quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Daniel Ortiz destruiu o arco de Lupita em "Família é Tudo"

 A menos de duas semanas de seu fim, "Família é Tudo" ainda tem para concluir a vingança de Electra (Juliana Paiva) contra Jéssica (Rafa Kalimann), o mistério em torno da troca de identidade entre as gêmeas Frida e Catarina (Arlete Salles), a descoberta da vilanias de Hans (Raphael Logam) e a reconciliação de Tom (Renato Góes) e Vênus (Nathalia Dill). Uma boa quantidade de conflitos. Mas Daniel Ortiz acha que ainda tem tempo para estender o triângulo amoroso formado por Lupita (Daphne Bozaski), Júpiter (Thiago Martins) e Guto (Daniel Rangel). 


A obsessão do autor em triângulos é observada em todas as suas novelas, mas na atual houve o cúmulo do exagero. Praticamente todos os personagens viveram dilemas amorosos que nada acrescentaram ao roteiro e só serviram para demonstrar a fragilidade da história. Ao invés de focar na promissora trama envolvendo a missão dos netos em busca da herança da avó, que não morreu e estava apenas tentando unir a família, Ortiz preferiu focar em idas e vindas de casais. Tantas situações repetidas só resultaram no esgotamento da paciência do público, ao mesmo tempo que enfraqueceram qualquer construção minimamente bem-sucedida, como é o caso do arco dramático de Lupita. 

Em meio a tantos triângulos equivocados, o protagonizado pela personagem, muito bem interpretada por Daphne Bozaski, era o único realmente estruturado. Isso porque Lupita sempre demonstrou um amor platônico por Júpiter, que nunca a viu como mulher. Enquanto sofria pelo seu amado, a mexicana mal sabia que era fruto de uma paixão à primeira vista.

Guto se encantou pela colega de trabalho assim que a viu. E todo o processo de aproximação entre Lupita e Júpiter foi feito com competência pelo autor, assim como a amizade cada vez mais forte entre a secretária e o estagiário da Mancini Music. Até mesmo a mudança do comportamento de Júpiter, graças ao convívio com Lupita, se mostrou crível. Tudo se encaminhava bem. 

O escritor também foi feliz no início do namoro de Lupita e Guto, após meses com o rapaz batendo na trave na hora da declaração. Depois que finalmente criou coragem e falou de seus sentimentos, Guto provocou a ira da então amiga, até que conseguiu uma chance e a relação foi iniciada. E ali houve uma virada de jogo para Júpiter, que passou a viver a realidade de um amor platônico, algo que Lupita sentia desde o início da novela. Porém, Ortiz começou a enfiar os pés pelas mãos quando inventou um motivo estúpido para separar Lupita de Guto. O estagiário achou que a namorada tinha um caso com Memo (Kayky Brito), um personagem que entrou na trama para apenas para arrancar dinheiro da garota. Um conflito repleto de absurdos envolvendo o sequestro dos avós de Lupita e totalmente dispensável. Guto sempre confiou cegamente nela e a desconfiança não fez sentido algum. Ainda mais para fazê-lo terminar a relação. Como Lupita nunca chegou a esquecer Júpiter, era muito mais condizente com o roteiro a própria ter acabado com o namoro. Mas o autor preferiu a solução mais sem sentido. Por conta do término, a personagem iniciou o romance com Júpiter, o que realizou seu sonho, antes inalcançável. 

O pior é que o romance não durou muito porque Chantal (Mila Carmo) armou um plano com Guto para testar a fidelidade de Júpiter e contratou uma garota, interpretada por Michelle Batista, para dar em cima dele. O neto de Frida ignorou a cantada, mas Lupita flagrou o momento em que o namorado se afastava da mulher e concluiu que tinham um caso. Pronto, foi o bastante para o namoro acabar. Ficou clara a criação de um conflito bobo apenas para preencher o tempo dos capítulos. Tanto que dias depois Lupita descobriu a verdade, se desculpou e ambos reataram. E enquanto o casal ficava entre idas e vindas, Ortiz juntou Guto e Mila (Ana Hikari), graças ao público que sempre torceu pelo romance nas redes sociais. O autor nunca cogitou a relação, mas adotou a ideia e foi um dos seu acertos. Os atores têm química e a bonita aproximação dos personagens contou até com um processo de regeneração da Mila, que era cúmplice de Hans, com quem tinha uma relação abusiva, e ainda maltratava o pai. Ou seja, entre erros e acertos, tudo se encaminhava para uma conclusão competente na novela. 

Só que o autor resolveu jogar todas as construções realizadas até agora no lixo e transformou Lupita em uma sonsa. Isso porque a personagem, até então feliz com Júpiter, sentiu ciúmes quando viu Guto e Mila se beijando. Para culminar, Guto foi atrás dela para dar explicações, como se ainda tivessem algo. A situação acabou causando o término na relação recém-iniciada do estagiário com Mila e também no namoro de Lupita com Júpiter. Agora, a personagem fez uma viagem ao México sozinha para pensar em qual escolher e o objetivo de Ortiz é deixar a decisão para o último capítulo, exatamente como fez com Luna (Juliana Paiva) e Kyra (Vitória Strada) em "Salve-se Quem Puder". E o equívoco se mostrou o mesmo em seu folhetim anterior, exibido entre 2020 e 2021, porque as duas personagens, até então queridas pelos telespectadores, ganharam o chamado 'ranço' de grande parte do público nas redes sociais por conta das eternas indecisões. É um recurso pobre que enfraquece qualquer narrativa e só teria algum sentido caso Lupita realmente tivesse se apaixonado pelos seus dois pretendentes, o que não foi o caso, uma vez que ela nunca esqueceu o Júpiter, mesmo quando estava com Guto. É apenas uma tentativa forçada do autor de manter um mistério inútil, prejudicando a trajetória da personagem. 

"Família é Tudo" está perto de seu desfecho e é uma pena que Daniel Ortiz tenha destruído o arco de uma das personagens mais queridas da novela por conta de enquetes no Instagram e um vício narrativo que vem prejudicando cada vez mais as suas histórias. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo integralmente com seu texto. Esse autor é viciado em triângulos e isso enfraquece a história. Inclusive, essa novela expôs as repetições dele e o cansaço de parte do público com esses vícios. É a novela mais fraca dele até agora e eu nunca gostei muito dele como autor. A teledramaturgia não vice sem clichês e é ótimo quando clichês são bem trabalhados, mas o Daniel Ortiz exagera a dose. Muitos dos seus clichês já deveriam ter sido banidos. Um bom exemplo são as vilãs que são surtadas e psicóticas em virtude de uma obsessão amorosa. Esse artifício já devia ter ficado no passado porque é uma motivação rasa e forçada para praticar vilanias. Só me permita corrigir você: Lupita é guatemalteca. Inclusive, a viagem dela foi voltando para a Guatemala. Mas eu entendo perfeitamente você confundir porque a personagem é muito mexicanizada mesmo e a própria trama tem uma clara inspiração em Betty, a Feia (original colombiana) e também em A Feia Mais Bela, essa última produzida mesmo no México. Desculpa a correção. Kkk Gostei do texto e concordo plenamente.

Citu disse...

Genial