A novela das seis de Mário Teixeira, dirigida por Allan Fiterman, chegou ao fim nesta sexta-feira (01/11). "No Rancho Fundo" marcou o início de um novo planejamento da atual gestão de teledramaturgia da Globo, comandada por Amauri Soares, que planeja apostar em um novo segmento, além dos tradicionais remakes: o das continuações de novelas. Tanto que ano que vem será a vez da continuação de "Êta Mundo Bom!". Porém, pode ser uma ideia não muito promissora diante do resultado atual. O autor da trama que fechou seu ciclo hoje repetiu todos os erros de "Mar do Sertão".
É verdade que "No Rancho Fundo" foi um sucesso de audiência e conseguiu reerguer os números da faixa das seis, após o imenso fiasco do remake de "Elas por Elas". Mas é importante ressaltar que uma parte do êxito se deve ao fenômeno "Alma Gêmea", que vem sendo reprisado no "Vale a Pena Ver de Novo" e foi iniciado praticamente junto da produção das 18h. A história de Walcyr Carrasco é a melhor e mais exitosa da atual grade da Globo. O folhetim anterior herdava os péssimos índices da reprise fracassada de "Paraíso Tropical". Ainda assim, é inegável a boa aceitação da obra de Mário Teixeira, que até chegou a trabalhar com Walcyr em "O Cravo e a Rosa", de 2001.
O autor de "No Rancho Fundo" sabe criar personagens carismáticos, escalar um ótimo elenco e tem um texto excelente. Esse conjunto ajuda a explicar a trajetória bem-sucedida. Porém, baseado em seus trabalhos anteriores, Mário ainda estava devendo uma trama desenvolvida com competência. E infelizmente seguiu devendo.
O escritor não conseguiu apresentar um enredo estruturado, a ponto de manter o interesse de quem assiste ao longo dos meses. A trama andou em círculos e dá para contar nos dedos de uma só mão a quantidade de acontecimentos relevantes durante todo o período em que esteve no ar. Muitas vezes havia a sensação de assistir ao mesmo capítulo diariamente."Mar do Sertão" teve índices satisfatórios de audiência, mas a história se esgotou em menos de três semanas por conta da pressa do autor, que atropelou todos os acontecimentos importantes do núcleo central, diluiu qualquer tipo de impacto e anulou todas as promissoras catarses de seu folhetim. A trama em torno da revanche de Zé Paulino (Sérgio Guizé), que foi dado como morto e depois voltou para se vingar, foi concluída em um mês e nem teve vingança alguma. Os meses seguintes foram sustentados por esquetes nos núcleos secundários, onde Xaviera (Giovana Cordeiro) e Timbó (Enrique Diaz) eram protagonistas. Problema semelhante foi visto em "O Tempo Não Para", novela das sete do escritor, que tinha potencial, mas teve seu drama principal esgotado em poucas semanas.
A continuação de "Mar do Sertão" era a chance do autor se redimir e provar que sabia contar uma história. No início, houve até a impressão positiva a respeito de uma mudança. Afinal, a premissa de "No Rancho Fundo" era o enriquecimento da família Leonel, que vivia em plena miséria, através da descoberta de turmalina paraíba na Gruta Azul. E não teve correria para a virada acontecer. Houve uma preocupação para o público se afeiçoar aos personagens e torcer para uma nova vida. Durante um mês de novela no ar, parecia tudo bem encaminhado. Mesmo depois que Zefa Leonel (Andrea Beltrão) achou a pedra valiosa, houve uma saga da matriarca para vender a preciosidade a um preço justo, incluindo uma tentativa de golpe dada pelo ambicioso Ariosto (Du Moscovis). Houve até uma importante missão para provar que as terras da Gruta Azul eram da família, encabeçada pelos mocinhos Quinota (Larissa Bocchino) e Artur (Túlio Starling). Mas, lamentavelmente, tudo começou a naufragar quando uma passagem de tempo foi inserida.
