Até quando autores usarão a falsa acusação de assédio em suas novelas?

"A Dona do Pedaço", trama de sucesso de Walcyr Carrasco no horário nobre da Globo, exibiu uma cena no mínimo questionável no capítulo desta terça-feira (02/07): Kim (Monica Iozzi) fingiu ter sido agarrada por Márcio (Anderson Di Rizzi) para se vingar do desprezo do homem que tanto cobiça. O intuito de Walcyr Carrasco era provocar risos através da situação. Porém, não teve graça. E o mais grave é que o fato não é exclusividade da atual novela.

A produção anterior, a fracassada e péssima "O Sétimo Guardião", de Aguinaldo Silva, também usou o artifício. Marilda (Letícia Spiller), com medo de descobrirem sua traição, fingiu que foi atacada por Fabim (Marcello Melo Jr.). O pedreiro, que tinha um caso com ela, tentou se defender, em vão. O objetivo era causar comicidade e ainda, indiretamente, defender José Mayer, que acabou demitido da Globo depois que foi acusado por uma ex-funcionária da emissora de assédio. Afinal, o autor sempre foi muito amigo do ator.

Por mais incrível que pareça, o folhetim que antecedeu "O Sétimo Guardião" foi outro que exibiu a mesma situação. Já perto da reta final, a equivocada e esquecível "Segundo Sol" apresentou uma sequência em que Rochelle (Giovanna Lancellotti) se agrediu com o intuito de incriminar Roberval (Fabrício Boliveira).
A patricinha arrogante chegou a ficar ensanguentada e com marcas no corpo. Todos acreditaram nela e só depois a personagem, doente e arrependida, admitiu a mentira. Neste caso, a intenção não foi o humor, mas teve o mesmo desserviço.

A ótima "Espelho da Vida", até então a melhor novela de 2019, também não escapou do contexto equivocado. Elizabeth Jhin exibiu no núcleo adolescente da história um artifício "cômico" totalmente desnecessário. Paty (Débora Ozório) fingiu que transou com Mauro César (Rômulo Arantes Neto) e o rapaz acabou preso provisoriamente. Isso porque a menina era menor de idade. Um dos poucos equívocos do enredo das 18h tão bem conduzido pela autora.

A substituta do folhetim das seis ainda merece entrar na lista. "Órfãos da Terra", escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes, exibiu logo na estreia da trama um ato cruel de Dalila (Alice Wegmann): a vilã tentou seduzir o motorista para conseguir o que queria e, como recebeu um não como resposta, o acusou de forma subentendida de tentativa estupro para seu pai, o violento Aziz Abdallah (Herson Capri). O vilão não pensou duas vezes e matou o empregado. Um inocente.

As mulheres lutam diariamente contra o assédio e o estupro, tão comuns na sociedade, e que apenas recentemente vêm recebendo a atenção que de fato merecem. Quase sempre a declaração de uma mulher sobre algo do tipo provoca desconfianças. Tudo piora quando não consegue provar. É mais "fácil" a sociedade ficar ao lado do homem. É verdade que há mulheres que mentem sobre isso e não valem nada? Sem dúvida. Vale lembrar que semanas atrás houve o escândalo envolvendo o mimado Neymar e até o momento a acusadora promoveu várias contradições. Todavia, está cansativo ver a teledramaturgia explorar esse contexto sempre colocando a mulher como louca inconsequente. Não está na hora de abolirem um recurso tão controverso?

"A Dona do Pedaço", "O Sétimo Guardião", "Segundo Sol", "Espelho da Vida" e "Órfãos da Terra" são apenas alguns exemplos recentes de como o recurso do falso assédio vem sendo usado sem limites. E está claro que o fato não fica exclusivo aos escritores homens, pois autoras também usaram e abusaram da situação. A desculpa da falta de vivência ou lugar de fala não é. Será que realmente vale a pena usar um artifício tão delicado e que nem rende tanto? Até quando?