quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Gilberto Braga era o mestre das vilãs

 Em um ano de grandes perdas, mais uma partida provoca um baque no público: Gilberto Braga. O grande autor faleceu na noite desta terça-feira, aos 75 anos. O carioca estava internado no Copa Star, no Rio de Janeiro, e passou a enfrentar, nos últimos dias, uma infecção sistêmica a partir de uma perfuração no esôfago. Acabou não resistindo. Ele faria aniversário no dia 1º de novembro e era casado com o decorador Edgar Moura Brasil. 


Gilberto foi o primeiro autor brasileiro formado exclusivamente para a televisão. Nunca escreveu nada para o teatro e nunca trabalhou em outra emissora além da Globo. Cursou a faculdade de Letras da PUC- Rio, depois foi professor de francês na Aliança Francesa e em seguida ingressou no jornal O Globo como crítico de teatro e cinema. Estreou como autor televisivo em 1973, quando assinou dois casos especiais: "As Praias Desertas" e "Feliz na Ilusão". Em 1974, assinou em parceria com Janete Clair e Lauro César Muniz a novela "Corrida do Ouro". Acabou não aguentando o ritmo da televisão e pediu afastamento. Mas seu amor pela escrita o fez voltar rapidamente e voltou a trabalhar com Laura colaborando em "Escalada", de 1975. 

Durante a década de 70, foi o responsável por elogiadas adaptações literárias, como "Helena", de Machado de Assis, "Senhora", de José de Alencar", e a novela que firmaria o início de sua carreira vitoriosa: "Escrava Isaura" (1976), baseada no romance homônimo de Bernardo Guimarães, que virou uma das produções mais vendidas para o exterior.

Em 1977, assumiu como autor principal e obteve sucesso com "Dona Xepa". No ano seguinte, embalado em uma boa fase, escreveu "Dancin` Days" e marcou época com a trama protagonizada por Sônia Braga. Como esquecer a trilha sonora tão emblemática e as vestimentas das personagens que lançaram moda? 

O autor também fez minisséries que entraram para a história da teledramaturgia, como "Anos Dourados", de 1986 ----- o casal formado por Malu Mader e Felipe Camargo (Lurdinha e Marcos) é até hoje lembrado ----; "O Primo Basílio" ---- Giulia Gam brilhou como Luísa e Marília Pêra deu um show na pele da cruel empregada Juliana ---- , de 1988; "Anos Rebeldes" ---- inspirada em "1968 - O ano que não terminou" e "Os Carbonários" ----, de 1992; e "Labirinto", de 1996. Já voltando aos folhetins, Gilberto também escreveu "Água Viva" (1980); "Brilhante" (1981); e "Louco Amor" (1983). Já em 1988 foi o ano de sua consagração definitiva. Graças ao estrondoso sucesso de "Vale Tudo", uma das melhores novelas já produzidas, escrita em parceria com Aguinaldo Silva e Leonor Brasséres. 

"Vale Tudo" foi um divisor de águas até mesmo para a teledramaturgia. A trama sobre a corrupção e a desonestidade de parte dos brasileiros segue atual e nunca mais foi esquecida, até mesmo por quem não vê muita novela. Foi na trama que Gilberto também mostrou como era bom em criar vilãs. Claro que os dois colegas merecem dividir os louros do sucesso, mas a sarcástica Odete Roitmann (Beatriz Segall) tinha o DNA de Giba. Todas as frases, planos, deboches, enfim, tudo que saía daquela perua esnobe e classista fazia parte do universo vilanesco que se transformaria na marca do autor. Na mesma história ainda tinha outra víbora igualmente inesquecível e odiável: Maria de Fátima (Gloria Pires). As duas entraram para a lista de vilãs memoráveis com mérito de sobra. Ainda teve o corrupto Marco Aurélio (Reginaldo Faria), que protagonizou uma das sequências mais lembradas no final, quando fugiu de avião dando uma banana para o Brasil.

A habilidade do autor com vilões era tanta que conseguiu criar uma novela onde o vilão era o protagonista. Foi o caso de "O Dono do Mundo", em 1991, protagonizada por Antônio Fagundes. A trama foi um fracasso e sofreu forte rejeição, mas a ousadia foi válida. Em 1999, o autor escreveu "Força de um Desejo", em parceria com Alcides Nogueira. Um novelão da melhor qualidade e que engrandeceu o horário das seis. Caberia na faixa das nove tranquilamente. A trama era densa, de intensa carga dramática, e também enfrentou problemas com a audiência. Mas era um primor. Novamente uma vilã roubou a cena: a diabólica Idalina, vivida pela grande Nathalia Timberg. Já em 2003, Giba voltou ao horário nobre e sentiu outra vez o gostinho do sucesso com "Celebridade". Protagonizada por Malu Mader e Cláudia Abreu, a rivalidade entre Maria Clara Diniz e Laura Prudente da Costa era o ponto alto do enredo. A surra que a mocinha deu na vilã foi a melhor já feita na teledramaturgia. De lavar a alma. E Cláudia Abreu entrou para a galeria de vilãs memoráveis com sua personagem. 

