sexta-feira, 14 de julho de 2023

"Força de um Desejo": um novelão injustiçado

 Exibida originalmente de 10 de maio de 1999 a 28 de janeiro de 2000, com 226 capítulos, "Força de um Desejo" foi uma novela das seis marcada pelo capricho e grande elenco. No entanto, não é um folhetim muito lembrado pelo grande público e nunca tem seus personagens citados em homenagens televisivas sobre a história da teledramaturgia. A reprise de 2005, no "Vale a Pena Ver de Novo" já tinha provado que o 'esquecimento' é injusto e a reexibição no Canal Viva, iniciada em outubro de 2022 e encerrada nesta quinta-feira (13/07), comprovou o fato. 


Escrita por Gilberto Braga, Alcides Nogueira e Sérgio Marques (dirigida por Marcos Paulo e Mauro Mendonça Filho), a novela foi a terceira mais longa da Globo nos anos 90 ----- ficou atrás de "Barriga de Aluguel" (243) e "Quatro por Quatro" (233). Planejada para 179 capítulos, a história acabou esticada a pedido da emissora, o que resultou em reclamações de Gilberto e sua equipe na época. Porém, o esticamento não se deu em virtude do sucesso e, sim, por conta de planejamentos na grade do canal. A produção teve 26 pontos de média geral, índice considerado baixo na época. É até compreensível o certo afastamento do público porque a história tem uma energia pesada e algumas vezes parece as extintas minisséries que eram exibidas após as 23h. Não é um enredo leve e tem pouco humor. 

Todavia, o conjunto da obra transborda qualidades. Os autores conseguiram criar personagens densos e um enredo que não caía no marasmo, mesmo em uma época onde a agilidade dos folhetins praticamente inexistia. Era comum toda novela ter longos meses de ritmo arrastado.

Além dos conflitos atrativos, a história tinha os maiores acertos de um bom roteiro: vilões bem construídos e um casal de mocinhos com química. Aliás, a junção de Gilberto com Alcides e Sergio teve grande importância neste quesito. Gilberto sempre foi expert na criação de personagens desprezíveis, mas falhava constantemente na parte dos protagonistas. Com a ajuda de Alcides e Sergio conseguiu construir seu melhor par de mocinhos na carreira: Ester Delamare (Malu Mader) e Inácio Sobral (Fábio Assunção). 

Aliás, o enredo é um dos clichês mais conhecidos: pai e filho se envolvendo com a mesma mulher, ainda que na teledramaturgia o mais comum seja mãe e filha se apaixonando pelo mesmo homem. Ambientada no século XIX, Vale da Paraíba, Rio de Janeiro, a novela conta a história do amor vivido por Inácio e Ester. O rapaz é o filho predileto de um dos maiores fazendeiros da região e conhece a mulher de sua vida quando a encontra no salão mais famoso da Corte. A elegante proprietária do local é uma cortesã que provoca a admiração de todos os homens do lugar. Os dois se apaixonam perdidamente a ponto da personagem aceitar largar aquela vida para ser a esposa de Inácio. Porém, os planos são arruinados quando o estudante recebe a notícia da morte de sua mãe, a baronesa Helena (Sônia Braga em uma breve participação), e volta para a fazenda para ajudar o pai nos negócios da produção de café. Ele acaba contando que está apaixonado, mas a conversa é ouvida pela sua avó, a perversa Idalina (Nathalia Timberg), que forja uma carta e envia para a tal pretendente mesmo sem saber a sua identidade. Afinal, o objetivo da vilã é casar o neto com a fútil Alice (Lavínia Vlasak), filha de Higino Ventura (Paulo Betti), rival e grande inimigo do Barão Henrique Sobral (Reginaldo Faria), o genro que sempre detestou. Vale ressaltar também todos os meandros que envolvem a patricinha, que engravida de Aberlado porque sempre soube que não eram irmãos e usa a criança para prender Inácio. 


