segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

"Fuzuê" peca por falta de história e conflitos monotemáticos

 O início da novela das sete que marcou a estreia do talentoso Gustavo Reiz como novelista na Globo, após uma longa passagem na Record, foi promissor. "Fuzuê" se mostrou dinâmica e com uma 'farofa' típica da faixa. Foram duas semanas atrativas envolvendo a rivalidade da mocinha e da vilã que tinha acabado de surgir. Porém, ao longo dos meses a história foi ficando desinteressante diante do foco quase total em cima da caça ao tesouro localizado no terreno da loja que nomeia o folhetim. 


A proposta da história é até interessante em uma série curta, mas não em uma novela com mais de 170 capítulos. Um filme de caça ao tesouro costuma ser repleto de ação e boas viradas, o que desperta atenção do público, mas o desafio de proporcionar isso em um folhetim é bem mais difícil. Até porque o recurso ficcional exige que pistas sejam colocadas com cautela, a ponto de manter o interesse de quem assiste sem entregar muito o conteúdo para não esvaziar o roteiro. O autor infelizmente não teve êxito. As investigações de Preciosa (Marina Ruy Barbosa), Heitor (Felipe Simas), Pascoal (Juliano Cazarré) e depois de Luna (Giovana Cordeiro) e Miguel (Nicolas Prattes) afugentaram a audiência diante de tantas elucubrações a respeito de um mesmo assunto: 'chave de sol, chave de lua, dama de ouro'. 

E o maior problema da trama é que não há uma válvula de escape para outras situações que agradem. Normalmente, um novelista costuma criar vários núcleos para que o enredo tenha outros conflitos enquanto a trama principal não anda. Mas não existe isso em "Fuzuê". Praticamente todos os personagens estão mergulhados na busca pelo tesouro antes enterrado e depois roubado.

E os poucos que não estão acabam ficando avulsos na história, como é o caso da turma do Beco do Gambá. Todos carismáticos e divertidos, mas sem enredo. Ary Fontoura parece um figurante de luxo e os demais aparecem apenas para apresentações em shows ou então para uma disputa pelo título de Mascote da loja de Nero (Edson Celulari) e prêmio pela nova Rainha da Fuzuê, cujo concurso se mostrou interminável. Uma pena ver um ator incrível como Clayton Nascimento, que arrebatou o país na peça "Macacos", vivendo Caíto, perfil cuja única função é mencionar personagens marcantes da teledramaturgia ou se transformar em Raquel, a gêmea má de "Mulheres de Areia". O efeito cômico nunca é alcançado. 

Aliás, a loja que representa o cenário central da novela deveria ter um peso muito maior para os personagens que a orbitam. A função do lugar foi apenas ter sido o alvo para escavações, pelo menos até o momento. A família de Nero não tem conflitos. O objetivo do dono do lugar e seus filhos é apenas seguir fazendo sucesso com o comércio e atendendo bem seus clientes. Muito legal em uma história da vida real, mas na ficção se torna algo enfadonho. Houve até um ensaio de um certo drama em cima da rivalidade entre os irmãos Francisco (Michel Joelsas) e Miguel, mas tudo não passou de um mero ciúme entre irmãos. Por sinal, o mocinho perdeu muito destaque e atualmente vive em função da Luna. O personagem não tem um objetivo para chamar de seu. Até o enredo manjado da ex grávida em nada acrescentou porque só serviu para separar os mocinhos por um tempo e Olívia (Jessica Córes) perdeu o bebê que nem era do mocinho, o que a fez sair da trama. Fernanda Rodrigues diverte como a deslumbrada Alicia, mas a patricinha merece mais do que apenas idolatrar o mundo da fama. 