O autor não mostrou para quem Zefa vendeu a turmalina e nem achou relevante exibir a família comemorando o recebimento da fortuna, que até hoje nunca foi explicado. Um corte brusco aconteceu com todos indo para o Grande Hotel São Petersburgo e exigindo quartos, mostrando dinheiro vivo. A tão esperada cena deles se deparando com uma riqueza que nunca sequer imaginaram jamais aconteceu. E depois tudo só piorou. É importante lembrar que a novela foi massacrada nas redes sociais, antes mesmo da estreia, por conta da forma estereotipada na retratação dos nordestinos. As fotos de divulgação da trama viraram motivo de chacota por conta da cor amarronzada na pele de atores brancos e das vestimentas simplórias, como se na região só tivesse gente passando fome. Claro que ainda há muita pobreza no Brasil diante de tanta desigualdade social, mas a indignação teve motivo, já que não foi a primeira vez que o lugar teve essa 'roupagem' na ficção. No entanto, a família protagonista realmente era composta por miseráveis. A família morava em um casebre sem luz elétrica, água encanada e mal tinham dinheiro para comer. Só que com o enriquecimento era a chance do autor exibir uma verdadeira virada na vida de todos. Mas isso não aconteceu.
Os personagens principais seguiram se vestindo praticamente da mesma forma e não teve impacto algum a rotina de todos no hotel de luxo. A desculpa para a estadia era uma reforma no 'Rancho Fundo', local da antiga moradia e motivo para o título do folhetim. Porém, quando todos voltaram, para a surpresa do público, não havia nenhuma alteração condizente com uma fortuna de milhões. Apenas pintaram as paredes, instalaram luz elétrica e compraram eletrodomésticos. Ou seja, o básico que toda família deveria ter em um país justo. Nem carro adquiriram e seguiram andando de carroça, explorando a coitada da burra, nomeada de Inez de Castro. Qual o sentido daquilo, a não ser uma romantização da pobreza? Usar a desculpa da trama ser uma 'fábula' não convence, pois até mesmo a fantasia precisa de credibilidade. Nem mesmo um espaço digno para as galinhas, cabras e cachorros que tinham foi criado. Parece um questionamento bobo, mas é vital para a narrativa de uma história que tem como essência o enriquecimento de uma família que passava necessidades. O quanto de cenas deliciosas a novela teria com os personagens morando em uma mansão e tendo todos aqueles animais como pets, incluindo a burra? Não houve mudança na vida dos personagens e nem mesmo impacto no roteiro. Isso porque os vilões seguiram tramando para roubar a fortuna dos Leonel, mas nunca agiram.
Deodora (Debora Bloch) foi uma vilã desperdiçada em "Mar do Sertão" e ficou ainda mais deslocada em "No Rancho Fundo". Nem mesmo a dupla formada com Ariosto funcionou, já que os dois passaram mais tempo discutindo do que fazendo algo contra os protagonistas. Aliás, quase todos os deliciosos personagens da novela anterior acabaram desperdiçados na continuação. Praticamente nenhum conseguiu ganhar mais destaque. Sabá Bodó (Welder Rodrigues), Nivalda (Titina Medeiros) e Dona Escolástica (Ana Maria Mangeth) seguiram formando um impagável trio, mas protagonizaram apenas esquetes aleatórias e não tiveram relevância no enredo central, assim como não tinham no enredo de 2022. Quintilha (Ju Colombo) teve bem menos espaço agora e nem a chegada de Fubá Mimoso, interpretado pelo genial Marco França, deu mais destaque para a personagem. Cira (Suzy Lopes) foi mais uma que ficou deslocada na história. Nem mesmo Vespertino, vivido pelo talentoso Thardelly Lima, conseguiu mais importância e ficou boa parte do tempo servindo de ponto de apoio para as grosserias de Deodora. O fato do ex-agiota ser o ex de Tia Salete (Mariana Lima), que a abandonou grávida, tinha tudo para destacá-lo, mas a descoberta da identidade do pai de Margaridinha (Heloísa Honein) ficou muito aquém do esperado. Os únicos perfis que realmente cresceram na continuação foram o padre Zezo (Nanego Lira) e o delegado Floro Borromeu (Leandro Daniel), que formou um ótimo casal com Tia Salete (Mariana Lima).
