Em apenas um capítulo, "Malhação - Viva a Diferença" explora o racismo com bastante habilidade

A atual temporada de "Malhação" tem se superado a cada momento. Após a sequência da festa da Lica (Manoela Aliperti), retratando a adolescência com total realismo através de uma confraternização repleta de álcool, drogas e irresponsabilidade, a trama de Cao Hamburger --- dirigida por Paulo Silvestrini --- apresentou em um único capítulo uma sucessão de situações racistas. E o autor conduziu tudo habilmente, provocando uma imediata reflexão.

Durante a festa da filha de Edgar (Marcello Antony), Fio (Lucas Penteado) viu um sujeito furtando um objeto do apartamento de Lica e foi atrás para impedir. Porém, acabou pego por dois seguranças do condomínio. A continuação do momento foi ao ar através de flashback, logo depois do rapaz ter voltado para casa chorando, no dia seguinte, sendo consolado por Ellen (Heslaine Vieira) e sua mãe. Os homens humilharam o menino simplesmente porque ele é negro e pobre. Também não acreditaram que era um convidado da festa. Fio acabou conseguindo escapar em um instante de distração. Mas, já na rua, acabou parado pela polícia, que desconfiou do fato dele estar correndo. Até ser finalmente liberado.

O contexto não foi gratuito, pois estava diretamente ligado aos outros acontecimentos da festa, e expôs uma situação ainda muito comum. Vale destacar o diálogo de Fio com Ellen e familiares: "Você só passou por isso porque é preto, Fio!" "É, mas não tem como mudar a etnia, nem a cor da pele!" "Não, mas tem como lutar para acabar com isso!"
"O Brasil é racista, minha filha. Podem até dizer o contrário, mas isso sempre foi assim." "Se foi vai ter que acabar!" "Se todo mundo que for vítima de racismo ir na delegacia e denunciar, isso vai acabar. Tem que acabar!".

A conversa durou cerca de três minutos e teve uma importância enorme. A temporada vem abordando vários temas relevantes, mesclando informação e entretenimento com precisão. O racismo é só um deles. Mas é preciso ainda mencionar todos os outros conflitos do capítulo que também acabaram voltados para o preconceito, ainda que de uma forma não tão explícita. Como, por exemplo, a cena em que Mitsuko (Lina Agifu) obriga Tina (Ana Hikari) a viajar para o Japão, após flagrar a filha no quarto com Anderson (Juan Paiva). A mãe nunca escondeu seu horror ao namorado negro da menina e esse flagrante foi o a gota que faltava para transbordar seu copo. Vale citar, ainda, o momento em que o rapaz vai até o restaurante de Noboru (Carlos Takeshi), conversar com o sogro, e acaba sendo expulso pela sogra, que até chamou a polícia.

Outra situação que merece ser citada, também tendo o racismo como foco, foi o desespero de Nena (Roberta Santiago) ao saber que Anderson era conhecido do traficante que esteve na festa da Lica, sendo o responsável indireto pela overdose da menina. Mesmo tranquilizada pelo rapaz, a mãe ficou em pânico com a possibilidade dele ser preso, pois sabe que dificilmente conseguiria provar a inocência caso acontecesse. Afinal, o filho é negro e o traficante branco. Isso não foi falado, mas ficou implícito na cena. Destaque para Roberta, Juan e Heslaine, que emocionaram. Aliás, todos os atores precisam ser elogiados. Lucas Penteado, Ju Colombo (Das Dores), Lina Agifu, enfim.

"Malhação - Viva a Diferença" tem se mostrado uma produção de tanta qualidade que algumas vezes é preciso escrever um texto seguido do outro. Principalmente quando tantos temas importantes são abordados em apenas dois capítulos e de forma tão hábil, priorizando vários conflitos verossímeis e dolorosos.