Os mocinhos acabam se separando e passam a se odiar a ponto de Ester iniciar uma procura para se vingar do rapaz, já que pensa que foi abandonada. Enquanto planeja a vingança, acaba conhecendo Henrique, que se encontra de luto pela perda da esposa, a quem nunca perdoou pela única traição que originou Abelardo (Selton Mello), filho da falecida baronesa com Higino. Um se torna o apoio emocional do outro até que o barão se apaixona por Ester, que se casa com o poderoso fazendeiro, ainda que mais por admiração e amizade do que por amor. Obviamente, quando vai morar com o novo marido se depara com Inácio e tudo vem à tona, incluindo a armação que vitimou o amor de ambos. Os dois passam a ter que lidar com a dolorosa convivência diária e Ester precisando engolir a arrogância e o deboche de Idalina, que nem imagina que era a pessoa que afastou de seu neto. O enredo vai se entrelaçando de uma forma muito habilidosa e dá gosto de acompanhar, incluindo as vilanias de Idalina e Higino. Nathalia Timberg e Paulo Betti ---- que ganhou o seu melhor personagem da carreira ---- estão irretocáveis. 


Há ainda uma ótima trama protagonizada por Cláudia Abreu, que vive Olívia, uma golpista que surge na cidade e depois todos descobrem que se trata de uma escrava branca fugida. O enredo é claramente inspirado no clássico "Escrava Isaura", novela de 1976, baseada no livro "A Escrava Isaura" e adaptada pelo mesmo Gilberto Braga em 1976. É quase um folhetim paralelo, já que a personagem é uma espécie de mocinha que se torna vítima da obsessão de Higino Ventura. E a personagem ainda tem um lindo romance com o médico Mariano, vivido por Marcelo Serrado. Também há um núcleo dos escravizados, cujas cenas quase sempre são bastante pesadas, com direito a surras de chicote e muitas humilhações. Chico Diaz está brilhante como o feitor Clemente, enquanto Chica Xavier (Rosália), Sérgio Menezes (Jesus) e Ana Carbatti (Zulmira) emocionam. Já Isabel Fillardis é responsável pelos raros momentos cômicos da trama na pele da interesseira Luzia. Aliás, outra atriz que dá show na comicidade é Louise Cardoso, que rouba a cena como Guiomar, ex-cafetina e braço direito de Ester. A veterana forma uma divertida dupla com Daniel Dantas, intérprete do jornalista Bartolomeu. 


O elenco ainda tem vários outros nomes que se destacam, como Júlia Feldens (Juliana), José de Abreu (em uma breve participação na pele do português Pereira), José Lewgoy (Felício), Cláudio Correa e Castro (Leopoldo), Nelson Dantas (Dr. Xavier), Antônio Grassi (Vitório), André Barros (Trajano), Dira Paes (Palmira), Luiz Magnelli (o barbeiro Gaspar), Rosita Tomaz Lopes (Fabíola), Alexandre Moreno (Cristóvão), Carlos Eduardo Dolabella (Comendador Queiroz), Nill Marcondes (Zelito), Otávio Augusto (Dr. Eurico), Yaçanã Martins (Socorro), Mário Lago (em uma luxuosa participação como Dr. Teodoro), Helena Fernandes (Clara), Delma Silva (Diva), Clemente Viscaíno (Inspetor Bustamante), entre outros. Vale uma menção especial ao talento de Denise Del Vecchio, que brilha na pele da desbocada Bárbara, esposa de Higino, que transborda burrice e falta de educação. A personagem ainda é a responsável pelo maior 'plot' do enredo porque é vista ao longo de toda história como uma completa idiota e no final é revelado que foi a assassina de Henrique Sobral e responsável por todas as mortes suspeitas que ocorreram ao longo do folhetim ----- a produção tem um 'quem matou?' na reta final, fazendo jus ao estilo de Gilberto Braga. 


"Força de um Desejo" é uma novela que esbanja capricho e merecia ser mais lembrada pelos telespectadores. Embora transborde qualidades, está na lista de produções injustiçadas, tanto na audiência quanto na memória do grande público. A reprise no Viva foi um presente para quem assistiu e esqueceu de muitos detalhes e para quem ainda não tinha prestigiado uma obra tão bem escrita, atuada e desenvolvida. 

12 comentários:

Andressa Mattos M. disse...

Eu nao lembrava nada dessa novela e amei a reprise. Concordo integralmente com o texto.

Anônimo disse...

Eu adorei essa novela, tá na minha lista das melhores!

Denise Crivelli disse...

