"A Dona do Pedaço" estreia com todos os clichês de um bom folhetim

"Nem tente. Tente. É impossível. É possível. Não vai dar certo. Vai dar certo. A vida sempre tem um lado bom: se você olha pra ele, ele olha pra você". Baseada nessa premissa bastante simples e até parecida com os ensinamentos de Candinho (Sérgio Guizé), em "Êta Mundo Bom!" ----- "Tudo que acontece de ruim na vida da gente é pra meiorá" ----, a nova novela de Walcyr Carrasco promete apresentar para o público uma história de superação através de uma carismática protagonista. Sai de cena a sombria "O Sétimo Guardião" e entra a solar "A Dona do Pedaço", que estreou nesta segunda-feira (20/05), com a missão de reerguer a audiência da principal faixa da Globo.

É bem verdade que o início da história não teve nada de leve. A guerra entre os Matheus e os Ramírez foi exposta logo na estreia, após um bonito prólogo com Maria da Paz (Mirella Sabarense) aprendendo a fazer bolo com sua aparentemente delicada avó Dulce (Fernanda Montenegro). O autor começou seu enredo com um momento de delicadeza e depois se aprofundou na violência. Teve arma e tiro para tudo quanto era lado. O ódio entre as famílias é alimentado há séculos e sempre resulta em muitas mortes. Obviamente, a primeira tentativa de um acordo de paz se dá através dos mocinhos que se apaixonam à primeira vista. Típico contexto "Shakespeareano", vide o clássico Romeu e Julieta.

O primeiro capítulo teve uma avalanche de acontecimentos e houve uma certa pressa na construção do amor dos protagonistas. Não deu para comprar o amor arrebatador de Maria da Paz (Juliana Paes) e Amadeu (Marcos Palmeira). Eles se apaixonaram perdidamente e logo foram pedir uma trégua entre os familiares. Tudo muito rápido.
No entanto, a correria acabou explicável para o primeiro gancho da trama, com o mocinho sendo alvejado com um tiro pelas costas em pleno casamento com a mocinha. O crime aconteceu justamente depois que as famílias entraram em um acordo de paz em virtude de mais duas mortes trágicas, originadas do ódio entre todos.

E o autor foi habilidoso na costura da trama principal. Mesmo sem saber as razões para essa guerra de séculos de duas famílias interioranas, ficou compreensível todo o contexto que cerca a protagonista e como esse quase casamento sangrento assombrará a vida de Maria da Paz ao longo dos anos. Houve, inclusive, outro acerto em focar apenas nesse drama. Já era uma grande quantidade de personagens para observar e a inserção de outros núcleos causaria um desconfortável  excesso de informação. Vale destacar, inclusive, o show de Luiz Carlos Vasconcelos, Nívea Maria, Maeve Jinkings, Álamo Facó, Jussara Freire (de volta à Globo, após 11 anos de Record), Genésio de Barros e, claro, Fernanda Montenegro, que engrandece qualquer cena. Juliana Paes e Marcos Palmeira também fizeram bonito e o par convence, mesmo diante da construção apressada.

Aliás, o clássico "Evidências" (Chitãozinho e Xororó) é tema do casal principal e o hino de qualquer Karaokê populariza até o mais insosso dos romances. A trilha sonora da novela, inclusive, aposta em várias músicas que sempre estão na boca do povo. Vide a própria abertura ao som de "Tá Escrito", cantada por Xande de Pilares, enquanto imagens de lindos bolos e caldas variadas são exibidas, lembrando a vinheta de "Chocolate com Pimenta" (2003), do mesmo Walcyr. "Cheia de Manias", sucesso do Raça Negra, "California Dreamin`" (Bobby Womack) e "Nobody Makes Money" (Fantastic Negrito) também estão na seleção musical do folhetim.

"A Dona do Pedaço" teve uma movimentada estreia e Walcyr Carrasco está de volta ao horário nobre abraçando sem qualquer tipo de constrangimento o novelão rasgado. Todos os clichês da boa teledramaturgia estão presentes e Amora Mautner merece elogios pela direção, que já começou afinada com o roteiro e resultou em cenas com bom impacto. Resta apenas aguardar os próximos desdobramentos e descobrir se essa receita de bolo vai funcionar mesmo.