segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Manuela Dias repete o erro de "Amor de Mãe" em "Vale Tudo"

 O remake de "Vale Tudo" está a dois meses de seu fim. A adaptação do fenômeno de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Brassères reagiu na audiência nas últimas semanas graças aos embates que fizeram sucesso em 1988. Não por acaso, quando a produção mantém as cenas das viradas muito bem construídas pelos autores há 37 anos, há uma resposta nos números. No entanto, tudo o que foi muito bem estruturado no passado vem sendo aniquilado com desdobramentos rasos e eliminação de cenas ou situações fundamentais para uma boa narrativa. 


A mais recente e que vem sendo explorada nos capítulos é a derrocada de Raquel (Taís Araújo). É importante um adendo antes da análise sobre a virada que Odete Roitman (Debora Bloch) provoca na vida da protagonista. Em 1988, a personagem triunfa com o sucesso de seu restaurante e vira uma empresária milionária. A sua trajetória prova que é possível ser bem-sucedido sendo honesto no Brasil, a grande premissa do roteiro. E não retorna para a vida humilde que tinha, até porque não havia possibilidade diante da sua situação financeira. 

Agora, em 2025, nunca pareceu que Raquel ficou rica. Ainda que tenha mudado de roupa, o seu padrão de vida não sofreu alteração. Não comprou carro, apartamento, nada. Uma situação bem parecida com a da família Leonel em "No Rancho Fundo", folhetim das seis de Mário Teixeira, onde todos descobriam uma mina de turmalina paraíba, mas mantinham os costumes de sempre por puro comodismo da narrativa e romantização da pobreza.

E a maior prova sobre a controversa situação financeira de Raquel foi o fato da empresária não ter conseguido R$115.000,00 para pagar a fiança de Ivan (Renato Góes), que foi preso por conta de uma armação estapafúrdia de Odete (flagrante de suborno armado não tem valor legal).  

Mas, após o breve preâmbulo e voltando ao assunto principal desta crítica, teoricamente a protagonista estava muito bem de vida por conta de seu bom trabalho com Poliana (Matheus Nachtergaele). Só que Odete descobriu, graças a Maria de Fátima (Bella Campos), que Celina (Malu Galli) era a sócia misteriosa de sua inimiga e a obrigou a lhe vender seus 65% das ações a preço de banana, utilizando Heleninha (Paolla Oliveira) como elemento de chantagem. E logo depois foi até o escritório de Raquel, anunciou que fechou a empresa e deixou várias dívidas para a rival pagar. Tudo bem que qualquer folhetim tem a sua licença poética, mas há um certo limite. Pobreza de roteiro não pode ser justificada como 'fantasia'. Toda essa situação tratou o público como idiota. Nada daquilo pode ser feito no mundo real. Nenhum acionista majoritário pode acabar com as atividades de uma empresa sem a anuência de todos os sócios minoritários, até porque todos herdam as dívidas quando o contrato é encerrado. Raquel teria que concordar. E ainda assim, mesmo diante de todo o contexto surreal, a personagem não acumulou renda durante o período de sucesso de seu negócio? Não há reservas? Porque no capítulo desta segunda-feira Raquel já voltou a vender sanduíche na praia para sobreviver. O mais inacreditável é que essa situação não vai durar nem uma semana porque a mãe de Maria de Fátima vai recuperar a empresa. Ou seja, foi criada uma falsa virada apenas para causar uma humilhação gratuita e que em nada acrescentou ao roteiro. Nada disso acontece na versão de 1988, mas é sempre importante  ressaltar que ninguém aqui está exigindo uma cópia da original, até porque quem acompanha o blog sabe bem das muitas críticas aos remakes de Bruno Luperi, responsável por "Pantanal" e "Renascer". Mas se a autora quer inserir novos conflitos que o faça com uma mínima estruturação e verossimilhança. 

