ele ainda tava escrevendo bem, só que teve muita gordura e muita barriga.
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