Oi
eu gostava dessa novela, sempre gostei de uma boa novela de época, mas o pessoal nunca comenta muito dela hoje em dia.

https://momentocrivelli.blogspot.com/

Pedrita disse...

finalmente consegui ver essa preciosidade, é a novela preferida do meu grupo de amigas, elas falam sempre, eu ansiava muito pra ver. malu mader tb destaca sempre esse trabalho. sim, tem um momento q até cansa, as intermináveis artimanhas de olívia pra se livrar do higino. as idas e vindas na investigação. alguns novos personagens chatos. mas a novela é maravilhosa. entrou para as minhas novelas preferidas. jamais vou esquecer as cenas impactantes de chica xavier. beijos, pedrita

Pedrita disse...

ah, falei da novela tb.

Outsiders disse...

Parte 1/2

Depois de alguns meses, eis que, finalmente, terminei Força de Um Desejo, grande obra de Gilberto Braga, Alcides Nogueira e Sérgio Marques. Trama de época, do fim do séc. XIX, impecável, bem amarrada, dirigida, figurinos incríveis (especialmente da protagonista) e atuações poderosas. É a minha trama favorita dele (fãs de Vale Tudo, favor não tumultuar).

Destaques:
Melhores personagens
1. Ester Delamare (Malu Mader) – Grande momento da musa, para mim, a sua melhor atuação. Nunca uma mocinha foi tão doce, justa, afrontosa, cínica e sem perder a classe. É a minha protagonista favorita (Catarina Batista e Maria do Carmo – Rainha da Sucata – que lutem!).
2. Olivia (Cláudia Abreu) – Quando se fala nela é meio automático lembrar de Laura cachorra ou Chayenne. Porém, Olívia é um dos grandes momentos dela na TV. Escrava branca que comeu o pão que o diabo amassou nas mãos do Ventura, era extremamente inteligente, se não fosse por ela, metade da trama não aconteceria. Peça fundamental na novela.
3. Guiomar (Louise Cardoso) – Louise é uma grande atriz e nunca vi nada dela tão bom, tão divertido e num personagem importantíssimo como esta.
4. Luzia (Isabel Filardis) – Umas das vilãs da trama enquanto escrava, depois de alforriada foi para o lado do humor e exaltava química com todos que contracenou.
5. Bárbara Ventura (Denise Del Vecchio) – Outra grande atriz que viveu um momento de glória na Globo. Bárbara é deliciosamente caricata e divertida. Fazia grande dupla com Guiomar nas aulas de etiqueta.
6. Juliana (Júlia Feldens) – Ela estreou com o pé direto. Juliana é doce, daquele tipo de morrer de amor, açucarada. Mas a atuação pontal da atriz deu um tom certo à personagem.
7. Bartolomeu (Daniel Dantas) – Morro de preguiça desse ator e até ele atua parecendo que está obrigado, mas o jornalista pudico além de ser seu melhor papel é sua melhor atuação. Grande química com Louise. Apesar da barriga do romance deles ter durado a novela inteira e o primeiro beijo ter acontecido no capítulo 218.
8. Idalina (Nathalia Timgerb) – Falar o quê dessa atriz, gente? Idalina era uma vilã daquelas, que não media as consequências em “nome da família e da moral e bons costumes”, mas não tinha um capítulo que era humilhada por quem quer que seja, especialmente Ester, e a mulher não aprendia!
9. Higino Ventura (Paulo Betti) – É o meu vilão favorito de todos os tempos. A inveja em pessoa, obcecado e com ódio nos olhos. Grande momento do ator que é bastante subestimado.
10. Inácio Sobral (Fábio Assunção) – Um mocinho daqueles! Poderia ser chato, apesar de ser em certos momentos, mas a atuação inteligente e um texto primoroso, fez de Inácio um personagem muito bom. Acho que foi o melhor mocinho que vi. Tão bom ele junto com Malu que você simplesmente não consegue torcer pelos vilões. Eles que comandam a trama, coisa rara hoje em dia.

Outsiders disse...

Parte 2/2

Menção honrosa:
Os sobral
Henrique Sobral (Reginaldo Faria) e Abelardo Sobral (Selton Mello). Todos muito bem atuados.
Rosália (Chica Xavier) – a escrava mãe, sempre tinha uma palavra de carinho e conforto. Grande presença dessa saudosa atriz.