A dupla vilanesca formada por Marcelo Gouveia e Blandina foi outro ponto que não funcionou na história. O autor tentou vender um tipo complexo, mas a atuação de José Loreto não ajudou e as inúmeras brigas e reconciliações entre Marcelo e Artur logo ficaram repetitivas. Já a vilã ambiciosa teve um início promissor e Luisa Arraes esteve muito bem em cena, mas a personagem foi se apagando com o tempo, até virar uma chata obcecada pelo mocinho, algo que nunca teve sentido. A paixão por ele se mostrou rasa e teria sido muito mais interessante um foco na relação da personagem com Dracena (Nina Tomsin), sua melhor amiga, por quem nutria amor e ódio. Mário preferiu juntar Dracena com Zé Beltino (Igor Fortunato), que até resultou em um bonito casal, ainda que sem muito destaque. Aliás, o golpe que Blandina deu em Beltino não provocou qualquer virada na história e pelo mesmo motivo visto no enriquecimento da família Leonel: a não exibição da riqueza. A vilã ficou rica, mas seguiu morando no hotel e manteve sua rotina de planos infalíveis que nunca eram colocados em prática. Um telespectador mais desavisado nem percebeu que um golpe aconteceu. Vale citar também o pouco aproveitamento da mãe de Blandina, a ingênua Dona Castorina (Fátima Patrício), que passou boa parte do tempo sumindo e reaparecendo no enredo sem qualquer explicação plausível ---- um problema que também foi observado com vários outros personagens, como Corina Castelo (Isis Broken), Tobias Aldonço (Duda Rios), Guilherme Tell (Rafael Saraiva), Emi (Eloise Yamashida), Torquato Tasso (Jorge Ritchie), Blanchette (Vitória Rodrigues), Lola (Vitória Falcão), Aldenor (Igor Jansen), Anastácio (Guthierry Sotero) e Jordão Nicácio (Alejandro Claveaux), assim como ocorria com muitos tipos em "Mar do Sertão".
Vale citar também o desperdício de talento de Clara Moneke. Caridade parecia um tipo promissor, mas foi ficando perdida na história e nem o autor sabia muito bem o que fazer com ela. Inicialmente, até houve um romance bonitinho da personagem com Guilherme Tell, mas Mário mudou de ideia no meio do caminho e a juntou com Anastácio, outro perfil que ficou perdido no roteiro. Nem mesmo a criação de um restaurante chique deu mais destaque para a menina. O pior foi o ódio gratuito que Deodora passou a sentir pela prima de Quinota, uma vez que a vilã até simpatizava com ela no começo da trama. Nunca teve sentido a perseguição da cafetina, a ponto de prejudicar o estabelecimento da chef de cozinha. E não resultou em qualquer virada para o roteiro. É preciso mencionar ainda a saga de primo Cícero, vivido pelo ótimo Haroldo Guimarães, que nunca teve um bom rumo. Nem mesmo quando tentou tomar as terras da Gruta Azul. O breve conflito com a família Leonel se mostrou uma pura enrolação de roteiro. Não havia algo atrativo para o personagem. Tanto que o coitado encarou uma falsa morte duas vezes, e a segunda virou o único acontecimento relevante da reta final. A vilania de Esperança (Andréa Bak), que tramou o sequestro do próprio pai, também decepcionou.
Porém, a produção teve qualidades que merecem reconhecimento. A direção de Allan Fitermann foi competente e muitas vezes driblou bem o corte de custos da Globo, que vem prejudicando todo o setor de teledramaturgia. Alexandre Nero e Andrea Beltrão ganharam um protagonismo merecido e a dupla deu um show na pele de perfis totalmente diferentes de tudo o que já interpretaram ao longo da carreira. Outra atriz que brilhou na pele de uma personagem que a desafiou do início ao fim foi Mariana Lima. Após uma sucessão de mulheres elegantes de classe média alta na televisão, a intérprete emocionou e divertiu com a sua carismática Tia Salete, uma católica fervorosa que não controlava sua libido. Já os mocinhos da história ficaram nas mãos dos competentes Túlio Starling e Larissa Bocchino, que os defenderam com talento, mesmo durante a pior fase do casal, quando houve a separação por um motivo que desafiou os limites da lógica. Rhaisa Batista é outro nome que precisa ser elogiado porque também aproveitou a chance com um papel que em nada lembrou as várias loiras sensuais que já viveu em diversas novelas e séries. A fofoqueira Fé pode ser considerada seu grande momento na tevê. E a produção ainda teve gratas revelações, como Dandara Queiroz, que fez de sua Benvinda um encanto e tem um futuro promissor; Tomás de França, que deu um show de carisma com seu espevitado Juquinha; além dos já mencionados Igor Fortunato, Rafael Saraiva, Isis Broken, entre outros. A volta dos repentistas para o anúncio das cenas dos próximos capítulos foi mais um êxito e muitas vezes era mais interessante assisti-los do que a história que nunca saía do lugar. Lukete e Juzé de novo divertiram como Palmito e Totonho. Outro retorno bem-vindo foi o de Timbó e Xaviera na última semana, o que destacou o talento de Enrique Diaz e Giovana Cordeiro.
