segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Após início promissor, "O Tempo Não Para" parou e chegou ao fim sem atrativos

A novela das sete de Mário Teixeira começou com o pé direito. Apesar das desconfianças iniciais, a trama deu certo. O enredo era estapafúrdio ---- uma família de 1886 naufragava e congelava em alto mar, até descongelar 132 anos depois, precisando se adaptar aos novos tempos em pleno 2018 ----, mas caiu nas graças do público. A ousada proposta do autor funcionou e "O Tempo Não Para" iniciou sua saga fazendo um imenso sucesso ---- os índices das primeiras semanas não eram vistos desde "Cheias de Charme", exibida em 2012. Todavia, infelizmente, o autor não conseguiu desenvolver bem o seu folhetim e "O Tempo Não Para" se perdeu da metade para o final.


Os índices do Ibope nas alturas no início da trajetória da família Sabino Machado faziam jus ao que era apresentado para o telespectador. Simplesmente genial todo o período de adaptação dos congelados, incluindo o show do elenco e o texto sagaz do escritor. As expressões de choque e horror aos novos tempos eram hilárias, destacando principalmente Edson Celulari (irretocável como Dom Sabino), Juliana Paiva (perfeita como Marocas), Rosi Campos (engraçadíssima na pele de Agustina) e Cesária (Olívia Araújo valorizada como merece). Mário ainda foi inteligente e descongelou os personagens de 1886 aos poucos, aproveitando bem as adaptações de cada um.

Os principais casais funcionaram. A relação de Samuca (Nicolas Prattes muito bem) e Marocas foi desenvolvida com muito humor, sempre explorando o desconforto da menina com as modernidades do rapaz que "exibia as pernas usando bermudas, sem um pingo de vergonha''. A química entre os atores (namorados na vida real) foi nítida. Coincidentemente, a comicidade também foi o ingrediente dos outros dois pares principais.
O encantamento de Sabino por Carmem proporcionou cenas impagáveis protagonizadas por Edson Celulari e Christiane Torloni, que representavam o típico relacionamento de gato e rato. Ele, naturalmente machista, e ela, uma feminista de carteirinha que nunca aceitou homem mandando em sua vida.


Já Elmo e Miss Celine formaram um casal improvável que virou um dos trunfos do enredo. Felipe Simas pôde explorar pela primeira vez a sua veia cômica e agradou, assim como Maria Eduarda de Carvalho, que tinha um dos melhores textos do enredo. O garoto que pronunciava um amontoado de gírias paulistas combinou perfeitamente com a professora letrada que odiava anglicismos e linguagens pobres. Muitas vezes as cenas eram repetitivas, mas mesmo assim divertiam em virtude da sintonia dos atores e do humor. O autor até tentou mexer com a relação quando tentou aproximar o garoto de Damásia (Aline Dias), mas logo se arrependeu a tempo.


Por sinal, o núcleo dos ex-escravos também merece elogios. Através de Cesária, Cairu (Cris Vianna), Menelau (David Jr.), Damásia e Cecílio (Maicon Rodrigues), o autor tocou em feridas até hoje não cicatrizadas. O texto sobre o preconceito que os negros ainda sofrem e como a escravidão apresenta bastante resquícios era ótimo. Críticas sociais necessárias e usadas de forma inteligente. Mas é preciso ressaltar que (com exceção de Cesária) todos mereciam mais espaço no enredo. Foi bom, mas poderia ter sido melhor. Vide o romance pouco explorado de Cecílio e Paulina (Carol Macedo) e a perda de função de Damásia. Até Menelau poderia ter protagonizado um romance riquíssimo com a doutora Helen (Rafaella Mandelli), explorando bem a diferença de mundos e costumes, ao invés da relação pouco convincente com Wanda (Lucy Ramos), que nem construção teve.


É preciso elogiar a dupla formada por Coronela e Januza. Sarcásticas e venenosas, as personagens interpretadas por Solange Couto e Bia Montez protagonizaram cenas hilárias. A dona da pensão e sua fiel escudeira viviam trocando farpas e falando mal de todos os hóspedes, mas no fundo não eram pessoas ruins. A sintonia das atrizes foi imediata e tiveram um justo destaque. Aliás, ideia genial ter juntado Dona Jura com Dona Vilma (perfis que marcaram Solange e Bia, em "O Clone" e "Malhação", respectivamente). O grande Milton Gonçalves foi outro ator valorizado que protagonizou ótimas cenas com Edson Celulari, Carol Macedo e Rui Ricardo Dias (Barão). As crianças também merecem reconhecimento. Raphaela Alvittos e Natthalia Gonçalves brilharam como as gêmeas Nico e Kiki. Pedro Baião foi a grata surpresa do elenco na pele do sincero Rafa ---- uma alegria ver um ator com Síndrome de Down trabalhando tão bem e não tendo essa condição como conflito no enredo.