A volta de Maria Navalha (Olívia Araújo), que tinha tudo para provocar uma virada no enredo, não teve impacto. A mãe de Luna retornou mantendo vários segredos sobre sua busca ao tesouro e não tem tomado uma posição mais ativa, é apenas uma espécie de porto seguro da filha. E a sua ambição pela fortuna deixou frágil demais a sua negação em contar para a mocinha que ela é irmã da vilã. Até porque esse, sim, é um plot que desperta atenção e representa o clássico dramalhão. Tanto que a história aqueceu quando as duas se enfrentaram no evento em que Luna descobriu que a víbora tinha plagiado suas biojoias, o que acabou resultando posteriormente na revelação do parentesco das duas. Houve até um breve julgamento sobre o plágio feito pela vilã, que foi condenada a prestar serviços comunitários. Uma rivalidade em cima de uma disputa pelo mercado seria bem-vinda. Mas foi algo pontual e logo depois tudo voltou a ficar em torno da caça ao tesouro. 

A chegada de Cecília (Cinnara Leal) poderia ser uma alternativa ao enredo central diante de sua vingança contra Pascoal, mas logo foi exposto que a sua família foi morta pelo vilão por causa do tesouro. Ou seja, mais uma personagem que entrou para ficar no ciclo monotemático. Até Cláudio (Douglas Silva), melhor amigo de Miguel, passou a se aventurar atrás do tesouro, incluindo o bandido Merreca (Ruan Aguiar), que inicialmente parecia ter um conflito próprio. O ponto positivo foi o envolvimento do rapaz com Soraya Terremoto, interpretada pela ótima Heslaine Vieira, ainda que o desenvolvimento da personagem com Francisco esteja deixando a desejar ---- os dois 'se pegam' desde a primeira semana e até hoje não há uma história, de fato, entre eles. E o que dizer do sequestro que traumatizou Soraya? Algo gratuito.

A prova que os raros dramas que não estão relacionados ao mistério são atrativos é a relação horrível entre Preciosa e Bebel. Marina Ruy Barbosa e Lilia Cabral fazem ótimas cenas juntas e aquele relacionamento tóxico entre mãe e filha sempre engrandece a novela, vide a vilã forçando uma internação da mulher que a botou no mundo. Também funciona a delicada parceria que Lilia tem com Theo Matos, que brilha na pele do esperto Bernardo. O menino é carismático e representa com talento uma criança que sofre pela ausência dos pais. Já o casal formado por Preciosa e Heitor destaca a química entre Marina e Felipe Simas, vista no fenômeno "Totalmente Demais" (2015); mas o autor erra quando foca apenas na busca deles pela fortuna e agora na separação justamente por conta da aliança da vilã com Pascoal. Faz falta uma exploração maior em torno da família. Como era a relação do par? Como se conheceram? Heitor tem pais? Sempre foi corrupto? São personagens com camadas que não têm sido aproveitadas. Aliás, a personalidade de Heitor foi bruscamente alterada. Antes histriônico e caricato, agora introspectivo e quase um coitadinho. Nem parece que era cúmplice de tudo o que a esposa fazia. 

Já a saga de Jefinho Sem Vergonha (Micael Borges) tem potencial e tomara que a entrada da talentosa Talita Younan, na pele de Selena Chicote, tire o cantor da sombra de Luna e Miguel. Afinal, não dá para entender o enredo criado para que o rapaz faça shows ao lado da mocinha. A protagonista nunca teve o desejo de ser cantora e a impressão é de uma tentativa de copiar a relação entre Sol (Sheron Menezzes) e Lui Lorenzo (José Loreto) em "Vai na Fé". Mas havia um contexto no folhetim de sucesso que chegou ao fim em agosto, ao contrário da atual. Outra situação um pouco parecida com a novela anterior é Gláucia, que representa a fofoqueira defensora da moral assim como era Dona Neide (Neyde Braga). No entanto, como a personagem não tem qualquer vínculo com o tesouro, fica avulsa e com cenas repetitivas. Também é uma pena ver uma atriz tão talentosa quanto Zezeh Barbosa vivendo mais uma vez um perfil que já interpretou inúmeras vezes na ficção. 

