A estreia de Mauro Wilson como autor de novelas corria sérios riscos em virtude da pandemia do novo coronavírus. Por causa dos protocolos sanitários, a trama foi ao ar já quase toda gravada. O mesmo aconteceu com "Nos Tempos do Imperador" e "Um Lugar ao Sol", duas produções que foram incontestavelmente prejudicadas. Porém, "Quanto Mais Vida, Melhor!" conseguiu driblar bem as dificuldades e a história, que chegou ao fim nesta sexta-feira (27/05), somou todos os bons ingredientes de um folhetim das sete com uma premissa que fugiu do mais do mesmo.
A ideia de quatro protagonistas tendo um encontro com a Morte e recebendo a notícia de que um deles morreria em um ano foi genial para uma novela. Ainda mais levando em consideração que todos trocariam de corpos perto da metade da história. Vale lembrar que Mauro escreveu a série "Os Amadores" (2006/2007), protagonizada por um quarteto masculino que tinha a mesma essência. O autor chegou a dizer que pegou a inspiração dali. Só que o seriado teve dois episódios, um em cada ano. O desafio que desenvolver algo do tipo em mais de 150 capítulos era muito maior. E o risco de cair no ridículo era alto. Afinal, tudo beirava o absurdo até para a ficção. Mas tudo foi tão bem desenvolvido que foi fácil comprar a trama e embarcar na fantasia.
Até porque a escalação do quarteto principal foi certeira. Mateus Solano, Valentina Herszage, Giovanna Antonelli e Vladimir Brichta tiveram sintonia logo na primeira cena e ganharam perfis cativantes que foram conquistando o telespectador aos poucos, à medida que a história avançava e os dramas de cada um eram apresentados. Guilherme, Flávia, Paula e Neném reuniam qualidades e defeitos que os tornavam críveis e de fácil identificação.
Tanto que todos tiveram núcleos bem estruturados e conflitos que despertavam interesse. Cada um tinha suas questões e cresciam quando se encontravam. Ou seja, nada melhor para uma história protagonizada por quatro pessoas. O capítulo ficava mais rico quando acontecia o encontro do quarteto, ao mesmo tempo que resultava na aparição da Morte (A. Maia) sempre com algum recado enigmático. Era tudo muito bem pensado.E o quarteto originou dois casais que caíram no gosto popular. Toda a construção em torno da relação de Flávia e Guilherme, duas figuras diametralmente opostas, despertou interesse. E tudo foi feito sem pressa. O autor teve um bom planejamento em cima do romance da dançarina de pole dance com o doutor das galáxias. Não por acaso, uma expectativa cada vez maior acabou criada nas redes sociais, o que serviu como um bom termômetro para medir o êxito do par. Não demorou para 'Flagui' se transformar no melhor casal da trama. A sintonia entre Mateus Solano e Valentina Herszage, que viveram pai e filha em 'Pega Pega' (2017), reprisada recentemente, era um dos trunfos da novela. A música-tema ('Together' - SIA) também foi um acerto. Já a química entre Giovanna Antonelli e Vladimir Brichta era deliciosa. Os atores protagonizaram muitas cenas hilárias e o par 'Nerrare' foi outro êxito. No entanto, neste caso, o autor pecou no desenvolvimento. A insistência no romance entre Neném e Rose (Bárbara Colen) foi o maior equívoco da obra. Até porque os perfis cansavam pela repetição exaustiva de situações e flashbacks. A novela sempre estagnava quando o destaque era em cima do 'amor jamais esquecido'. E acabou prejudicando a estruturação do relacionamento entre Paula e o jogador. A empresária passou a história inteira se rastejando pelo seu amado, que a ignorava e só pensava na ex. Não precisava, até porque a ricaça não tinha o perfil de se humilhar por homem. Seria bem mais atrativo desenvolver a relação de Paula com Carmem (Júlia Lemmertz), que começou com ódio e terminou com amor.
Todavia, se no quesito casais houve uma diferença entre 'Flagui' e 'Nerrare', é possível afirmar que na questão dos dramas individuais ocorreu um empate de qualidades. Todos os arcos foram bem estruturados pelo autor, assim como as ligações que estabeleciam os laços do quarteto. Paula era uma mulher arrogante e grosseira no trabalho, além de negligente com a filha, Ingrid (Nina Tomsic, grata revelação), mas tinha uma bagagem de sofrimento em seu passado, incluindo sua relação conflituosa com a mãe, Tuninha (maravilhosa Jussara Freire), e uma filha que jurava que tinha morrido. A herdeira não ter morrido e ter sido a Flávia foi um clichê muito bem-vindo, o que rendeu o melhor arco dramático do enredo. Não por acaso foi a última revelação do folhetim e só aconteceu no final da penúltima semana. Todo o contexto em cima da maternidade de Rose se mostrou forçado ---- como a personagem nunca cogitou que Tigrão (Matheus Abreu) não era filho de seu marido e, sim, de Neném? ----, mas a situação rendeu um bom conflito no núcleo de Guilherme e uma aproximação entre o cirurgião e o jogador, até então inimigos declarados.
