quarta-feira, 28 de agosto de 2024

"Cheias de Charme" é uma delícia de novela, mas perde o fôlego pelo caminho

 "Cheias de Charme" foi um dos maiores fenômenos da Globo. A novela que marcou a estreia de Filipe Miguez e Izabel de Oliveira como autores fez um baita sucesso em 2012, recebeu uma avalanche de elogios, tanto de público quanto da crítica, e sua repercussão foi a melhor possível. Até hoje é lembrada com carinho. Sua primeira reprise foi exibida entre 2016 e 2017 no "Vale a Pena Ver de Novo" e a segunda reexibição entrou na faixa chamada de 'especial' da emissora --- pertencente ao extinto "Vídeo Show" --- em março deste ano, chegando ao fim nesta sexta.


A novela, dirigida por Denise Saraceni, foi uma trama colorida, recheada de personagens carismáticos e soube utilizar a internet a seu favor, fazendo da dita 'concorrente' da televisão uma aliada poderosa. O clipe 'Vida de Empreguete' foi colocado no site da novela ao mesmo tempo que 'vazou' na história e o resultado foi simplesmente mais de doze milhões de acessos, em uma época onde o termo chamado 'transmídia' ainda era novidade. A própria Globo não tinha muita familiaridade com o uso de redes sociais e os sites das novelas eram precários. O Gshow nem existia. A produção inaugurou uma nova era para a empresa e deu muito certo. As músicas 'Vida de Empreguete', 'Maria Brasileira', 'Xote da Brabuleta', entre outras, fizeram sucesso dentro e fora da ficção.

A saga de Cida (Isabelle Drummond), Rosário (Leandra Leal) e Penha (Taís Araújo) caiu na boca do povo. Os autores souberam aproveitar os programas da emissora e as empreguetes se apresentaram em quase todas as atrações da casa --- "Domingão do Faustão", "Mais Você" e "Encontro com Fátima Bernardes" foram alguns deles. Ainda na mistura de ficção e realidade, no último capítulo, Cida lançou um livro baseado nos contos do seu diário e a obra também foi vendida em todas as livrarias do país, em uma época em que as lojas físicas não eram ameaçadas pelo mercado online.
Eram outros tempos e a trama foi aquele caso raro onde tudo funcionou. O único 'azar' foi sua exibição junto com o fenômeno "Avenida Brasil", um dos maiores sucessos da história da teledramaturgia, que arrebatou o país no horário nobre. A história de João Emanuel Carneiro faturou praticamente todos os prêmios disputados, o que acabou tirando a produção das sete do páreo. Caso contrário, o enredo das empregadas que chegam ao estrelato teria vencido várias categorias com facilidade. 

Os atores foram muito bem escalados e deram um show. Isabelle Drummond emocionou com sua doce Cida; Taís Araújo brilhou na pele da determinada Penha; Leandra Leal convenceu com sua tão esperada protagonista; Cláudia Abreu foi o maior destaque da trama e fez de Chayene uma das personagens mais marcantes da teledramaturgia e Titina Medeiros foi uma grata revelação vivendo a totalmente louca Socorro. Malu Galli interpretou com maestria a íntegra advogada Lygia; Tato Gabus Mendes (Ernani), enquanto Alexandra Ritcher (Sônia), Simone Gutierrez (Ariela), Rodrigo Pandolfo (Humberto) e Giselle Batista (Isadora) foram ótimos representando a Família Sarmento. Já Chandelly Braz divertiu na pele da periguete Brunessa. Uma pena que Leopoldo Pacheco (Otto), Tainá Muller e Aracy Balabanian (Máslova) tenham sido pouco aproveitados. 

