terça-feira, 30 de maio de 2017

O que há de errado em "Os Dias Eram Assim?"

A nova novela das onze da Globo, agora chamada de "supersérie", estreou no dia 17 de abril, ou seja, está há pouco mais de um mês no ar. A trama das estreantes Angela Chaves e Alessandra Poggi, dirigida por Carlos Araújo, teve um início promissor. E a obra tem várias qualidades, como o elenco recheado de talentos, a trilha sonora de qualidade ímpar, a química dos mocinhos e a reconstituição de época perfeita. Então, afinal, o que há de errado com a produção? Por que a audiência está tão baixa? Por que a repercussão é nula? Por que o nível de desinteresse se mostra tão grande?


Audiência e qualidade nem sempre caminham juntas, nunca é demais ressaltar. Porém, no caso da atual trama, os números abaixo do esperado estão fazendo jus ao que é exibido. Como mencionado, não há nada de equivocado nos quesitos enumerados, pelo contrário. Tudo foi pensado muito bem para esse produto. A escalação do elenco não poderia ter sido melhor, a escolha das músicas foi precisa e todo o trabalho da produção de arte em torno dos cenários e figurinos dos anos 70/80 (época do enredo que tem a Ditadura Militar como pano de fundo) é perceptível. A questão é que se esqueceram de um 'detalhe' que é primordial: o roteiro.

A história das autoras tem um potencial enorme que não é explorado: a Ditadura. A situação política do país é tratada de forma rasa e extremamente maniqueísta. O obstáculo para o romance dos mocinhos, por exemplo, poderia ser usado em qualquer novela. O poderoso Arnaldo (Antônio Calloni) era apoiador do regime militar e muito conservador.
Conseguiu separar sua filha Alice (Sophie Charlotte) do namorado Renato (Renato Góes) criando uma falsa morte para o rapaz, que precisou se exilar no Chile. Ainda a obrigou a se casar com o mauricinho Vitor (Daniel de Oliveira). O contexto é basicamente esse. Ou seja, algo que qualquer folhetim das seis poderia ter. Aliás, essa trama era inicialmente voltada para essa faixa.

Silvio de Abreu acabou adiando o folhetim de Lícia Manzo, transferindo esse produto de Angela e Alessandra para o horário das 23h. Só que esqueceram de adaptar o conjunto quando houve a transição. Inserir rápidas cenas de nudez em alguns momentos não é o bastante. Tudo o que tem sido visto não honra um horário que permite maiores ousadias. A Ditadura é um elemento engrandecedor de qualquer roteiro, rendendo bons conflitos. Mas não é usada como devia. E quando a situação é explorada, optam pelo didatismo através de um texto muitas vezes pobre e óbvio. A situação, por sinal, piorou bastante depois que a Globo descobriu que o famigerado grupo de discussão não conhece quase nada do golpe de 64. Em virtude disso, foram inseridas cenas da professora Natália (Mariana Lima) explicando detalhadamente alguns pontos, deixando o enredo ainda mais cansativo. Ao invés de usarem o contexto em função da dramaturgia, usam para dar aula.

E a falta de ritmo é uma das falhas mais graves da novela. As produções anteriores das 23h tiveram em torno de 60 capítulos. Umas mais e outras menos. "Os Dias Eram Assim" terá 88. Se houvesse estrutura para a obra se sustentar por esse tempo não haveria problema. Mas não há. Pelo menos é o que parece. Até agora poucos foram os acontecimentos realmente relevantes e quase não há ganchos no final dos capítulos. Não prende o telespectador. Não dá vontade de continuar vendo no dia seguinte. Isso porque não há muitos elementos para serem explorados. O enredo se resume ao núcleo central, que está focado apenas na separação dos mocinhos. Sophie e Renato estão perfeitos e o casal funciona, mas uma produção ficcional não pode se basear só nisso. Praticamente todos os personagens dependem da ação deles para aparecerem. Isso prejudica a narrativa.

