quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Preteridos pela Globo, veteranos são aclamados no teatro

 Não há mais como contestar: a teledramaturgia nacional mergulhou no etarismo. Com o perdão da grosseria, praticamente não existe mais velho em novela. Os elencos agora são majoritariamente compostos por atores jovens e as figuras dos avôs e avós desapareceram quase por completo. Em cada produção, dá para contabilizar apenas um, ou no máximo dois atores com 70 anos ou um pouco mais. Isso porque intérpretes acima dos 80 em folhetins atuais virou quase utopia. 


Etarismo, de acordo com a Academia Brasileira de Letras, se refere ao preconceito contra pessoas com idade avançada. Também chamado de idadismo ou ageísmo. A expectativa de vida do brasileiro vem aumentando a cada ano e atualmente está em 77 anos, mas a teledramaturgia nacional parece retroceder. O curioso é que a questão virou uma espécie de assunto proibido, uma vez que as diretorias das emissoras, principalmente as da Globo, maior produtora de novelas do país e do mundo, não comentam ou repercutem a evidente mudança no processo de escalação. Os autores também não se pronunciam publicamente, o que parece uma mordaça imposta pelos empregadores. 

As novelas e séries gravadas na época do controle sanitário eliminaram por completo a presença de idosos em cena e havia todos os motivos para tal, já que eram o grupo de risco da covid-19.

No entanto, as vacinas chegaram, a pandemia foi ficando para trás e a normalidade finalmente voltou no mundo. Nada de máscaras, retorno das aglomerações, enfim, tudo como era antes. Mas o setor audiovisual parece esquecer disso. Pelo menos no quesito escalação de veteranos. Virou algo cada vez mais raro, principalmente nas novelas. 

A última trama que contou com um merecido destaque dos atores mais velhos foi "Terra e Paixão", onde Tony Ramos, Gloria Pires e Eliane Giardini viraram o trio central da história através de três vilões carismáticos e bem construídos. Não por acaso, a novela foi o último sucesso do horário nobre da Globo e escrita por Walcyr Carrasco, o escritor que mais valoriza veteranos em suas obras. Outro autor que se preocupava com os intérpretes mais experientes era Silvio de Abreu, mas infelizmente parou de escrever. 

Atualmente, citando apenas as novelas da Globo, são poucos os intérpretes mais velhos escalados. Em "Garota do Momento", a melhor trama atual e repleta de deliciosos conflitos, há apenas Bete Mendes (75 anos) --- e tem sido uma alegria vê-la de volta à tevê ---, Solange Couto (68 anos) e Lilia Cabral (67 anos). Em "Volta por Cima", há somente Tonico Pereira (76 anos). Já no fracasso "Mania de Você", a única atriz é Eliane Giardini (72 anos) e em uma figuração de luxo. Berta é uma personagem colocada como idiota e mal aparece. O outro ator era José Augusto Branco (82 anos), afastado dos folhetins há sete anos, e que acabou descartado de uma forma muito desrespeitosa da história. Seu papel nem desfecho teve. Apenas falaram que ele tinha morrido e pronto. Jussara Freire (72 anos) teve uma breve aparição como a freira Mércia e tinha tudo para se destacar, mas a personagem ficou menos de três capítulos na trama. 

Porém, enquanto são preteridos na televisão, os veteranos vêm lotando espetáculos por todo o Brasil. Vários estão produzindo e protagonizando peças que vêm sendo um sucesso de público. Vale lembrar que Fernanda Montenegro, aos 94 anos, foi ovacionada nas sessões de leitura da obra "A Cerimônia do Adeus", de Simone de Beauvoir, e fez até uma apresentação gratuita no parque Ibirapuera, em São Paulo, com mais de 15 mil presentes. O grande Othon Bastos está brilhando com o monólogo "Não Me Entrego, Não!" no alto de seus 91 anos, enquanto Nathalia Timberg, aos 95 anos, tem encantado o público com a peça "A Mulher da Van". E o que dizer da genial Ana Lucia Torre? A atriz, que teve seu maior trabalho na tevê visto até semana retrasada na reprise de "Alma Gêmea", está com o espetáculo "Shakespeare Apaixonado" ao lado de Rodrigo Simas e Carla Salle. Já Antônio Fagundes está com a peça "Dois de Nós" ao lado de Christiane Torloni, Thiago Fragoso e Alexandra Martins. Vale citar ainda Paulo Betti, aos 71 anos, que encena há nove anos o espetáculo "Autobiografia Autorizada", no qual narra a própria trajetória. E Irene Ravache, aos 80 anos, vem sendo aclamada em sua peça "Alma Despejada". Ainda é preciso mencionar Nivea Maria, aos 77 anos, que se destaca protagonizando a peça "Norma", ao lado de Daniel Rocha. 

É preciso, entretanto, fazer dois adendos importantes. Fernanda Montenegro optou por ser afastar da novelas e Ana Lucia Torre foi convidada por Walcyr para estar em "Êta Mundo Melhor", continuação de "Êta Mundo Bom!", prevista para ano que vem, e recusou por conta de sua peça. Já os demais vêm sendo ignorados, de fato, para as novelas. E, além do etarismo, há a questão financeira. A Globo não quer mais pagar altos salários e, como os veteranos valem muito mais por razões óbvias, a emissora prefere pagar menos para atores mais jovens e menos conhecidos. Só que esse corte de custos, visto também na quantidade muito menor de cenários e uma diminuição perceptível de gravações em externas, afeta drasticamente a qualidade das produções. Não é à toa que a audiência anda em baixa. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa é uma questão muito complexa. Todos sabemos que as telenovelas atingiram seu apogeu em meados dos anos 80 e que hoje vem sofrendo um declínio acentuado na sua audiência e repercussão. Os tempos são outros. Produzir uma telenovela tem um alto custo. Não dá mais pra ter um banco de elenco fixos e muito menos uma folha de pagamento muito elevada. A telenovela não dá mais um retorno financeiro como outrora e isso tem-se refletido na sua qualidade. Um outro ponto importante é que não são todos os atores idosos que aguentam um ritmo frenético de gravações ao ponto de pegarem personagens que demandam um grande volume de cenas diárias, internas e principalmente externas. Não são apenas nossos atores e atrizes que estão envelhecendo. Tudo envelheceu, os grandes autores envelheceram e estão aposentados, assim como os diretores e produtores do passado. Até mesmo o velho público noveleiro envelheceu. Está aí uma nova geração, de gente jovem, que tem outros interesses e uma nova forma de consumir entretenimento. Não acredito que seja apenas uma questão de etarismo. A coisa é complexa e desafiadora a todos que trabalham fazendo arte.