segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Abordagem da morte de Abel em "Dona de Mim" prova que a dor precisa ser sentida nas novelas

 Semana passada foi ao ar a sequência mais triste de "Dona de Mim", atual novela das sete escrita por Rosane Svartman e dirigida por Allan Fiterman: a morte de Abel, que marcou a despedida do grande Tony Ramos da trama das sete da Globo. Porém, a saída de um dos principais personagens do enredo não foi corrida e a autora soube aproveitar todos os desdobramentos dramáticos que um falecimento causa na vida de uma família. 


A sequência do acidente trágico teve efeitos especiais dignos e impactou o público. Não foi algo feito de qualquer maneira ou com gráficos toscos, como tem sido visto em vários folhetins recentes, vide "Família é Tudo" e "Vale Tudo", citando apenas alguns exemplos. E o principal foi o detalhamento do que aconteceu depois da morte de Abel e Rebeca  (Silvia Pfeifer). O desespero dos personagens diante do sumiço do empresário, a procura por notícias, as especulações a respeito, o telefonema avisando da descoberta do carro com o corpo da advogada, enfim, tudo foi dividido com o telespectador, o que rendeu cenas de intensa carga dramática. 

A cena do velório também foi aproveitada para destacar o talento os atores, especialmente Suely Franco, que protagonizou seus melhores momentos na trama através da profunda dor de uma mãe que enterrou um filho. Também foi interessante conhecer um pouco mais do ritual judaico, uma vez que Rosa rasgou o bolso da blusa de Jaques (Marcello Novaes), gesto que significa o coração dilacerado pela perda.

A veterana ainda emocionou com o choro desolador da matriarca jogando terra em cima do caixão de Abel e depois vendo a imagem do filho para um último adeus. Ainda teve uma sequência de pura delicadeza quando Sofia (Elis Cabral) pediu para ficar quieta na mansão e recebeu a companhia de Leona (Clara Moneke), Davi (Rafael Vitti), Samuel (Juan Paiva), Ayla (Bel Lima) e Rosa. Todos em silêncio. 

É importante elogiar toda essa abordagem em "Dona de Mim" porque grande parte das novelas atuais não esmerilha mais instantes de sofrimento. Quase sempre as mortes são jogadas em cima de passagens de tempo, sem direito a velórios, choro ou mudança de comportamento dos personagens. Muitas vezes as mortes ou acidentes na ficção têm servido apenas para o descarte de personagens ou falsas reviravoltas que acabam não provocando mudança alguma no roteiro. Parece morbidez esse tipo de reclamação, mas não se trata disso. A essência de todo folhetim é a reação. Você acompanha uma história para ver um conjunto de ações. O autor enfraquece a sua narrativa quando priva o telespectador de uma das maiores identidades de uma produção dramatúrgica. 

Há dois exemplos atuais na Globo do que não se deve fazer em relação a tragédias, vide "Vale Tudo" e "Êta Mundo Melhor!". Na novela das nove, adaptada por Manuela Dias, Cecília (Maeve Jinkings) sofreu um atentado, entrou em coma, saiu do coma e não teve impacto na narrativa. É como se nada tivesse acontecido. E Laudelino (Herson Capri) que morreu, ninguém viu, e nem parece que Aldeíde (Karine Teles) perdeu o marido? O falecimento mais recente foi o de Nise (Teca Pereira), que não foi mostrado e ninguém sabe o que de fato aconteceu. Já na novela das seis, escrita por Walcyr Carrasco e Mauro Wilson, vários personagens morreram no início da continuação de "Êta Mundo Bom!" e não houve um pingo de emoção. Foi tudo tão corrido que os personagens mal choraram. Anastácia (Eliane Giardini) sofreu um infarto e o Candinho (Sérgio Guizé) perdeu a mãe que tanto lutou para encontrar. O protagonista não derramou uma lágrima e depois agiu normalmente. Celso (Rainer Cadete) perdeu a esposa, Maria (Bianca Bin), que morreu atropelada, e chorou rapidinho porque depois já estava flertando com a enfermeira Estela (Larissa Manoela). Foi tudo tão jogado que não houve qualquer sensibilidade. 

Rosane Svartman sabe explorar a dor em suas histórias. E consegue mesclar o sofrimento com a delicadeza e até a poesia. No início de "Dona de Mim" houve outra morte, a de Luisão (Adélio Lima), pai do mocinho. E novamente teve uma sequência muito bonita durante o funeral do personagem. A escritora só pecou na escolha da hora da partida. Havia tempo para um maior aproveitamento do personagem, até para afeiçoar o público e aumentar a carga de emoção na hora da partida, como aconteceu com Carlão (Che Moais) em "Vai na Fé". Aliás, o sucesso de 2023 teve outra abordagem sensível sobre a perda através de Dora (Cláudia Ohana). A mãe de Lumiar (Carolina Dieckmann) descobriu um câncer em estado terminal e resolveu ter um resto de vida de qualidade com um tratamento paliativo, ao invés de se submeter ao sofrimento de uma quimioterapia. Todas as cenas transbordaram emotividade e o velório, embalado pelo canto dos personagens, foi uma das sequências mais lindas da novela. Vale lembrar também do mote central de "Bom Sucesso", fenômeno das sete escrito pela autora em parceria com Paulo Halm, que contava a saga de Alberto (Antônio Fagundes), um apaixonado por livros que tinha pouco tempo de vida e fez de tudo para aproveitá-la da melhor forma possível. 

Os autores não podem ter medo de mergulhar no sofrimento dos personagens em cima de alguma tragédia por conta de uma possível rejeição da audiência ou por resultados de pesquisas feitas pela Globo dizendo que o telespectador quer 'novelas leves e alegres'. O público quer é ser tocado, sensibilizado, envolvido por uma história. E nada melhor do que expor as fragilidades das pessoas que estão protagonizando um folhetim. Não é por acaso que as melhores cenas de "Dona de Mim" foram todas oriundas da partida do Abel. Pelo menos até agora. Resta torcer para que Rosane Svartman siga explorando bem essas dores e que a história não volte a perder o ritmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Acrescentaria a morte da Marcela em Malhação Intensa e a morte do Alan na Malhação Sonhos!!