"Vai na Fé" prova que a pressão popular sempre será o maior antídoto contra o retrocesso

 Nesta quarta-feira, dia 21, foi ao ar o beijo entre Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) em "Vai na Fé". Após longos meses de inúmeros cortes que desrespeitaram a autora Rosane Svartman, as atrizes, a equipe de roteiristas e principalmente o público. Três dias depois de outro beijo que sofreu uma sucessão de cortes na novela das sete ter ido ao ar: o de Vini (Guthierry Sotero) e Yuri (Jean Paulo Campos). Então, o retrocesso na maior emissora do país chegou ao fim? 

A pergunta ficará no ar ainda por um bom tempo porque nada está muito claro. A verdade é que os dois beijos só foram ao ar após uma avalanche de críticas da imprensa e dos telespectadores. Tudo foi ficando pior com a chegada de junho, mês do orgulho LGBTQIAP+. Isso porque a Globo vem prestando merecidas homenagens nos últimos anos através de reportagens em seus telejornais, nos programas de entretenimento e com especiais exibidos na grade. Porém, em 2023, toda a campanha da emissora em levantar a importância do respeito às várias formas de amor estava (e ainda está) sendo alvo de constantes revoltas nas redes sociais. As várias censuras aos beijos em "Vai na Fé" eram a todo instante lembradas para expor a hipocrisia da empresa. Para culminar, até em "Aruanas", série exibida depois das onze da noite, houve corte do beijo entre duas mulheres. 

A situação ficou insustentável quando a Globo começou a anunciar o especial "Histórias Impossíveis - Falas de Orgulho", realizado pela mesma talentosa equipe que produziu os excelentes "Falas Femininas" e "Falas da Terra".

As roteiristas nada têm a ver com isso, é importante ressaltar. E as críticas não eram (e não são) a elas e, sim, a Amauri Soares, o novo todo poderoso do setor de teledramaturgia da emissora. Aliás, a exposição do seu nome na imprensa, semana passada, como o responsável pelos cortes em todas as cenas de beijo entre homens e entre mulheres prejudicou ainda mais a campanha de lançamento da nova produção. 

Portanto, a exibição do beijo protagonizado por Yuri e Vini no sábado e o de Clara e Helena nesta quarta não foi uma mera coincidência ou um 'arrependimento' da atual cúpula da emissora. Se trata se uma evidente estratégia de apagar ou amenizar um incêndio que estava cada vez mais incontrolável. A liberação ter ocorrido uma semana antes da exibição do "Falas de Orgulho" também não foi por acaso. E os beijos serem exibidos justamente nos dois dias em que "Vai na Fé" tem menos audiência ---- os índices são bem mais baixos aos sábados por conta dos passeios familiares e a trama é exibida mais cedo nas quartas por conta do Campeonato Brasileiro, o que provoca uma queda nos números ---- foi mais uma decisão milimetricamente calculada ou apenas uma coincidência? Fica a pergunta. Mas por causa das questões levantadas as cenas não devem ser elogiadas e comemoradas? Claro que não. Até porque a equipe de Rosane escreveu sequências repletas de sensibilidade, onde a sintonia do elenco esteve visível. Mas é necessário levantar um ponto envolvendo Vini e Yuri: o selinho deles foi bem mais sutil que o de Clara e Helena e só ocorreu depois que Vini saiu da história. A diferença ficou perceptível. 

A vitória da exibição dos beijos em "Vai na Fé" ao menos provou que a pressão da mídia e do público faz efeito. O antídoto foi descoberto. Mas é uma pena que Amauri Soares siga deixando tão evidente o seu conservadorismo, uma vez que colocou o especial "Histórias Impossíveis - Falas de Orgulho" para ir ao ar depois da "Tela Quente", ou seja, quase uma da manhã, o que não aconteceu com os especiais "Falas Femininas" e "Falas das Terra". Isso deixa claro que muitas batalhas contra o retrocesso ainda virão.