Para piorar, os raros perfis que apresentam uma história própria não conseguem se destacar em virtude da simplicidade do conflito. Monique (Letícia Spiller) e Toni (Marcos Palmeira) são casados, mas enfrentam uma crise porque a esposa reclamado egoísmo do marido. Além de ser algo bobo, ele nem é egoísta. Ou seja, acaba ficando forçada a relação estremecida. O que salvava mesmo a trama era o trio formado por Sophie Charlotte, Natália do Vale e Antônio Calloni. As cenas deles eram sempre ótimas e repletas de drama, destacando o talento desses grandes atores. Os enfrentamentos entre pai e filha, para o desespero da matriarca submissa, geravam impacto e engrandeciam os personagens. Só que agora nem isso mais tem. A morte de Arnaldo na segunda fase ---- iniciada na última sexta-feira (26/05) ---- é uma lástima. A história perderá muito sem um de seus pilares. Mas, se conseguirem melhorar o conjunto (agora que o enredo saiu dos anos 70 e entrou nos 80, época da Anistia) já valerá a pena. Só que sem o grande vilão será difícil.

Falando em vilania, é preciso mencionar ainda essa forma exageradamente maniqueísta da novela. Todos a favor da Ditadura são malvados e os contra são bonzinhos. Não há meio termo ou alguma complexidade. Claro que o regime militar foi um horror para o país e para todos, mas abordar o contexto com menos obviedades era vital. E a ausência de maiores conflitos deixa tudo mais tedioso. O ritmo se arrasta, muitas vezes com cenas que nada acrescentam. Isso, inclusive, destrói a classificação de "supersérie". Não há agilidade de algo 'super' e muito menos condução de série. É um folhetim mesmo, assim como os anteriores da faixa. Só que, ironicamente, sem a quantidade de acontecimentos e dramas dos outros (a única exceção mesmo foi o remake de "Saramandaia", que fracassou e foi uma decepção, pois os demais primaram pela qualidade no todo). Essa alteração classificativa não deixa de ser uma propaganda enganosa e pode até ter sido uma das responsáveis para a fuga do público ---- afinal, quem gosta de novela pode nem ter dado chance ao produto e quem é fã de série se decepcionou ao constatar que é uma novela mesmo.

"Os Dias Eram Assim" ainda tem alguns meses pela frente. Nada está perdido. A trama nem chegou na metade. Angela Chaves e Alessandra Poggi têm tempo para reverter isso, inserindo dramas e acontecimentos mais convidativos ao longo da história. Elenco de peso, bom casal de mocinhos, trilha maravilhosa e contexto com potencial a produção já tem. Basta resolver o roteiro porque sem isso nada adianta. Uma boa e envolvente história para contar é o oxigênio de qualquer folhetim. E é o que está faltando até o momento.

24 comentários:

  1. Concordo. Anovela tem tudo pra funcionar, mas falta o principal: história.

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  2. MAIS UM TEXTO CERTEIRO! TE VENERO!!!!!!!!

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  3. Perfeitas colocações. Eu mesma não sabia o que me incomodava mas lendo descobri tudo...

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  4. Texto maravilhoso, concordo com tudo.

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  5. Anos Rebeldes, Os Dias Eram Assim, política e a influência da Globo
    O Brasil de 1992 e o de 2017 são bem parecidos. A influência da TV Globo também. No ano em que correu o processo de impeachment do Collor o canal exibiu em sua grade de programação a minissérie Anos Rebeldes, que abordava um grupo de adolescentes durante o período da ditadura militar no Brasil. Dois meses após a sua estreia o escândalo com o ex-presidente ganharia as páginas dos jornais da época. Em 2017, o canal voltou com o tema com o seriado Os Dias Eram Assim. Um mês depois da sua estreia o Governo do “Presidente” Michel Temer começa a ruir após uma denúncia em um jornal do grupo de comunicação.não deixa de ser curioso esse paralelo entre Anos Rebeldes, Os Dias Eram Assim, 92, 2017, Collor, Temer e a Globo.