Entretanto, a novela das sete teve problemas de desenvolvimento. A história começou com um ritmo ágil e vários acontecimentos, mas, após a ascensão das empreguetes, houve uma imensa queda de qualidade. Núcleos perderam a função, personagens sumiram, as protagonistas perderam o charme, e a 'barriga' se fez presente até a penúltima semana da obra. O roteiro perdeu o fôlego e passou a andar em círculos. Um dos principais atrativos da novela eram as protagonistas e suas características marcantes. Só que a separação do grupo não causou uma virada interessante na obra. O ritmo decaiu após o término do trio e as personagens ficaram irreconhecíveis. Cida, de ingênua e doce, virou uma tonta a ponto de acreditar piamente no homem que a humilhou desde a infância e no rapaz que a abandonou na primeira oportunidade que teve. Penha deixou a fibra de lado e passou a se preocupar o tempo todo com Sandro (Marcos Palmeira), a ponto de ter reatado com o ex no final, o que foi algo inconcebível. E Rosário passou a viver em função de seu dueto com Fabian (Ricardo Tozzi), o que implicou em situações repetitivas. Até Chayene perdeu a sua potência diante da falta de acontecimentos na história.

Além da queda de ritmo, furos dispensáveis ficaram perceptíveis. O primeiro foi a falsa paternidade do Sarmento (Tato Gabus Mendes). Quando o mistério foi revelado para o público, Valda (Dhu Moraes) teve uma longa conversa com o patrão, onde ambos confirmavam o caso do mau-caráter com a mãe de Maria Aparecida e a própria madrinha da empreguete já demonstrava que havia um segredo na vida da menina. Ou seja, os autores se arrependeram da redenção do vilão e resolveram alterar a trama. Outro erro foi a revelação da cirurgia de Inácio (Ricardo Tozzi). A ideia foi criativa, mas no início da novela, quando o personagem contou uma parte do seu drama pessoal, uma cena de flashback foi exibida, onde Dália (Maria Helena Chira) ficava em choque quando via a semelhança de Inácio com Fabian. Mas se ela tinha mandado o cirurgião modificar o rosto do seu 'amado', como pode aquilo ter acontecido? Outro erro foi Ariela não ter descoberto que era traída por Humberto com Brunessa. O saldo geral, todavia, é o melhor possível.

A reprise de "Cheias de Charme" no "Vale a Pena Ver de Novo" não repetiu o sucesso da época e a sua segunda reexibição teve uma audiência abaixo do esperado. Isso em nada afeta a qualidade da produção, mas expõe que os problemas observados em 2012 ficaram mais perceptíveis anos depois. E há também casos de histórias que só funcionam em determinado período. Teledramaturgia nunca foi uma ciência exata. Ainda assim, o folhetim merece todo  reconhecimento e está na galeria de obras inesquecíveis do audiovisual brasileiro. 

7 comentários:

Maria Rodrigues disse...

Interessante e completa análise.
Abraços

Pedrita disse...

eu adoro essa novela, mas não gosto de ver a compilação. comecei a rever apocalipse e sofro com os pulos da trama. eu amo os clipes da novela. as empreguetes, chayene, a curica, são maravilhosas. beijos, pedrita

Anônimo disse...

Não poderia haver melhor análise da novela que a feita por você, Sérgio. Confesso não curtir a reta final e certos desfechos de alguns personagens de "Cheias De Charme" (2012). Aliás, até nos fenômenos da faixa das 19h30min escritos por Rosane Svartman houve problemas similares a esses. Em "Rock Story" (2016), então, nem se fala. Passava raiva com vários desdobramentos criados por Maria Helena Nascimento e seus colaboradores. O folhetim poderia ter tido dois meses a menos de exibição. E ainda existe o risco de, em futuras reprises, os telespectadores constatarem que a memória afetiva pode trair e as obras não causarem o fascínio da primeira veiculação nas emissoras que a lançaram.

Guilherme

Citu disse...

Genial

Jovem Jornalista disse...

Nunca assisti por completo, mas tenho vontade de ver algum dia.

Boa semana!

O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE INVERNO do dia 31 de julho à 05 de setembro, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!