"Paraíso Tropical, em 2007, foi a primeira e única bem-sucedida parceria entre Gilberto e Ricardo Linhares. Atualmente reprisada no Canal Viva, a novela fracassou com os mocinhos, mas essa nunca foi uma habilidade de Giba. Aliás, sempre foi seu ponto fraco. Foram raros os protagonistas que emplacaram. Mas o autor criou uma leva de vilões adoráveis, como Olavo (Wagner Moura), Bebel (Camila Pitanga), Taís (Alessandra Negrini) e Marion (Vera Holtz), além de ter construído um tipo dúbio com maestria: Antenor Cavalcante (Tony Ramos). A trama teve uma estrutura invejável. Os núcleos tinham ciclos de destaque e todos os personagens apresentavam algum momento de protagonismo. Personagens entravam e saíam quando perdiam a função. Tem sido um prazer rever a história. Curiosamente, a morte do escritor veio no dia seguinte da reexibição de uma das cenas mais queridas pelo público: quando Bebel diz para Olavo: "Que boa ideia este casamento primaveril em pleno outono". Uma forma irônica de despedida do destino. 

As outras parcerias de Gilberto com Ricardo infelizmente não funcionaram. "Insensato Coração", de 2011, foi um grande equívoco e pouco se salvou do roteiro. Norma (Gloria Pires) e Tia Neném (Ana Lucia Torre) foram algumas das poucas personagens que abrilhantaram o roteiro, que se mostrou cansativo e sem grandes acontecimentos. Em 2012, o escritor supervisionou "Lado a Lado", uma produção de encher os olhos criada por João Ximenes Braga e Claudia Lage. Já em 2015, Giba escreveu sua última novela ao lado do parceiro Ricardo e também de João Ximenes: "Babilônia". O maior fracasso da história do horário nobre. Muito se fala sobre a rejeição da história ter se dado por conta do casal formado por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, mas a verdade é que a história era ruim e mal desenvolvida. Uma pena Gilberto ter encerrado sua carreira desta forma. O autor preparava um folhetim para a faixa das seis chamado "Feira de Vaidades" e já tinha 40 capítulos prontos. Mas a nova direção da Globo cancelou o projeto. Um desrespeito com o escritor que partiu sem ter a chance de ao menos apresentar um trabalho bom e assim fechar seu ciclo dignamente. 

Gilberto Braga foi um dos mais respeitados novelistas nacionais. Perde uma parte da teledramaturgia com sua partida. Ao menos as obras ficam para sempre homenageá-lo e matar as saudades do público.

9 comentários:

chica disse...

Que grande perda essa e deixou uma vasto arquivo de suas obras.
Que coisa essa perfuração do esôfago. Como será aconteceu? Fazendo exames?

Que descanse em paz! abraços.chica

Unknown disse...

Espero que bum dia retomem Feira das Vaidades com Denise Bandeira e Maria Elisa Berredo como uma forma de homenagem ao Gilberto

Arthur Barbosa disse...

A Globo só está perdendo gente fina. Fica o legado!

Ane disse...

Muito triste, mais um talento que foi embora.A globo tá perdendo muito!

Ane/ De outro mundo.
🌹

Anônimo disse...

Era meu autor de novelas favorito, amo o texto afiado e debochado dele, sempre funcionava muito bem com os vilões de suas tramas, Laura pra mim é uma das melhores vilãs da nossa dramaturgia, esperta, sagaz, soube passar a perna em todo mundo, uma vilã densa com uma motivação valida, Laura cachorra >>>>> Maria Clara.
Estou revendo Paraíso Tropical no viva e que novela ótima, pq a Globo não a reprisou no lugar daquela bomba de Império?

Uma pena a globo ter atrapalhado Feira de Vaidades, tenho certeza que seria a volta por cima do Giba, espero que voltem atrás e coloquem um outro autor para finalizar essa novela e a produzam como uma homenagem a um dos autores mais importantes da nossa dramaturgia (acho que o JEC, se ficasse fiel ao que o Giba escreveu, talvez desse conta do recado, pq pra mim, é bem claro que o JEC se inspira muito no Giba).

Anônimo disse...

Gilberto Braga foi um grande autor de novelas e minisséries, e seu respeitado legado merece sempre ser lembrado. Que descanse em paz e Deus conforte o coração dos familiares, principalmente o de Edgar Moura Brasil.

Guilherme

Jovem Jornalista disse...

Uma perda e tanto. Fará muita falta.

Boa semana!


Jovem Jornalista
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Até mais, Emerson Garcia

LUIZ CLAUDIO disse...

As novelas do Gilberto Braga pra mim são a cara dos glamourosos anos 80, pra mim a ultima novela dele que tinha essa "cara" foi O Dono do Mundo por ser do começo dos 90 e ainda ter aquela vibe oitentista das tramas dele. Cresci assistindo Brilhante, Louco Amor, Corpo a Corpo, a inigualável e maravilhosa VALE TUDO e a ultima que gostei foi ODDM mesmo. Pátria Minha achei péssima e as seguintes nem comento. Não é culpa dele mas o perfil dos atores e atrizes dos anos 2000 não combinam com as tramas luxuosas dele. Minha opinião!

Unknown disse...

E tem ainda a novela Intolerância