A escolha bem-sucedida dos protagonistas foi amplamente elogiada, entretanto, é preciso aplaudir a escalação de todo o elenco, incluindo a boa construção dos personagens secundários. Mauro conseguiu um bom dinamismo em sua história a ponto de destacar quase todos os intérpretes em algum momento do roteiro, o que é raro em qualquer novela. Ana Lucia Torre protagonizou momentos divertidos e odiáveis como Celina, a mãe superprotetora de Guilherme, e sua parceria com Tato Gabus Mendes (Daniel, marido da megera), foi ótima. Júlia Lemmertz defendeu lindamente a arrogante Carmem Wollinger, rival de Paula Terrare. A 'vilã' que se apaixonou por sua rival e despertou torcida para um final feliz ao lado de sua 'BFF' (Best Friend Forever). Elizabeth Savalla se destacou na pele da amorosa Nedda e seu núcleo representava uma espécie de "A Grande Família". Marcos Caruso esteve bem demais como Osvaldo e seu entrosamento com Savalla e Brichta era visível. Micheli Machado como Jandira e Carol Garcia como Beta, as duas ex-esposas do jogador, também engrandeceram a família de Neném.
Aliás, outro grande acerto da novela foi a aposta em rostos novos ou pouco conhecidos do grande público. Um sopro de novidade em meio a tantas escalações repetitivas. Assim como as citadas Micheli e Carol (que já tinha se destacado em "A Dona do Pedaço"), Sara Vidal se mostrou uma grata surpresa na pele da doce Bibi, filha de Neném que sofria de um sério problema cardíaco. Agnes Brichta, filha de Vladimir, também estreou na Globo e convenceu como Tina, ironicamente, filha adotiva de Neném. A mencionada Nina Tomsic emocionou como Ingrid e merece novas oportunidades. Camila Rocha brilhou como a debochada Soraia; Fabrício Assis (intérprete do Cabeça) teve cenas delicadas com Sara e Ingrid Gaigher merece elogios pela Leona; enquanto Suzy Lopes divertiu como Valdirene, a venenosa Val da Pepita. Já os maiores destaques entre os atores que estrearam na emissora foram Evelyn Castro e Thardelly Lima. Deusa e Odaílson roubaram a cena e o autor aumentou cada vez mais a importância dos perfis ao longo da trama, mesmo sem a resposta do público porque a produção entrou no ar já quase toda gravada. Mauro confiou que o telespectador se divertiria com a empregada desbocada e o motorista paraibano de alma tijucana. Estava certo.
O trabalho de outros integrantes do elenco ainda merece menção. Mariana Nunes defendeu a médica Joana com talento e a química com Bruno Cabrerizo (Marcelo) foi a cereja do bolo. Ganhou uma personagem longe de qualquer estereótipo e precisa de mais chances assim na televisão. Fábio Herford, outro ator que merece mais reconhecimento, emocionou e divertiu na pele do querido Juca. Suas cenas com Valentina Herszage esbanjavam sensibilidade. Luciana Paes fez de Odete uma vilã adorável. A interesseira despertava amor e raiva. Jussara Freire conseguiu brilhar mesmo em um papel pequeno e fez uma boa dupla com Giovanna Antonelli. Pedroca Monteiro (subdelegado Prado) e Felipe Hintze (delegado Torres) ---- que entrou no folhetim substituindo Cridemar Aquino (delegado Nunes) ----- formaram uma impagável dupla. Valentina Bandeira e Felipe Abib se destacaram como os vilões Cora e Roni, perfis bem diferentes de tudo o que já apresentaram na televisão. A história ainda teve dois personagens 'coringas', que passaram quase toda a novela sem nome, mas viraram quase uma identidade da obra: Tadeu Mello e Nany People. O ator foi se destacando cada vez mais na pele do garçom que cobrava dos clientes e nunca recebia o pagamento. Somente na reta final seu nome acabou revelado: Nilton Braga. E ainda ganhou o amor de Tuninha, mãe da Paula. Já Nany era um acontecimento cada vez que surgia como recepcionista do motel 'Arriba Caracas'. E nas últimas semanas virou a Madame Lu, vidente 171 hilária. Como foi bom assisti-los. Vale citar ainda Zezeh Barbosa (Tetê), Ana Hikari (Wanda), André e Carlos Silberg (Leco e Neco), Stephan Nercessian (Edson) e Sérgio Menezes (Chicão), além de Marcelo Flores (Trombada) e Alessandro Brandão (Darcy) que formaram um bonito casal, mas infelizmente sem beijos.