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  6. Essa novela foi uma decepção pra mim.Achei que seria ótima, mas não cumpriu nada do que prometeu.Não há história, a trama tem como sustento o romance impossível da Alice e Renato(os atores estão muito bem, mas os autores acham que isso sustenta uma novela das onze?).E a ditadura militar nessa novela é abordada de forma muito equivocada, as pessoas contra a ditadura eram boas(o que não é verdade) e os que eram a favor da ditadura eram pessoas ruins.Não vejo mais esperança alguma nessa novela e acompanho bem pouco, prefiro assistir Por Amor no Viva.

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  7. Eu me animei bastante com essa novela quando saíram as primeiras notícias, mas na hora que vi o clipe constatei que ela seria só trama boba de casal e não errei. A novela inteira se resume a um casal. É inadmissível, ainda mas nessa faixa, uma trama que se resume a conflitos amorosos.

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  8. Olá,Sérgio,bela a análise,
    eu iria 'dizer' que era o horário ,mas te lendo não há como não concordar com tudo,principalmente que falta roteiro, abordar o contexto da Ditadura com menos obviedades e maiores conflitos deixariam a trama menos tediosa,belos dias,abraços!

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  9. Olá amigo, sempre bom ler suas opiniões. Eu assisto e não sabia que a audiência está ruim, mas penso que o momento que o país atravessa pode estar contribuindo para falta de audiência. Estamos tendo tantas emoções com as noticias da vida real, que talvez a esta hora da noite já estejamos esgotados para prestar atenção na série, e aí acaba que as pessoas não estão vendo! Sei lá, pode ser uma das razões rsrs abraço

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  10. Olá Sergio!
    Eu não assisto os dias eram assim (Acho esse nome bem poético), mas as chamadas são tão intensas que até minha cachorrinha sabe o que se passa na trama (Agora mesmo passou mais uma) e o que me deixa intrigada é: Essa novela só tem o romance de Alice e Renato? (Acho muito estranho ator e personagem terem o mesmo nome) Porque é somente isso que se passa nas chamadas. E por mais que romance seja bom que o casal tenha química e etc não basta para despertar interesse. E sobre a ditadura é o seguinte: Eu estudei esse período na escola, mas não vivi essa época. Já ouvi gente dizendo que foi um tempo muito bom, outros dizendo que foi o contrário e por tudo que eu escuto creio que houve erros e acertos dos dois lados. Ninguem foi 100% vilão ou mocinho e seria mais interessante se a novela (Novela sim) nos mostrasse os prós e contras de um e outro ao invés do que estão fazendo, pois mesmo sendo uma obra de ficção baseada em um período real eu acho bom para autores e principalmente emissora serem imparciais.
    Eu preferia 1000x a novela da maravilhosa Licia Manzo só porque é novela da Licia Manzo.

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  11. Mt obrigado, Felis. O horário não é pq toda novela das onze fracassaria se fosse isso. abçs

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  12. Oi, Leitora. Olha, é basicamente só o romance deles mesmo. Os atores tão ótimos e o par tem química, mas só isso não sustenta uma trama. Tb queria a novela da Licia. bjssss

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  13. Estava com grande esperanças para Os Dias Eram Assim, afinal, as últimas séries das 11 (Justiça, Verdades Secretas...) foram muito boas, mas a verdade é que a nova é uma novela das 6 focada no romance proibido dos mocinhos.
    Os dias eram assim tem atores excelentes, mas apesar de adorar o Antonio Calloni, ele acabou de vir (ótimo, por sinal) de um personagem com o mesmo perfil do Arnaldo, inclusive com nome parecido, achei repetitivo.
    Eles poderiam explorar bem mais o tema da ditadura militar, que acabou ficando de fundo.

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