Pontos negativos
1. Zulmira (Ana Carbatti) – escrava do clã Sobral, ela praticamente foi a mocinha da trama no até meados do capítulo 100 quando casou com Jesus (Sérgio Menezes). Não tinha um dia que ela não sofria nas mãos do feitor Clemente (Chico Diaz). Zulmira, foi a protagonista moral até o casamento, depois foi deixada de lado até perder relevância na trama, infelizmente.
2. Barriga – a trama teve 226 capítulos! Os 156 primeiros foram incríveis, mas, depois do assassinato de Sobral (isso não é spoiler), a trama, prevista para ter 180, rodou, rodou, rodou, rodou e rodou mais um pouco.
3. Nomes fora da abertura - Bons personagens e atuações, os atores que estiveram desde o início da trama ou que entraram depois, não tiveram seus nomes creditados na abertura mesmo sendo importantes em algum momento da trama, entre eles: Helena Fernandes (Clara Toledo Mendonça), Antônio Fragoso (Isidoro), Vinícius Marques (Valdir), Delma Silva (Diva), Marcelo Várzea (Ubaldo), Nill Marcondes (Zelito), Yaçanã Martins (Socorro, essa importantíssima).
4. Participações especiais - Gilberto adora uma participação em suas tramas, as melhores: Carlos Eduardo Dorabella, Murilo Rosa, Marco Ricca (peça fundamental na barriga da trama), Mário Lago, Otávio Muller e Otávio Augusto.
5. Últimos capítulos - confesso que me decepcionei com os últimos capítulos. Muito corrido, deixando coisas importantes para o fim. E, apesar de justo o destino de certos personagens, como Alice Ventura (Lavínia Vlasak) e Luzia, deveria ter focado nas consequências depois de fatos esclarecidos.

Para terminar, justiça por Trajano (André Barros) e Palmira (Dira Paes), mereciam um fim mais digno.

izabel disse...

Arte de primeira ! Foge às regras óbvias das telenovelas. Atuações maravilhosas de Natália Thimberg, Denise del Vecchio, Chico Diaz e tantos outros. A melhor e mais bem construída história romântica, vividas por Ester (Malu Mader) e Inácio (Fábio Assunção). Direção de Arte, roteiro e trilha impecáveis.

Ótima novela de época, gostei muito da história que retratava o Brasil escravagista do século XIX, os figurinos e cenários eram de encher os olhos e o casal Ester e Inácio Sobral eram muito bonitos juntos. Pena não ter alcançado audiência desejável, mas não chegou a ser um fracasso retumbante, principalmente porque alcançou boa repercussão, tanto que foi reprisada em 2005 no Vale a Pena, com relativo sucesso.

Essa novela, na minha opinião, é a melhor obra de época já realizada pela Globo. A segunda melhor novela da Globo, ficando atrás apenas de Vale Tudo. Um colossal erro que tenha sido tão injustiçada por grande parte do público.

Marly disse...

Não sei a causa da injustiça, será que é preciso ser um pouco mais perceptivo ou sensível para captar a grandeza dessa obra? Conheço várias pessoas que amaram esta novela. E algumas dessas pessoas não viram a primeira exibição, mas as posteriores.

Beijo

Ane disse...

Menino, eu estava vendo esta novela no Viva, acabou e eu não vi os ultimos capítulos! Mas já vi que está na Globoplay, acho que vou retomar. Não lembrava dos detalhes da trama, foi quase como ver a primeira vez.

Beijos!
Ane/De Outro Mundo
/ᐠ。ꞈ。ᐟ\

Jovem Jornalista disse...

Confesso que não me lembro dessa novela e nem assisti. Mas obrigado por me fazer relembrar dela.

Boa semana!

O JOVEM JORNALISTA está no ar com muitos posts e novidades! Não deixe de conferir!

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Até mais, Emerson Garcia

Anônimo disse...

Vale a pena falar que a sinopse era do Alcides Nogueira, e se lê pediu a Gilberto que a adaptace. Logo depois de sair de Torre de Babel, Alcides se junto. E só falo que é importante que se destaque já que este tipo de coisas sempre és deixada no fondo sobre tudo cuando um autor tem más peso na midia que o outro. Se não fosse pela sua carreira Aguinaldo não sería mentado em Vale Tudo o Roque, así como o caso Roda de Fogo (um vêm mais triste) já que como falaba o próprio Lauro o nome do Marcílio (Morães) debía aparecer antes do que seu próprio nome nos créditos.