segunda-feira, 24 de julho de 2023

Na pele da complexa Lumiar, Carolina Dieckmann vive um de seus melhores momentos na carreira em "Vai na Fé"

 O sucesso de "Vai na Fé" é visível desde a primeira semana de exibição da novela de Rosane Svartman, dirigida por Paulo Silvestrini. São várias as qualidades da bem construída história e uma delas é a riqueza dos personagens. Todos têm peculiaridades e várias camadas, o que ajuda bastante o elenco tão repleto de talentos. E uma das maiores beneficiadas é Carolina Dieckmann, que ganhou o perfil mais complexo do enredo: a doutora Lumiar. 


Muito antes da novela estrear, vários sites noticiaram que a personagem seria a vilã do folhetim das sete. Mas quem conhece o estilo da autora já sabia que não era verdade. Isso porque Rosane é uma expert em tipos dúbios e que arrebatam o telespectador através de dilemas éticos, normalmente enfrentados por conta de sérias fragilidades emocionais. Basta lembrar de Carolina Castilho (Juliana Paes), em "Totalmente Demais" (2016), e Nana (Fabiula Nascimento), em "Bom Sucesso" (2019). Duas mulheres bem-sucedidas que escondiam suas fraquezas atrás do intenso trabalho.

Lumiar chegou para enriquecer o time de perfis bem construídos de Rosane Svartman. Advogada de sucesso e dona de um dos escritórios de advocacia mais respeitados do país, ao lado do agora ex-marido, Benjamin (Samuel de Assis), e professora de direito na faculdade ICAES, a personagem sempre foi respeitada por todos os clientes e admirada pelos alunos.

Pragmática, a ex-esposa de Ben nunca foi uma pessoa muito afetuosa com os outros. Há uma preocupação em manter um distanciamento quase defensivo. Porque com o ex-marido havia uma completa entrega, o que demonstrava uma visível dependência emocional, explicada através de um passado conturbado com seus pais. 

A personagem nunca teve muita atenção de Dora (Cláudia Ohana) e Fábio (Zécarlos Machado). Praticantes do budismo, os seus pais adotaram uma vida de paz e tranquilidade em uma espécie de hotel, construído por eles em Lumiar, cidadezinha cheia de cachoeiras, distrito de Nova Friburgo, localizada a 176 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro. Daí o nome da advogada, que nunca suportou a escolha e muito menos a brecha que abre para lembrarem da música homônima, cantada por Beto Guedes. 

A maior defesa de Lumiar é esconder a carência afetiva que carrega desde a infância. Fábio era um ator de sucesso e teve um caso com Wilma (Renata Sorrah), com quem achou que teve um filho, Lui (José Loreto) ---- o rapaz é fruto de inseminação artificial. Com uma carreira repleta de trabalhos, raramente dava atenção para a filha e muito menos para o suposto herdeiro. Ironicamente, a advogada também não tinha qualquer relação com o agora ex- meio irmão e nem fazia questão. Não por acaso, depositou em Ben todos os sentimentos que precisou guardar antes de conhecê-lo. Fez do marido o seu porto seguro e a solução para a ausência de amor que sempre dominou sua vida. Tanto que tentou fazer de tudo para afastá-lo de Sol (Sheron Menezzes) e ultrapassou a linha da integridade para atingir seu objetivo. Pagou a indenização das vítimas do acidente que vitimou Carlão (Che Moais) com o dinheiro que tinha na conta conjunta com o marido para  evitar que a viúva se encontrasse com Ben e impediu que o advogado desenvolvesse um projeto de 'revisão criminal' na faculdade depois que descobriu que Jenifer (Bella Campos), sua melhor aluna, era filha da rival. E, claro, nunca contou ao esposo que tinha reencontrado Sol há meses. Suas escolhas não a transformaram em vilã, mas arruinaram seu casamento e a fizeram perder o respeito dos alunos. 

A má fase da advogada, no entanto, ainda estava apenas começando. Isso porque Lumiar acabou se envolvendo com Theo (Emilio Dantas) e passou a depositar nele toda a sua carência emocional. Ignorou que o agora inimigo de Ben estava casado com Clara (Regiane Alves) e nem se incomodou em ser a amante. Após um longo envolvimento emocional com o vilão, a personagem soube que o empresário estava sendo acusado de estupro de vulnerável por Sol e várias outras vítimas. Em nenhum momento cogitou acreditar nelas e o fato de ter a mocinha como rival favoreceu bastante o seu posicionamento.  Ter sido salva por Theo durante um atentado promovido por milicianos e o vilão ter levado Dora ao hospital, por conta de uma febre alta, foram fatores que contribuíram mais ainda para que Lumiar virasse uma defensora cega de seu 'anjo da guarda'. Tanto que a defesa informal logo se transformou em jurídica quando aceitou ser advogada do abusador e fez de tudo para descredibilizar as vítimas durante o julgamento de seu cliente. Foi o período em que a personagem recebeu uma avalanche de ódio do público nas redes sociais. E muitas vezes acabou tendo uma postura vilanesca, mesmo tendo feito 'apenas' o seu trabalho como boa profissional. Mas as cenas em que a amante de Theo enfrentou Ben diante do juiz foram justamente as que mais destacaram o talento de Carolina Dieckmann. Quanto mais a advogada se mostrava incisiva e arrogante, mais a atriz brilhava. 

