Fique em paz, Flávio Migliaccio!

Em meio ao colapso mundial provocado pelo coronavírus, mais uma notícia triste para os brasileiros: a morte de Flávio Migliaccio, aos 85 anos. O corpo do ator foi encontrado em seu sítio em Rio Bonito na manhã desta segunda-feira. O veterano se suicidou e deixou uma carta de despedida para familiares e amigos. Um soco no estômago de qualquer um durante um período tão turbulento. O mundo das artes cênicas, já bastante ferido pela crise atual, sofre um novo baque. O intérprete era um dos mais respeitados e queridos do meio.

Flávio Gomes Migliaccio nasceu em São Paulo, no bairro do Brás, e tinha 17 irmãos, entre eles Dirce Migliaccio, talentosa atriz conhecida como a Judiceia Cajazeira ("O Bem Amado") e como a Emília, do "Sítio do Pica-pau Amarelo". O ator chegou a trabalhar como balconista e mecânico até ingressar no mundo das artes no teatro Arena, onde iniciou sua carreira profissional. Seu primeiro papel teatral foi o de um cadáver em "Julgue Você". Aos 25 anos estreou no cinema em "O Grande Momento", de Roberto Santos. Já seu início na televisão foi no "Grande Teatro Tupi", em 1958, na extinta TV Tupi.

Em 1972, o ator viveu um de seus maiores momentos na carreira como o carismático Xerife, em "Shazan, Xerife & Cia", onde fez uma dupla até hoje lembrada ao lado do grande Paulo José.
A série, vale lembrar, foi criada em virtude do imenso sucesso que os personagens fizeram na novela "O Primeiro Amor", de Walter Negrão", em 1971. A dupla roubou a cena e ganhou uma produção própria em uma época onde o famigerado "Spin-off" não era comum.

Após o sucesso como Xerife, o intérprete virou figura cativa na Globo e emendou um trabalho no outro: "Corrida do Ouro" (1975), "O Grito" (1976), "Duas Vidas" (1977), "O Casarão" (1978), "O Astro" (1977), "Pai Herói" (1979), "Chega Mais" (1980), "Viva o Gordo" (1981), "Chico Anysio Show" (1982) e "Parabéns pra você" (1983) foram outras produções que contaram com seu talento. Também abrilhantou o elenco de "O Salvador da Pátria" (1989), "O Sorriso do Lagarto" (1991) e "Perigosas Peruas" (1992).

Figura querida de Silvio de Abreu, o ator estava presente em quase todas as novelas do autor. Vide "Rainha da Sucata" (1990), "A Próxima Vítima" (1995), "Torre de Babel" (1998), "As Filhas da Mãe" (2001)  e Passione" (2010). Mas um de seus momentos mais marcante foi em um folhetim de Aguinaldo Silva. Flávio emocionou e divertiu na pele do amargurado Seu Jacques, um idoso que não conseguia de jeito nenhum retirar a sua aposentadoria em "Senhora do Destino" (2004). Aliás, o intérprete ficou marcado pelos velhinhos rabugentos. Um esteriótipo que não o incomodava. Estava feliz trabalhando.

O ator viu sua popularidade crescer durante o período de exibição de "Tapas & Beijos", série de sucesso que ficou no ar entre 2011 e 2015. Protagonizava momentos impagáveis na pele do malandro Seu Chalita. Em 2016, voltou aos folhetins em "Êta Mundo Bom!",  quando viveu o tímido Dr. Josias e formou um lindo casal com Suely Franco no sucesso de Walcyr Carrasco, atualmente reprisado no "Vale a Pena Ver de Novo". E o último papel de Flávio na televisão foi em "Órfãos da Terra", de 2019, onde deu vida ao mal-humorado Seu Mamede. O personagem era um dos poucos acertos da trama de Duca Rachid e Thelma Guedes. O ator emocionou na reta final quando Mamede começou a sofrer as consequências do Mal de Alzheimer. Sua parceria com Osmar Prado foi brilhante.

O falecimento de Flávio Migliaccio é mais uma triste perda. E a carta de despedida do ator (que não será postada aqui por representar um gatilho perigoso) dilacera quem lê. Estava cansado da crueldade do ser humano. Mais um doloroso momento para os brasileiros apaixonados por cultura. Foram quase 60 anos de televisão. Vá em paz, Flávio. Fique em paz!