A atual novela das seis da Globo estreou no dia 30 de junho, ou seja, está há quase três meses no ar. Escrita por Walcyr Carrasco e Mauro Wilson, "Êta Mundo Melhor" vem fazendo a alegria da Globo no quesito audiência. A trama já supera a anterior, "Garota do Momento", e vem obtendo índices que a faixa não via desde "Mar do Sertão". No entanto, nas redes sociais a repercussão é bastante tímida e nem se compara ao folhetim que a antecedeu. Entre os motivos para a falta de engajamento do público estão a falta de acontecimentos na história e outro ponto que está cada dia mais evidente: não parece uma continuação e nem algo inédito.
"Êta Mundo Melhor!" é a continuação de "Êta Mundo Bom!", fenômeno das seis, exibido em 2016, e que repetiu o sucesso quando reprisado, em 2020, no período da pandemia da covid-19. Amauri Soares, atual todo poderoso do setor de teledramaturgia da Globo, pediu para Walcyr criar uma continuação do sucesso e assim foi feito. Porém, a obra original teve um final redondo e não houve qualquer brecha para um possível novo arco dramático, diferente do que aconteceu em "Alma Gêmea", um dos maiores êxitos da faixa das 18h, por exemplo, que terminou com Rafael (Du Moscovis) e Serena (Priscila Fantin) reencarnados e se reencontrando crianças.
A solução do autor para elaborar a continuação exigida pelo chefe foi reiniciar praticamente todas as histórias de "Êta Mundo Bom!". Só que para realizar a nova trama foi necessário ressuscitar um dos vilões, matar vários personagens da versão original e alterar a personalidade da maioria que voltou em "Êta Mundo Melhor!", além de retroceder todos os processos evolutivos de alguns perfis.
O pior é que muitas mortes não foram mostradas, como a de Anastácia (Eliane Giardini), o que prejudicou o impacto das cenas. Candinho (Sérgio Guizé) nem sofreu pela morte da mãe que tanto procurou no enredo de 2016. Até o falecimento de Maria (Bianca Bin), que foi atropelada, não teve qualquer relevância diante da rapidez dos acontecimentos. E tudo aconteceu para iniciar novos dramas que na verdade são bem velhos.Agora, o protagonista tem a missão de achar o filho que foi sequestrado por Ernesto (Eriberto Leão). Na história passada, seu objetivo era encontrar a mãe. E é o único conflito que desperta alguma expectativa em quem assiste diante da possibilidade do reencontro. É um clichê irresistível. No entanto, apesar da repetição do 'plot', é preciso elogiar a construção do amor de Candinho e Dita (Jeniffer Nascimento). A personagem era uma coadjuvante do núcleo cômico da novela original e agora foi colocada como mocinha. Uma posição que a atriz merecia há muitos anos, desde sua estreia na bem-sucedida "Malhação Sonhos", em 2014. Jeniffer está impecável e tem química com Guizé. Aliás, a trajetória de Dita é a única realmente nova na história e não por acaso a mais atrativa. Dá gosto vê-la fazendo sucesso como cantora de rádio e lutando pelos seus sonhos. É um arco clássico de gata borralheira.
Mas nos demais núcleos tudo parece um dejà-vu. O drama que envolve Estela (Larissa Manoela) é praticamente o mesmo da Maria, tanto que o autor precisou retroceder toda a evolução de Celso (Rainer Cadete) para colocá-la como responsável pela sua segunda futura redenção. Afinal, ele se apaixonou pela enfermeira, mas foi o responsável pelo sumiço do filho de Candinho e faz de tudo para manter o menino afastado. Estela foi abusada por Ernesto no passado e tudo indica que tiveram uma filha, no caso Anabela (Isabelly Carvalho), que acredita que Estela é sua irmã. A personagem é um poço de retidão e também se encantou por Celso. Mas é impossível torcer pelos dois diante da involução do personagem, que ainda desvia dinheiro da fábrica do protagonista. Por sinal, o crime expõe outro arco que retroagiu.
A fábrica de sabonetes deixou de existir (por causa de "Garota do Momento", que tinha a Perfumaria Carioca) e agora é de biscoitos. Celso rouba Candinho com a ajuda de Araújo (Flávio Tolezani), personagem que praticava o mesmo delito na novela anterior. A desculpa para seu malfeito era o custo do tratamento do filho paraplégico. Tanto que o sujeito acabou se redimindo no final e graças ao romance com Olga (Maria Carol Rebello), que cuidava do menino e sempre dava bons conselhos a ele. Só que agora quem o aconselha a voltar a roubar é justamente ela e mais uma vez com a justificativa de custear os medicamentos do menino, que na trama nem aparece mais. É a mesma história sendo recontada e com os mesmos personagens.