A intérprete também ganhou de Rosane Svartman grandes momentos quando, finalmente, Lumiar descobriu o verdadeiro caráter de Theo. Depois que ouviu de Kate (Clara Moneke) todo o relato sobre o vilão e viu as fotos comprovando a obsessão em transformá-la na Sol, a advogada foi até seu apartamento e se deparou com o agora ex-namorado e cliente. Assim que o expulsou do lugar, levou um susto com a faceta agressiva do vilão que a encurralou contra a parede, literalmente. Ao mesmo tempo que sentiu medo, Lumiar se manteve firme e enfrentou o estuprador, que ameaçou enforcá-la. Foi uma cena de intensa carga dramática e defendida com total entrega por Carolina. Aliás, pouco tempo depois precisou encarar uma nova leva de sequências carregadas no drama por conta do estado de Dora, que descobriu um câncer em estágio avançado e optou por um tratamento paliativo, o que aproximou mãe e filha. A advogada conseguiu ter a relação que sempre sonhou ao lado da mãe, ainda que em um curto período de tempo. A cena da morte da personagem transbordou emoção e sensibilidade. 

Carolina Dieckmann precisava de um papel rico há muitos anos. O último papel que realmente valorizou o seu talento foi a vilã Leona, em "Cobras & Lagartos", de 2006. Ou seja, há 17 anos. A atriz viveu o seu melhor momento na televisão em "Laços de Família" (2000), na pele de Camila, personagem que foi um divisor de águas em sua carreira. Dificilmente alguma outra personagem vai superar o peso da filha de Helena (Vera Fisher), escrita por Manoel Carlos. Carol foi novamente valorizada pelo autor três anos depois em "Mulheres Apaixonadas" (2003), onde brilhou na pele de Edwiges, e em 2004 se destacou nas duas fases de "Senhora do Destino", quando emocionou como Maria do Carmo e Isabel/Lindalva, respectivamente. Agora, Lumiar entra na lista de grande papéis da atriz. Um perfil totalmente diferente de tudo o que já tinha feito e que exigiu muita entrega ao longo dos meses de "Vai na Fé". Doutora Lumiar cuidou muito bem disso.

12 comentários:

Anônimo disse...

Talentosíssimos

Anônimo disse...

Nada contra os personagens maniqueístas, mas perfis complexos são sempre os tipos mais gratificantes de serem interpretados e dignos de aclamação por parte dos bons apreciadores de dramaturgia. Lícia Manzo e Rosane Svartman, as minhas autoras da Globo preferidas da atualidade, são mestras em criar papéis repletos de camadas, e é sempre animador quando leio breves descrições sobre personagens com essas características meses ou até anos antes de as obras de ambas estrearem. Ainda me lembro de Lumiar (Carolina Dieckmann) ter sido uma das personagens a aparecer na primeira cena do capítulo de estreia de "Vai Na Fé" juntamente com Sol (Sheron Menezzes) e Bruna (Carla Cristina Cardoso). Era apenas o início de uma história repleta de arcos de sucesso dos mais variados perfis que costumam vingar em folhetins.

P.S.: Sérgio, você sabia que o Roupa Nova também já cantou "Lumiar", do Beto Guedes?

Guilherme

Yasmin disse...

Concordo com todo o seu excelente texto. Carolina devia ler!

Anônimo disse...

Concordo, Sérgio. Um dos melhores trabalhos da vida dela e a atuação da novela ''vai na fé'' que mais curti. Ela soube construir essa personagem de forma minuciosa, singela e com muita inteligência cênica. Carolina realmente precisava de um papel assim e digo isso desde que a vi no filme ''O Silencio do Ceu'' em 2016, um trabalho foda. Na televisão ela foi muito desvalorizada nesses ultimos anos, gostei até mais da Jessica e Iolanda do que da Edwiges, que você citou no seu texto, essa apesar do sucesso e carisma, não exigiu muito dela. Mas as personagens que deram pra ela em A Regra do Jogo e O Setimo Guardião foram sacanagem com ela

Marcelo

Brunno disse...

Quando a novela foi divulgada, logo veio à minha mente “até que enfim uma personagem a altura dela”. Espero que venha ao menos uma indicação ao Melhores do Ano ou ao Troféu Imprensa.

Adriana Helena disse...

Que texto incrível amigo, não consegui assistir a essa novela mas a interpretação da Carolina deve estar fora de série mesmo.
Aqui fico conhecendo as várias facetas das novelas que nõa posso acompanhar e me surpreendo sempre positivamente!!
Um grande abraço e uma semana abençoada!!

Sérgio Santos disse...

Demais, anonimo.

Sérgio Santos disse...

Guilherme, desculpe a demora na resposta. Tenho acabado demorando mais ultimamente...E nao sabia disso. vou pesquisar. Tb sou fã das duas autoras.

Sérgio Santos disse...

Ela leu, Yasmin!

Sérgio Santos disse...

Marcelo, nao vi esse filme, mas vou pesquisar.

Sérgio Santos disse...

Concordo, Bruno.

Sérgio Santos disse...

Fico feliz, Dri.