É uma pena, porém, que tantos bons personagens tenham sido esquecidos pelo autor. Esse, inclusive, foi um dos maiores erros da produção. Vários perfis coadjuvantes eram promissores, mas acabaram deixados de lado porque Mário simplesmente só se interessou em desenvolver conflitos do núcleo principal e vários criados forçadamente. Helen era uma médica íntegra e marcou a volta de Rafaela Mandelli à Globo, após 12 anos na Record. Tinha tudo para brilhar, mas protagonizou cenas bobas com Bento (Bruno Montaleone) e o casal não deu certo. O autor, então, o juntou com Naty (Malu Falangola) e esqueceu de criar um novo enredo para Helen. Resultado: a atriz mal apareceu ao longo dos meses. Já Zelda tinha era uma picareta adorável e Adriane Galisteu estava ótima em sua primeira novela na Globo. Foi por causa dela, vale lembrar, que a Leo Bahia cresceu no enredo. O ator é talentoso, sem dúvida, mas o improviso da atriz chamando seu assistente (até então um figurante) de "Poc" fez o papel crescer. Eles formaram uma dupla hilária. Por isso mesmo não deu para entender Mário ter deslocado o rapaz para ser braço-direito de Betina (Cleo Pires), com quem mal contracenava. Zelda ficou avulsa e acabou se juntando com outra sem função na trama: Monalisa (Alexandra Richter). Além dos mencionados, é preciso lembrar de Cyria Coentro (Marciana), Juliana Alves (Mazé), Ingrid Klug (Belém), Marcos Pasquim (Marino) ---- que simplesmente desapareceu por meses, sem deixar rastros ----, Wagner Santisteban (Pedro Parede), Carol Castro (Waleska) e Talita Younan (Vera Lúcia) como outros nomes desperdiçados. Até o cachorrinho Pirata, tão comentado antes da estreia da novela, não teve o destaque prometido.


 Já Amadeu tinha como principal objetivo ser o grande vilão da história. Milionário e com uma doença incurável, o excêntrico sujeito planejava usar a família Sabino Machado como cobaia para suas experiências em torno de um futuro congelamento. Assim, ele mesmo ficaria na cápsula criogênica e só acordaria no ano da descoberta da cura de sua enfermidade. Mas nada disso foi desenvolvido. Mário claramente desistiu da ideia e jogou Luiz Fernando Guimarães para escanteio. Ele foi literalmente colocado na geladeira. O até então vilão foi congelado por Lúcio (João Baldasserini) e Mariacarla (Regiane Alves) e sumiu por um bom tempo. Quando se viu descongelado já estava curado da doença (????) e seguiu sem função com uma nova personalidade.


Os vilões, por sinal, foram um fracasso. O advogado Emílio não tinha um pingo de carisma e João Baldasserini não convenceu. As armações do picareta para ficar com Marocas eram forçadas e nem mesmo a parceria com Mariacarla (Regiane Alves sempre bem) funcionou. A solução de Mário para esse problema, no entanto, deixou tudo ainda pior. O autor matou o personagem com uma picada de cobra e colocou no lugar um irmão gêmeo, vivido, claro, pelo mesmo ator. Lúcio era tão canalha quanto o irmão e João continuou com um desempenho fraco. Não deu para compreender o objetivo do escritor. Não seria mais fácil eliminar Emílio e destacar Amadeu, por exemplo? Apenas trocou seis por meia dúzia. A vilã de Regiane também não disse a que veio e ficou uma por parte do tempo sem função. Já Betina foi a pior de todas, no mau sentido da palavra. Cleo Pires não estava à vontade e a ex de Samuca não tinha motivos plausíveis para suas maldades. Virou uma psicopata assassina apenas porque levou um fora do namorado. E seu ódio por Marocas nunca teve uma explicação convincente.