Manuela Dias repete o mesmo erro que cometeu na controversa "Amor de Mãe", seu primeiro folhetim, exibido em 2019, interrompido pela pandemia em 2020 e finalizado em 2021. O irônico é que o caso aconteceu com outra protagonista interpretada por Taís Araújo, a advogada Vitória, uma personagem que perdeu toda a relevância durante a trama graças aos conflitos mal estruturados e pouco empolgantes. A personagem era uma referência na profissão e sabia diferenciar o seu lado profissional do pessoal. Aparentemente fria, sonhava em ser mãe. Defensora de um dos empresários mais corruptos do país, nunca sentiu peso na consciência porque era apenas seu trabalho. Mas tudo começou a mudar quando adotou uma criança e ainda engravidou acidentalmente. Todas essas características faziam do perfil um dos mais promissores do enredo. Mas tudo foi por água abaixo quando a autora inventou uma ruína financeira para forçar uma virada nada convincente. 

Vitória cansou de passar por cima de seus princípios para advogar para Álvaro (Irandhir Santos) e decidiu romper o contrato, pagando uma multa milionária, o que resultou em uma reviravolta que afetou drasticamente a imagem da personagem. Aquela profissional inteligente, empoderada e cheia de atitude morreu. Ela resolveu ajudar o ex, Davi (Vladimir Brichta), contra seu antigo cliente e em nenhum momento achou que havia o risco de ser flagrada. A situação resultou em um desvio de ética que ocasionou a cassação de seu registro profissional e ainda culminou na influência do empresário para nenhum outro cliente poderoso a contratar.  E para expor a derrocada financeira da personagem, a venda do apartamento de luxo de Vitória --- na zona sul do Rio de Janeiro --- foi exibida, assim como sua mudança para o subúrbio. Para sobreviver, a ex-poderosa mulher ainda virou costureira e colou anúncios em postes para contratarem seus serviços.

O questionamento que é feito sobre Raquel agora também virou uma pergunta pertinente sobre Vitória na época. Como uma advogada tão bem-sucedida acumulou apenas um bem ao longo de toda a carreira? Alguém já viu advogado de corrupto sem uma avalanche de reservas financeiras? Para aquela derrocada acontecer a autora precisou fazer uma manobra repleta de absurdos, o que subestimou o público e tirou todo o brilho da personagem, que foi ofuscada pela Lurdes (Regina Casé) ---- a novela toda acabou engolida pela matriarca interpretada pela Regina Casé, tanto que quase todos os demais dramas sequer são lembrados atualmente. 

A saga de toda protagonista é sempre recheada de obstáculos e muitas quedas para que cada volta por cima seja dada de forma catártica. É a essência de um bom melodrama. Mas tudo precisa ser feito de uma forma minimamente crível para que o telespectador sinta empatia por aquela mulher, caso contrário fica impossível um envolvimento com a história e os questionamentos do público sobre as conveniências de roteiro esmagam toda a dramaticidade desejada por quem escreve. É uma pena que Manuela Dias tenha repetido um dos maiores equívocos de "Amor de Mãe" em "Vale Tudo" e justamente com duas protagonistas defendidas tão brilhantemente pela talentosa Taís Araújo. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Outra coisa que pra mim fez a Vitória perder a relevância em Amor de Mãe foi que o enredo dela foi resolvido muito rapidamente, além dela ter adotado uma criança e engravidado acidentalmente, ali pelo capítulo 50 descobre-se que ela tinha tido um filho e deu esse filho quando nasceu pra ser vendido, porque ia atrapalhar a carreira dela criar uma criança e logo que a gente descobre isso, logo depois já descobre que é o Sandro que até aquele momento era o falso filho da Lurdes, enfim ele fica puto, revoltado, tanto Humberto Carrão, quanto Tais Araújo fizeram uma das melhores cenas da carreira deles, mas passa uns 20 capítulos ele perdoa ela, aí os 2 perderam a relevância, eu achava que o Sandro seria o personagem da carreira do Humberto Carrão e até ali pra mim foi, mas antes da pandemia a história dos 2 estava resolvida, da família toda, o Murilo Benicio também estava no balaio, também ficou apagado depois disso.

Anônimo disse...

Sobre Amor de Mãe não assisti, mas concordo muito com o que foi abordado no texto.Não faz muito sentido a Maria de Fátima pedir ajuda pra Raquel e ela ter perdido tudo, e ainda que não tivesse, ela não conseguiu nem mesmo ter sua casa.