Outro enredo que se repete é o do Lauro (Marcelo Argenta). O médico é gay e não se assume por se tratar de uma obra ambientada nos anos de 1950. Em "Êta Mundo Bom!", o personagem fingiu um romance com Emma (Maria Zilda Bethlem) para acabar com as desconfianças a respeito de sua sexualidade. Só que Emma acabou se apaixonando de verdade por ele, enquanto Lauro se encantou por Tobias (Cleiton Morais), um funcionário da namorada de fachada. No final da trama, os dois iniciaram um romance às escondidas e houve até um selinho no último capítulo. Agora, Lauro volta a fingir que está namorando e a escolhida é Sônia (Paula Burlamaqui), mulher recém-separada e que também se apaixona por ele. Já Tobias mal aparece. Novamente, o mesmo ciclo é reiniciado. Nem deu para entender o motivo da volta desses personagens se o objetivo era zerar tudo o que aconteceu. Deveria mostrar a evolução da relação deles, ainda que de forma sigilosa por conta da época.
Já o núcleo da fazenda de Quinzinho (Ary Fontoura) e Cunegundes (Elizabeth Savalla) ficou avulso na história, uma vez que Candinho não mora mais com eles por estar rico. A solução é colocá-los protagonizando esquetes a cada semana. A novidade é a existência de esmeraldas nas terras, mas o desdobramento disso também é fruto de outro retrocesso, uma vez que o protagonista adquiriu a fazenda na novela anterior e agora a compra foi anulada porque inventaram que o negócio foi realizado sem documentação. Vale destacar também que o enredo de Zé dos Porcos (Anderson Di Rizzi) é mais um que se repete. Só que agora sem Mafalda (Camila Queiroz) e com Maria Divina (Castorine), que sonha em conhecer o 'cegonho'. As conversas da personagem com Medéia (Betty Gofman) sobre o órgão sexual são idênticas aos diálogos protagonizados por Mafalda e Eponina (Rosi Campos).
Mais uma repetição é vista na figura do professor Asdrúbal (Luiz Miranda). Assim como Pancrácio (Marco Nanini), o amigo de Candinho tem várias fantasias para ajudar na investigação do paradeiro do filho do protagonista. Só que Pancrácio era um sujeito que vivia com muitas dificuldades financeiras e usava os personagens que criava para pedir esmolas. Ou seja, unia o útil ao agradável. Asdrúbal é um homem elegante e bem-sucedido. Não há qualquer motivo para se vestir de mulher para fazer suas investigações. É apenas o artifício da obra anterior sendo repetido sem necessidade.
Além da saga da Dita, outra rara novidade da novela é o orfanato clandestino de Zulma (Heloísa Périssé). O núcleo, repleto de crianças, desperta atenção e a atriz tem uma deliciosa sintonia com Evelyn Castro, que interpreta Zenaide. E a vilã vem apresentando um interessante arco de redenção. No entanto, sua tentativa para dar um golpe do baú em Candinho é a mesma coisa que Sandra fez em 2016. Só falta a personagem conseguir armar um casamento com o protagonista e ser desmascarada em plena igreja, da mesma forma como aconteceu com o papel de Flávia Alessandra há nove anos.
"Êta Mundo Melhor!", dirigida com competência por Amora Mautner, não é uma novela ruim. Longe disso. Até porque qualquer produção das seis com o DNA do Walcyr costuma ser infalível. Ainda que o autor não escreva mais o folhetim (ele saiu no capítulo 30 para se dedicar aos trabalhos da sua próxima trama das nove, prevista para 2026), a história tem a sua essência e Mauro Wilson vem desenvolvendo com muita similaridade. Só que o enredo não apresenta muitos acontecimentos e a maioria do que é exibido o público já viu na obra de 2016 e que foi reprisada há apenas cinco anos. O que se constata que é a atual trama não é uma continuação e, sim, um remake de "Êta Mundo Bom!".
Um comentário:
Pessoalmente, eu acho que tanto as continuações quanto os remakes exigem
talento extra de quem faz o trabalho. Sem ele - em minha opinião, o risco de criar uma obra inferior à original ou totalmente dissociada dela é grande.
Beijão
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