terça-feira, 20 de agosto de 2024

Trama de Tião Galinha não funcionou no remake de "Renascer"

 Sucesso da versão original exibida em 1993, a saga de Tião Galinha foi um dos trunfos da obra de Benedito Ruy Barbosa. A interpretação magistral de Osmar Prado e a inocência do personagem arrebataram o público na época, mesmo com o final trágico que acabou antecipado por contra de desentendimentos entre o ator e a cúpula da Globo. O mesmo, infelizmente, não aconteceu no remake de "Renascer".


A sequência do surgimento do personagem foi tão visceral quanto a exibida há 31 anos. Tião mergulhado na lama, catando caranguejo, e protagonizando um monólogo de destruir o coração de qualquer um. A vida miserável daquele homem foi traduzida através de uma atuação emblemática de Irandhir Santos. Até porque ter um ator do seu nível é um privilégio para qualquer elenco. A força daquele sujeito batalhador foi demonstrada com uma entrega admirável. Destaque também para a maravilhosa Alice Carvalho, que entrou na trama no mesmo momento, interpretando a sofrida Joaninha. 

A cena em que os dois conseguiram emprego na fazenda de Egídio (Vladimir Brichta) e se deslumbraram com um casebre caindo ao pedaços só porque tinha uma cama, luz elétrica e uma geladeira, se mostrou um retrato fiel da vida de tanta gente sem oportunidades e que acaba se contentando com tão pouco.

Mas toda a potência da história foi se diluindo à medida que os capítulos avançavam. Os personagens ficaram escanteados no roteiro e mal apareciam. Tião só voltou a ter um certo destaque quando se encontrou com Zé Inocêncio (Marcos Palmeira) e acabou enganado pelo fazendeiro com a história de como criar um diabinho. 

O deboche do protagonista em cima de um sujeito ignorante foi tratado com humor em 1993, mas hoje em dia dificilmente alguém veria graça em uma situação do tipo. E é justamente a conversa que marca a trajetória de Tião Galinha porque Zé o aconselha a pegar uma ave virgem (toda preta) para criar e esperar o cramulhão galar o primeiro ovo. E ainda precisaria oferecer um de seus filhos ao diabo para seu desejo ser atendido. A sugestão vira uma obsessão do personagem, que passa quase a enlouquecer diante da possibilidade de chocar um diabinho e assim conseguir enriquecer. 

A força de Tião Galinha acaba por completo depois que Zé o faz de trouxa. Se há 31 anos o público seguiu amando o personagem, agora o mesmo não aconteceu. Nas poucas cenas em que aparecia, o marido de Joaninha repetia o mesmo texto sobre a galinha e a possível chegada do cramulhãozinho, para a tristeza de sua esposa. Era sempre a mesma sequência e as variações consistiam apenas no cenário. Uma vez era dentro de casa, outra no quintal e outra no telhado. Um ciclo exaustivo e que reforçava a barriga da novela (período modorrento em que nada acontece na história), já vista na versão original e também percebida no remake.

O fim da farsa em torno do diabinho tinha tudo para promover uma guinada na saga do personagem. Até porque, pouco tempo depois, ainda descobriu que Egídio assediava sua esposa e aceitou a participação em um plano para arrancar dinheiro do patrão, que nada mais era do que o seu direito trabalhista. Mas deu tudo errado na execução da armadilha e Tião ainda flagrou o momento em que o coronel tentou violentar Joaninha. O empregado o ameaçou com um facão, mas depois foi espancado pelos capangas do vilão e perdeu a grana que usaria para recomeçar a vida com a esposa e os dois filhos. Ou seja, não houve qualquer catarse. Para culminar, Tião passou a mendigar emprego e só conseguiu porque Zinha (Samantha Jones) o ajudou. Mas nem durou. Logo depois foi demitido 'por corte de custos', uma justificativa sem nexo algum, apenas para manter o personagem na mais profunda desgraça. 

Agora, já em plena reta final e sem nada de relevante acontecendo na novela, Tião passou a protagonizar um enredo que Benedito tratou com bastante profundidade em "O Rei do Gado": a reforma agrária. O sofrido homem virou líder de um grupo de sem terra e todos ocuparam parte de um terreno produtivo de Egídio para sobreviver. Acabaram entrando em acordo com Sandra (Giullia Buscacio), mas o pai da garota logo ficou sabendo que criou uma armadilha para expulsá-los de lá. Irandhir segue dando show cada vez que aparece em cena, o que não é novidade. Mas o enredo segue desgastante de acompanhar porque não há um 'respiro' para o telespectador desde o surgimento do personagem. Todo mundo sabe que felicidade não provoca interesse e a teledramaturgia consiste no sofrimento e nos conflitos. Só que apenas a tristeza pela tristeza, sem momentos de virada ou catarse, é cansativo de assistir. Ainda mais em uma trama de quase 200 capítulos. 

É importante lembrar que o papel foi perdendo relevância em 1993 por conta do clima insustentável entre Osmar Prado e a Globo na época. Até hoje o ator não fala exatamente a razão da briga, mas pediu para sair da trama e por conta de sua vontade a morte de Tião, prevista apenas para o final de "Renascer", acabou bem antecipada. O próprio Osmar também faz questão de declarar que detestou o fim daquele homem tão sofrido. E com razão. Tião acabou preso injustamente e se suicidou. No entanto, a sequência foi emblemática e deixou uma importante marca no folhetim. 

"Renascer" está a três semanas de seu fim e já foi noticiado que Bruno Luperi decidiu mudar o desfecho no remake. O neto de Benedito resolveu manter Tião Galinha vivo e com um final feliz ao lado de Joaninha. É uma forma do autor se redimir, ao menos um pouco, pela condução tão equivocada do personagem ao longo dos meses. Ainda assim, alterações mais relevantes eram necessárias na trajetória do sofrido homem. Não precisava acabar com seu calvário, pois é a essência de sua saga, mas o mínimo que se esperava era uma maior quantidade de embates com seus algozes, além de breves instantes de triunfo. O personagem não repetiu o sucesso de 1993, o que é uma pena, pois ter Irandhir Santos em cena é um privilégio. 

7 comentários:

Adriana Helena disse...

Sérgio, juro que eu estava esperando você falar algo do Tião Galinha e finalmente o post tão esperado chegou!!
Interessante que segui na mesma dedução do seu pensamento: a novela é tão modorrenta que apagou o brilho da interpretação de Irandhir Santos. Ele apareceu pouquíssimo ao longo da trama, sua introdução no elenco da novela foi espetacular, mas depois foi perdendo fôlego. Uma pena. Ainda bem que, pelo menos terá um final feliz!!

FABIOTV disse...

Olá, tudo bem? O ator Irandhir Santos trouxe um tom completamente distinto ao Tião Galinha. Mais pesado... Sem carisma... É um dos pontos negativos do remake. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br

Anônimo disse...

Concordo. Apesar de grande ator, Irandhir Santos fez um Tião Galinha pesado e chato.

Marly disse...

Pois é, como todos sabemos, os remakes (e os personagens individuais das obras) nem sempre alcançam os bons resultados das obras originais, embora possam - eventualmente - até superá-las.

Beijão

Sérgio Santos disse...

Uma pena, Dri.

Sérgio Santos disse...

Verdade.

Sérgio Santos disse...

Fato, Marly.