quarta-feira, 7 de junho de 2023

Com "Vai na Fé", Rosane Svartman trouxe de volta a essência de um bom folhetim

 A atual novela das sete da Globo não para de receber elogios desde que estreou, em janeiro. Já são cinco meses no ar e não há qualquer sinal de esgotamento do enredo. Pelo contrário, não falta conflito. Todos os capítulos são dinâmicos e com acontecimentos que mexem na narrativa. "Vai na Fé", dirigida por Paulo Silvestrini, reúne todas as qualidades de uma boa história e uma das principais é a essência do folhetim. Rosane Svartman trouxe de volta características que andaram (e andam) em falta na teledramaturgia da emissora.


As quatro novelas recentes da Globo ("Cara e Coragem", "Mar do Sertão", "Amor Perfeito" e "Travessia) fracassaram no desenvolvimento e na estruturação do roteiro. E, ironicamente, as quatro apresentaram problemas semelhantes: história que não tem fôlego para ficar no ar por seis meses e um início corrido para causar uma falsa impressão de agilidade. "Cara e Coragem", de Cláudia Souto, teve quase 200 capítulos com um enredo que não duraria nem cinco semanas. Para culminar, a autora 'matou' Clarice (Taís Araújo) no terceiro capítulo da novela, o que impediu que o público criasse qualquer vínculo com ela. Ainda foi um equívoco a obra ter ficado voltada apenas para a resolução de um crime que ninguém se importava porque mal conhecia a vítima. E a pressa nem se justificou porque foi uma falsa morte e a história ficou andando em círculos o tempo todo. Os três vilões ainda se mostraram desinteressantes e até inofensivos. 

"Travessia" apresentou um conjunto de erros praticamente igual. Débora (Grazi Massafera) vivia uma relação infeliz com Guerra (Humberto Martins), engravidou do amante, foi descoberta pelo marido, meses se passaram, sofreu um acidente de carro e morreu. Isso tudo na estreia da novela de Glória Perez. O telespectador não teve tempo de criar empatia e muito menos ódio por ninguém. Foi tudo jogado de qualquer maneira para provocar a sensação de um capítulo ágil e dinâmico.

Mas o resultado foi apenas um atropelo de acontecimentos que destruiu um dos motes centrais. Para culminar, o enredo em torno da rivalidade das irmãs, Guida (Alessandra Negrini) e Leonor (Vanessa Giácomo), também teve a pressa como característica. Uma irmã casou com o ex da outra no terceiro capítulo, o que provocou um ataque de fúria com direito a vestido de noiva incendiado. E novamente não deu para sentir identificação com nenhuma das duas porque não foi possível entender o motivo do relacionamento conturbado entre elas. A cena do embate era par ter acontecido lá pela metade da trama, após meses desenvolvendo a temperatura necessária para um ebulição futura. E os conflitos da mocinha Brisa (Lucy Alves) foram outro problema grave, pois a questão das fake news sumiu. A vilania de Moretti (Rodrigo Lombardi) e Ari (Chay Suede) também deixou muito a desejar.

Já "Mar do Sertão" se diferenciava das outras duas por conta dos personagens carismáticos. O público foi conquistado pelos deliciosos perfis secundários que divertiram o tempo todo. Tanto que a produção de Mário Teixeira se sustentava por esquetes que costumavam durar uma semana. Porque o enredo central nunca saiu do lugar. E novamente por culpa da necessidade de causar a falsa impressão de dinamismo. A rivalidade de Zé Paulino (Sérgio Guizé) e Tertulinho (Renato Góes) mal foi trabalhada, assim como o amor do mocinho por Candoca (Isadora Cruz). Em menos de duas semanas, o protagonista foi dado como morto, quase acabou assassinado pelo vilão e o público não acompanhou nenhum personagem recebendo a notícia da falsa morte do rapaz. Nem teve luto e houve uma passagem de tempo de dez anos. Zé voltou para se vingar, ninguém soube como ficou rico e depois a produção nunca mais teve uma história para contar. Não houve vingança alguma. A vilã Deodora (Debora Bloch) foi outra decepção.