Jovem Jornalista
Instagram

Até mais, Emerson Garcia

Outsiders disse...

Há 11 anos atrás, entrou para a lista das novelas preferidas.

Ágil, alegre, bem editada e com roteiro consistente, Cheias de Charme inovou realmente no gênero. Foi também uma das primeiras vezes que realmente a internet esteve ligada com a trama. Não de forma falsa e sim de forma real. Acharam bacana que elas aproveitam a ausência da patroa artista para usar o que ela tinha em casa e fazer o vídeo, além de coerente, é brincadeira comum de que as patroas saem e as empregadas se divertem. A abertura também era linda! Quando as empreguetes disseram que o vídeo delas estava no ar, lá estava ele, foi trending topic, liderou visitações, e também é uma graça. Acharam bem interessante que no final a personagem da Cida escreveu um livro e que a TV Globo lançou o livro realmente. O elenco era ótimo. As empreguetes interpretadas brilhantemente pelas Leandra Leal, Isabelle Drummond e Taís Araújo. Chaynne foi interpretada pela Cláudia Abreu que também brilhou muito. Outro que estava ótimo foi Ricardo Tozzi, ele parecia canastrão como Fabian. Engraçado que quando o Inácio ficou no lugar do Fabian ele não era tão canastrão. O ator estava incrível. E eu adoro a Leandra Leal, desde o filme A Ostra e o Vento. Gostei demais também do tema social da personagem da Cida. A mãe era empregada da casa e faleceu, a família alardeava sempre que não deixou a menina ir para um abrigo, que deram casa, comida e estudos, mas faziam desde pequena ela trabalhar sem remuneração. Inclusive no último capítulo explicaram bem o trabalho infantil e escravo tão comum no Brasil. Sempre ouvi sobre famílias que "adotavam" crianças, mas as tratavam como empregadas, exigindo quase um pagamento pela benevolência de dar casa e comida. A personagem da Alexandra Richter falava sempre que deu casa, comida, tratamentos médicos e estudos, como se fosse muito generosa.

Em 2024, o público que revê a novela resume a história assim: "Típica novela pra gente fútil e temática totalmente dispensável. Uma representação da decadência do retrato atual do qual se tornou a teledramaturgia brasileira de uns anos pra cá..."

A pergunta que fica é:

Quando que terá outra novela tão boa quanto essa de novo na TV?

izabel disse...

A história era legal, contada de forma leve e divertida, e o elenco excelente. Gostei também das músicas, bem divertidas.

Ótima interpretação das protagonistas, de Ricardo Tozzi e Titina Medeiros. Um dos melhores pilares da novela foi a Cláudia Abreu. Ela deu um show como a engraçadíssima Chayene. Queria muito que a Penha ficasse com o Otto, personagem do Leopoldo Pacheco. Não gostei nada do personagem do Marcos Pasquim que caiu de para-quedas na trama, na verdade de prancha de surf, e muito menos que a Penha ter ficado com o ex-marido interpretado pelo Marcos Palmeira. Embora tenha achado o roteiro bem realista no romance com o surfista. Depois de viverem intensamente a paixão, a vida dos dois geraram intrigas, mas ficou esquisito depois o surfista mudar tão rapidamente para o Rio de Janeiro e pelo namoro ser tão categórico que não podia largar a escola de surf no Nordeste. Também achei meio forçado o personagem do Otto redescobrir a beata, interpretada pela Kika Kalache, e ela virar uma perua. O elenco todo era ótimo.
No núcleo cômico estavam ótimos Bruno Mazzeo, Titina Medeiros, Fábio Lago e Luiz Henrique Nogueira. Adoro os atores que integraram o elenco: Daniel Dantas, Tato Gabus Mendes, Dhu Moraes, Aracy Balabanian, Edney Giovenazzi, Malu Galli, Humberto Carrão, Jonatas Faro, Simone Gutierrez, Rodrigo Pandolfo, Sérgio Malheiros e Tainá Muller.