A história naufragou depois que os congelados se adaptaram aos novos tempos. O tempo parou, com o perdão do trocadilho. O autor simplesmente esqueceu de criar situações dramáticas para manter o telespectador interessado no enredo. Ou então destacar um pouco mais os vários personagens coadjuvantes promissores. Mário preferiu focar apenas no casal principal e na repetitiva trama em torno do controle da Samvita, empresa comandada pelo mocinho. Muitas vezes havia a sensação de assistir ao mesmo capítulo umas quatro vezes por semana. Tudo andava em círculos. Não por acaso, a audiência foi diminuindo a cada mês. O grande sucesso foi se transformando em fracasso nos números. A prova é a média final da produção: 24 pontos, dois a menos que a antecessora "Deus Salve o Rei", folhetim que viveu exatamente a situação oposta ---- começou mal no Ibope e terminou em alta graças aos novos conflitos inseridos no roteiro medieval.


A falta de criatividade do autor foi tamanha que em plena reta final não conseguiu provocar viradas convidativas. Apenas inventou uma espécie de sequestro familiar em virtude do vírus da Varíola que poderia estar adormecido nos congelados, trazido de 1886. A mocinha foi a única infectada. E essa bobagem não provocou virada alguma, além de ter exposto furos no roteiro, afinal, Marocas ficou internada quando levou um tiro de raspão e nenhum médico detectou nada na menina. A volta de Petra também não despertou interesse e Eva Wilma não foi valorizada como merecia. Não por acaso, o penúltimo capítulo se mostrou cansativo e repleto de cenas irrelevantes. Nem houve um bom gancho para o último dia. Aliás, o folhetim sofreu com a ausência de ganchos. Os capítulos acabavam 'do nada' e muitas vezes com cenas sem qualquer importância. A direção de Leonardo Nogueira deixou muito a desejar --- embora isso também seja culpa do escritor.


O último capítulo nem tinha muito o que apresentar e valeu apenas pela surpreendente e linda cena em que Marocas recebe a vacina para a cura de sua enfermidade e acaba envelhecendo 132 anos em segundos, para o desespero de Samuca, Carmem e Dom Sabino. No entanto, ela rejuvenesce com a mesma rapidez e volta feliz para o seu amado. Nicolas Prattes, Juliana Paiva, Christiane Torloni e Edson Celulari ótimos. Vale destacar também a narração final de Sabino contando todos os desfechos dos personagens, enquanto breves cenas eram exibidas. Já o restante foi dispensável. A morte da Betina foi ridícula, a prisão do Lúcio uma mesmice e lamentável não terem exibido a morte de Mariacarla. Drª. Helen e Coronela nem final tiveram.


"O Tempo Não Para" termina como uma decepção. Seria injusto classificá-la como um fracasso, mas é inegável sua total perda de rumo. O início da corajosa história de Mário Teixeira mereceu cada elogio e era para ter sido uma novela memorável. Infelizmente, não foi. Ainda assim, os pontos positivos merecem um lugar especial na memória de quem assistiu, tanto pelo elenco quanto pelo contexto em torno da querida família Sabino Machado. É de se lamentar, todavia, que um conjunto tão promissor tenha chegado ao fim de uma forma tão desleixada. Os atores e os telespectadores não mereciam.


22 comentários:

Anônimo disse...

Primeiramente: Sérgio, quero lhe dizer que adoro as suas "molduras" de fim de novela, risos. Segundamente: "O Tempo Não Para" (2018) não merecia ter um tratamento igual ao de "I Love Paraisópolis" (2015) em termos de condução de enredo, tanto nas tramas centrais como nas paralelas. Por mais que eu nunca tenha demonstrado interesse em acompanhar o folhetim recém-encerrado, afirmo que deveria ter havido mais esmero no conjunto geral da obra. Sem mais. (Pelo menos até então...).

Filha do Rei disse...

Fiquei com saudade do começo da novela. Na minha opinião algo se perdeu quando os congelados começaram a se modernizar, acredito que não souberam fazer esta ponte.
Tenha uma linda semana. Bjs


Anônimo disse...

Suas resenhas finais de novelas são impecáveis. Não escapa nada. ADORO.

Fernanda Mendes disse...

Outra coisa estranha foi a gravidez de cavalo da Waleska, enjoei da novela acho que fiquei 1 mês sem assistir e qnd voltei ela nem barriga tinha, achei até que tinha perdido ai no fim apareceu a bebê

Caio disse...