E "Amor Perfeito"? A novela é escrita por três autores titulares: Duca Rachid, Júlio Fisher e Elisio Lopes Jr. Mesmo assim, apresentou problemas primários de desenvolvimento de roteiro. A história, baseada no livro "Marcelino Pão e Vinho", foi praticamente desenvolvida e finalizada em duas semanas. Marê (Camila Queiroz) se apaixonou pelo mocinho subitamente e engravidou no primeiro capítulo. Foi acusada por um crime que não cometeu e no segundo capítulo já foi presa, enquanto que no terceiro acabou condenada injustamente, depois fugiu da cadeia, pariu em tempo recorde, perdeu o filho, voltou para a prisão, ficou oito anos presa, foi libertada, se vingou da vilã Gilda (Mariana Ximenes), recuperou seus bens, virou presidente do hotel do falecido pai e conheceu o filho, embora ainda não saiba que se trata da criança que tanto procura. Ficou sem fôlego sem lendo? Compreensível. Não há mais enredo para contar. Tanto que agora a trama se resume no jogo de gato de rato entre mocinha e vilã. Agora Gilda deu um golpe na protagonista e virou a dona do hotel. Cansativo. Já os personagens secundários mal foram apresentados e todos têm dramas superficiais que não envolvem quem assiste.

O que Rosane Svartman vem fazendo em "Vai na Fé"? Absolutamente tudo o que as produções citadas não apresentaram: personagens bem construídos, um desenvolvimento que foge do marasmo, ao mesmo tempo que não atropela acontecimentos relevantes, e uma história que está sendo, de fato, contada. A morte de Carlão (Che Moais), por exemplo, perderia todo o impacto se tivesse acontecido na primeira semana, de forma corrida. Houve uma preocupação em mostrar o cotidiano do personagem com Sol (Sheron Menezzes) e sua família, provocando uma avalanche de sentimentos no público. E até a sequência do acidente foi bem preparada para resultar em uma catarse. O telespectador viu o motorista do caminhão com pressa na estrada, Ben (Samuel de Assis) preocupado, Carlão distraído e emocionado com a mensagem da filha. Não improvisaram uma batida de cinco segundos com efeitos de computação rasos. Houve uma preocupação em cada detalhe. Aliás, outro êxito: mostrou a reação de todos os personagens com a notícia da tragédia e sem correria ou passagem de tempo já cortando para o velório. O fã de novela quer ver como cada personagem reage, é um recurso dramatúrgico que jamais pode ser desperdiçado. 

E os mocinhos da novela das sete? Até agora não deram um beijo sequer. Enrolação? Não, apenas uma construção bem aprimorada para resultar no clímax tão esperado. Isso porque a demora vem aumentando cada vez mais a expectativa do público, ao mesmo tempo que não provoca lentidão no roteiro porque há sempre uma leva de acontecimentos em cima de todos os núcleos em um ótimo esquema de rodízio. A separação de Ben e Lumiar (Carolina Dieckmann) se deu por uma conjunção de fatores que foram sendo desmembrados ao longo dos meses, enquanto o envolvimento da advogada com Theo (Emílio Dantas) ocorreu em virtude de sua grave dependência emocional. E o rompimento da amizade de infância entre mocinho e vilão aconteceu quando Bruna (Carla Cristina Cardoso) contou sobre o abuso sofrido por Sol, que resultou em uma das catarses mais aguardadas com direito a socos na cara do empresário. Já recentemente ocorreu outro momento de grande intensidade: o exame de DNA comprovou que Theo é o pai biológico de Jenifer (Bella Campos) e Sol descobriu através de Benjamin que foi estuprada pelo vilão no passado. O abusador ainda sofreu um atentado, o que resultou na descoberta de Jenifer sobre o abuso sofrido por sua mãe. Uma avalanche de emoções à flor da pele. Está tudo tão harmônico que nem parece que a história chegou ao centésimo capítulo mês passado. 

"Vai na Fé" está a cada dia mais envolvente. Os elogios nunca cessam e a audiência só aumenta. Rosane Svartman trouxe de volta aquela novela que tem orgulho em ser novela. 

23 comentários:

Sayuri Mori disse...

Excelente!!

William O. disse...

Concordo com tudo. As outras novelas são tudo menos novela. Essa sim vem mostrando como se faz.

Anônimo disse...

Sérgio Santos qual a melhor e pior novela da Rosane para vc:

Malhação Intensa
Malhação Sonhos
Totalmente Demais
Bom Sucesso
Vai Na Fé

Anônimo disse...

Acho que o Theo nutre pelo Ben o que o Lobão sentia pelo Gael. O que acha?