A novela recebeu recentemente a intervenção de Ricardo Linhares por conta da baixa audiência. O autor agora colabora com Gustavo Reiz e algumas pequenas mudanças já são observadas, como uma exploração levemente maior do drama de Bebel com a filha. No entanto, no efeito prático, não vem causando uma mudança significativa na trama. Em meio a tantos problemas, a descoberta do tesouro acabou antecipada e a sequência tinha tudo para provocar a maior virada do enredo. Mas o resultado foi frustrante. A cena se mostrou fria e a história segue exatamente igual porque as joias foram roubadas, uma nova caçada se iniciou e agora a polícia está com a fortuna. Uma questão de tempo até outro crime ocorrer no futuro. A tentativa de movimentar o enredo vem com a volta de César Montebello, interpretado por Leopoldo Pacheco. O retorno estava óbvio desde o primeiro capítulo, mas resta saber se causará um necessário impacto no conjunto da obra ou se o pai de Preciosa também ficará resumido a procurar o tesouro que nem a filha. Resta torcer apenas para que "Fuzuê" saia desse círculo vicioso e apresente novos conflitos ou viradas porque até março de 2024 (previsão de término) ainda há uma boa caminhada.

18 comentários:

Anônimo disse...

QUE CRÍTICA PERFEITA. NÃO FALTOU NADA.

Anônimo disse...

A bolha noveleira patética do Twitter endeusa isso aí e critica Vai na Fé....

Heitor disse...

Novela mal construída, mal planejada e que merece o fracasso.

Adriana Helena disse...

Sérgio, de forma completa e sagaz você revelou o histórico completo desta novela que infelizmente está despencando...Um pena, pois tem atores incríveis nela!!
Abraços amigo e obrigada por nos revelar com tantos detalhes a saga dos personagens, suas falhas e o que poderia ser reconstruído!!
Linda semana!!

Anônimo disse...

Análise perfeita. A novela é péssima, com enredo chatérrimo e alguns atores estão péssimos. Nicolas Prattes é um deles, eu não gosto desse ator, ele exagera demais nas cena e grita sem necessidade. A Marina também tem cenas que tá over.

Marly disse...

Menino, você sempre vai ao cerne da questão, rsrs. Que pena que os criadores dessa novela tenham se perdido, ao longo do caminho!

Beijo

Lulu on the sky disse...

Essa novela é extremamente chata. Parei de assistir faz muito tempo.
big beijos

www.luluonthesky.com

Anônimo disse...

Por mais que um folhetim apresente personagens carismáticos e tenha ou não como objetivo o escapismo, ele não chegará longe se não contiver tramas bem alinhavadas, nas quais o elenco tem potencial para se destacar. Essa maçante caça ao tesouro da Dama de Ouro tem prejudicado significativamente o desenvolvimento de "Fuzuê", tal qual o enredo a respeito da morte de Mirella (Marina Rigueira) em "Pega Pega" (2017) e sobre a fórmula secreta à base de de magnésio em "Cara E Coragem" (2022). Sabemos que não é recomendável apressar momentos responsáveis por culminarem nas maiores catarses de uma novela, mas isso não significa veicular os mesmos tipos de cenas para a obra permanecer em exibição por vários meses.

Guilherme

Citu disse...

Gracias por la reseña. Que pena q ue no te gusto. Te mando un beso.

Sérgio Santos disse...

Obrigado, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Nao dá pra levar a sério essa bolha, anonimo...

Sérgio Santos disse...

Uma pena, Heitor.

Sérgio Santos disse...

Os atores são mt bons, Dri. Pena.

Sérgio Santos disse...

Mt obrigado, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Pena mesmo, Marly. bjs

Sérgio Santos disse...

Entendo, Lulu...

Sérgio Santos disse...

Excelente teu comparativo, Guilherme.

Sérgio Santos disse...

Bjss, Citu.