Criticou tudo o que eu acho sobre essa novela que realmente parecia ótima e se perdeu no caminho.

Pedro Bertoldi disse...

Sem contar que narração com final de personagem é um recurso batidíssimo e que só revela a desorganização do roteiro, afinal demonstra correria na finalização. Todo o melodrama e cenas repetitivas de Marocas e Samuca na clínica em cenas repetitivas poderia ter sido otimizado para dar finais dignos a Coronela e Helen pelo menos.

Anônimo disse...

A trama dos congelados tinham tanto potencial, porém infelizmente foi desperdiçado. Eles eram uma familia que foi congelada poderiam criar situações como cientistas historiadores e pessoas mundo inteiro quererem visitá-los, eles não sabendo lidar bem com a fama, Kiko é Nico fazerem piadas é fazendo sobre suas idades como elas sendo "mais velhas" que a dona Carmem e o Samuca é tirarem vantagem disso, a questão racial ser mais bem exploradas já que eles foram escravos de verdade etc etc..
Uma novela que começou legal porep se perdeu no na metade pro fim.

Anônimo disse...

A HELEN NÃO TER TIDO UM FINAL FOI A COROAÇÃO DA FALTA DE RESPEITO COM A RAFAELA MANDELLI.

Anônimo disse...

Só achei que faltou uma coisa ser citada na sua resenha geral: o pai do Samuca. Não vi essa novela diariamente, mas a estadia dele vi quase toda e fiquei meio "POR QUE ESSE CARA ENTROU NA HISTÓRIA?". De resto, achei sua resenha impecável.

Malu disse...

Infelizmente essa novela se esgotou já no comecinho. Samuca sempre foi insuportável como mocinho, seria mais interessante se ele fosse um bad boy que mudasse por amor, sei lá. Pelo menos daria uns obstáculos a mais na relação, e tiraria dele esse ar de "sou o bonzão". Imagina ele conhecendo Marocas e ja querendo partir pros finalmentes enquanto ela totalmente de outro século? Aí ele entenderia que precisa batalhar por ela e se apaixonaria de verdade. Enfim, já passou da hora de novelas pararem com isso de se apaixonar à primeira vista e nunca mais se separar. Aliás casais errados e o que não falta nessa novela. O casal principal essa saturação, Elmo e Miss Celine idem (quantas mil cenas tivemos com eles se lambendo?), Carmen e Sabino melhor casal da novela mas o que foi aquela parte da gravidez falsa? E aqueles conflitos chatos com o pai do Samuca? Wanda e Menelau sem construção, Lalá e Vera Lúcia nunca disseram de fato a que vieram (ele virou padre no final? Nem entendi), e casais fofos como Bento e Nat, e Paulina e Cecílio com pouquíssimo tempo de tela. Fora as vezes em que DO NADA trocavam de pares. Ficou claro que o autor não soube o que fazer com tantos personagens, e é uma pena. O celebrado elenco negro sequer teve destaque. Aliás, quantos personagens com uma função clara tivemos nessa novela? Os mil vilões não serviram pra quase nada! Emilio, Betina, Maria Carla, Amadeu, Petra, Lucio... Pura enrolação. Fora a Betina que do nada passou metade da novela tentando MATAR a Marocas só por ser a atual do seu ex, sendo que esse amor todo da Betina pelo Samuca nunca chegou a convencer. Puxado. No conjunto geral ela é melhorzinha que ILP, mas só pelo enredo criativo. Mario Teixeira e melhor que siga em séries mesmo.

Anônimo disse...

Meu saldo geral foi de uma boa novela. E o seu? Achou mediana ou ao menos, boa?

Sérgio Santos disse...

Fico honrado com seu comentário, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Exatamente, Cleu.

Sérgio Santos disse...

Fico feliz, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Boa lembrança, Fernanda.

Sérgio Santos disse...

Obrigado, Caio.

Sérgio Santos disse...

Exato, Pedro.

Sérgio Santos disse...

Ótimas ideias, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Foi uma sacanagem o que fizeram com a Mandelli, anonmo.

Sérgio Santos disse...

É verdade, anonimo...Nem citei pq foi irrelevante.

Sérgio Santos disse...

Vdd, Malu...

Sérgio Santos disse...

Mediana, anonimo.