Anônimo disse...

Sérgio qual o melhor vilão da Rosane em todas as novelas?

Anônimo disse...

Qual o melhor casal da Rosane:

Vitor e Lia
Bruno e Fatinha
Duca e Bianca
Karina e Pedro
Cobra e Jade
Eliza e Jonatas
Arthur e Carolina
Germano e Lil
Paloma e Marcos

Gabriella disse...

QUE ANÁLISE PERFEITA!!!!!

Guilherme disse...

Estou adorando Vai na Fé e, para mim, é a melhor novela da Rosane até aqui. Gostei muito de Totalmente Demais e Bom Sucesso, mas ambas tiveram fases apelativas com clichês usados em demasia. Vai na Fé está acertando demais nas abordagens, outro ponto que a Rosane não aproveitou tanto nas novelas anteriores. E ainda tem os personagens jovens que são mais densos, com conflitos mais dramáticos, profundos e bem desenvolvidos. Enfim, sou muito fã e torço para que a trama mantenha esse nível até o final.

Anônimo disse...

Endosso todo o seu texto, Sérgio. "Vai Na Fé" é um conjunto de acertos (como todas as obras escritas, dirigidas e produzidas por Rosane Svartman, contando com o auxílio de uma equipe repleta de diversidade), principalmente em se tratando do tempo para inserção das maiores catarses do enredo. Nem os cortes cretinos por parte de executivos da Globo em cenas de maior afeto alusivas à comunidade LGBTQIAPN+ tolhem a vontade de seguir acompanhando o atual folhetim das 19h30min, mais envolvente a cada capítulo transcorrido, e com fôlego para além dos 56 capítulos restantes para o desfecho. Como constatado, Rosane tornou-se a rainha dessa faixa horária de novelas, e mesmo se um dia for promovida à faixa mais nobre da emissora, continuará a zelar pelo apuro no conjunto geral dos projetos dramatúrgicos que tocar.

P.S.: Na lista de novelas erráticas recentes que você apresentou nesta análise, Sérgio, você poderia acrescentar "Todas As Flores" (2022), que em sua segunda parte não manteve a qualidade vista na primeira, embora ela também contasse com furos inadmissíveis.

P.S. 2: Tudo em "Vai Na Fé" cativa, inclusive a trilha sonora incidental. Adoro aquela vinheta dos personagens do núcleo de Lui Lorenzo (José Loreto) ao fazerem trapalhadas, risos.

P.S. 3: Sobre os folhetins de merecido sucesso, são bastante válidos os seus tweets de "São eles!", "Que lindos, Deus!", "Pode elogiar (...)? Pode." e "Nunca é demais elogiar (...).". Já os produtos descartáveis são dignos de, no máximo, receberem como resposta "O que é isso? Um filme?" e "Eu não aguento mais." antes de caírem no completo esquecimento.

Guilherme

Marly disse...

Eu penso que os autores estão meio perdidos, na fase que atravessamos, de muitas mudanças, demissões etc.
Creio (e espero) que eles se "encontrem" e possam produzir obras de valor para o nosso entretenimento e para o enaltecimento da arte que praticam. Vai na fé realmente tem merecido os elogios que lhe têm sido feitos.

Beijão

Anônimo disse...

Ótima análise 👏🏻👏🏻👏🏻

Sérgio Santos disse...

Obrigado, Sayuri.

Sérgio Santos disse...

Isso, William.

Sérgio Santos disse...

Vai na Fé, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Tb acho, anonimo.

Sérgio Santos disse...

O Theo, anonimo. E boto Paloma e Marcos e agora Sol e Ben.

Sérgio Santos disse...

Obrigado, Gabi.

Sérgio Santos disse...

Assino embaixo, Guilherme.

Sérgio Santos disse...

Perfeito, Guilherme. E merecia mesmo inserir Todas as Flores, viu...

Sérgio Santos disse...

Pode ser, Marly.

Sérgio Santos disse...

Obrigado, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Abçs, Emerson.

Anderson da rosa disse...

Desculpa,mas pra mim não deu,eu tentei de todas as formas mas infelizmente não consigo,revi tantas novelas antigas tanto no Viva,na internet,na própria Globo e elas sim eram novelas de fato, Totalmente Demais foi muito melhores que essa,mas respeito quem curte, não me pegou e eu sou um dos maiores defensores de novelas atuais,mas essa não deu