Já o final da novela foi marcado pela correria e atropelo de acontecimentos, um erro cada vez mais comum em muitas produções. O pior é que no caso da trama das seis foram muitos meses sem qualquer acontecimento relevante no roteiro. Qual o sentido de ter matado Ariosto no penúltimo capítulo? Não deu nem tempo de explorar os desdobramentos da morte do vilão. Aliás, Deodora ter sido a assassina expôs a falta de criatividade do autor. A vilã passou boa parte de "Mar do Sertão" sem ação e somente no penúltimo capítulo que resolveu agir, o que ocasionou a morte acidental de Tertulinho (Renato Góes), seu próprio filho e vilão da história. Agora aconteceu a mesma coisa: a personagem matando o outro vilão, só que desta vez intencionalmente. E o motivo foi bem bobo: a declaração de amor que Ariosto fez a Zefa Leonel. Ela nunca demonstrou um sentimento genuíno pelo comparsa a ponto de cometer um crime passional. Também não deu para engolir o desfecho corrido de Marcelo e Blandina, que tiveram a turmalina roubada por garimpeiros que surgiram do nada.
O último capítulo, que passou em brancas nuvens, contou com a revelação de que Elias (André Luiz Frambach) era da Polícia Federal. O filho de Ariosto entrou na reta final da história e essa trama poderia ter rendido bem mais, mas acabou deixada apenas para o fim. Benvinda descobriu a farsa do então namorado nos 45 minutos do segundo tempo. Sabá Bodó e Nivalda foram presos em uma cena burocrática e o mesmo resultado foi visto na prisão de Deodora. Desfechos sem emoção ou catarse. E não teve qualquer sentido a explosão da Gruta Azul. Zefa resolveu destruir o lugar depois que os vilões foram presos? Uma solução digna de livro de autoajuda: 'dinheiro não traz felicidade'. Já Blandina e Marcelo Gouveia caíram em um penhasco, mas sobreviveram e voltaram a dar golpes. O casamento de Tia Salete e Floro Borromeu foi escolhido para encerrar a trama e a foi única sequência digna de um final. A foto da família, agora maior, marcou o congelamento derradeiro. E os repentistas cantando e dançando com o elenco e a equipe da produção foi uma despedida exatamente igual a de "Mar do Sertão".
"No Rancho Fundo" chega ao fim marcada pelo elenco repleto de talentos e como um grande sucesso de audiência (foram cinco pontos a mais na média geral que a trama anterior), mas com repercussão bastante baixa e problemas visíveis no roteiro. A chance de consertar os problemas de sua obra anterior foi jogada fora. No entanto, no saldo geral, cumpriu sua missão e deu alegrias para a Globo. Só que no quesito história, Mário Teixeira mais uma vez deixou a desejar e mostrou que seus roteiros não têm fôlego para mais de um mês no ar.
3 comentários:
E pensar que "O País De Alice" teve a produção cancelada, o que acelerou a de "No Rancho Fundo" (2024), já que, para Amauri Soares, o enredo elaborado por Lícia Manzo há pouco mais de um ano não possuía apelo popular... Ainda assim, os telespectadores com faro aguçado para selecionar as obras de ficção que almejam prestigiar estariam bem servidos. E, diante do histórico de desrespeito da Globo para com Lícia, não aceitaria retornar à emissora se estivesse no lugar da autora. Quanto a "No Rancho Fundo", nunca nutri expectativas. Só nos resta torcer para que os autores formados nas oficinas não tenham a liberdade de criação tolhida por Amauri, pois até as releituras e continuações de folhetins podem intensificar a crise vivenciada na teledramaturgia da empresa.
Guilherme
Você deveria se dedicar a elevar o trabalho dos atores, novos ou antigos e não depreciar..que pena que temos brasileiros tão negativistas...
Olá, tudo bem? Discordo. Mar do Sertão funcionou nos índices de audiência. Por consequência, No Rancho Fundo pegou o "recall" da obra antecessora. O elenco com atores experientes alavancou a produção. É verdade que a Globo errou feio com a reprise de Paraíso Tropical e o remake totalmente equivocado de Elas por Elas. Já comentei no meu blog. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br
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