A novela ainda teve uma impecável direção de Allan Fiterman e equipe. É uma produção que teve na direção um de seus maiores alicerces. Além da ótima sacada da contagem regressiva exibida em toda cena do quarteto despertando e da inversão de nomes dos protagonistas na abertura (quando ocorreu a troca de corpos), o diretor transformou a música em um personagem à parte. A história tinha muita musicalidade. Os quatro protagonistas sempre cantavam em momentos de tristeza ou melancolia, o que resultava em cenas lindas e delicadas. A voz de cada ator mencionando a letra era ouvida em um volume bem baixo, enquanto a trilha em questão tocava. Era fácil se emocionar. Um trabalho de bom gosto em todos os sentidos. O risco de soar constrangedor existia e qualquer deslize acabaria com as cenas. Mas nunca aconteceu. Por sinal, a trilha foi selecionada a dedo, incluindo o tema de abertura, a 5ª sinfonia, um dos maiores clássicos de Bethoven apresentado em diversos ritmos que representavam cada um dos protagonistas (erudita - Guilherme, rock - Flávia, samba - Neném e pop - Paula). Ricardo Leão e Daniel Tauszig, produtores musicais, foram precisos.
Todavia, a novela também teve problemas. Como mencionado, a saga de Rose foi o maior equívoco para a estrutura narrativa da história. A personagem não caiu no gosto popular e não tinha como simpatizar com uma pessoa que era o entrave dos casais protagonistas. Todo o bom dinamismo da obra era prejudicado quando o foco era o 'amor' de Neném. E muitas situações forçadas ficavam em torno da personagem, pois suas atitudes nunca eram questionadas e era sempre tratada como uma vítima. O núcleo escolar protagonizado por Tigrão foi outro ponto fora da curva. Embora os atores tenham defendido os personagens com talento, os conflitos não despertaram atenção. As revoltas do filho de Guilherme até irritavam de tão repetitivas e o troca-troca que o skatista fazia entre Tina e Soraia tirava a paciência de qualquer um. As cenas no salão de beleza de Nedda também não rendiam o bastante e a volta de Edson tentando reconquistar a ex foi desnecessária. Já o filho de Carmem, Gabriel (Caio Manhente), ficou perdido na trama. Parecia que o autor não sabia o que fazia com ele. E um erro que precisa ser citado foi o corte de várias cenas. O Gshow, site oficial da Globo, divulgou alguns momentos da trama, mas simplesmente não foram ao ar. Vários telespectadores se revoltaram nas redes sociais com razão. Difícil saber se as decisões eram tomadas pela equipe da novela ou de superiores. Afinal, não há como esquecer que a produção foi uma das últimas realizadas ainda sob a gestão de Silvio de Abreu e agora a chefia do setor é da dupla José Luiz Villamarim e Ricardo Waddington.
A última semana do folhetim foi recheada de bons acontecimentos. A cena do casamento de Deusa e Odaílson fez jus ao sucesso do casal ao longo da história. O embate entre Paula e Flávia, após a revelação sobre o laço sanguíneo que as unia, destacou o talento de Giovanna Antonelli e Valentina Heszage, ao mesmo tempo que resultou em uma linda sequência de reconciliação com o nascimento da filha de Flávia e Guilherme. Paula fez o parto da filha e viu a neta chegando ao mundo pelos seus braços. Nada mais simbólico do que a penúltima reunião do quarteto central ter acontecido com o nascimento de uma criança, após tantos encontros repletos de confusão. Já o penúltimo capítulo primou pela emoção. Bonitas e delicadas as cenas que envolveram as despedidas de Flávia, Guilherme, Neném e Paula com suas respectivas famílias. E o último gancho da trama foi de tirar o fôlego: Cora apontando uma arma para Roni, que estava rodeado pelos quatro protagonistas.
O último capítulo apresentou um final mais cômodo, mas não afetou a coerência da narrativa. Isso porque Neném se jogou na frente de Roni e levou o tiro no lugar do irmão. Ou seja, ele sempre foi o escolhido da Morte. Mas Roni logo depois sofreu um acidente de moto e teve morte cerebral. A mudança do destino fez com que Neném voltasse e seu irmão acabou doando o coração para Bibi. A sequência foi emocionante e tensa. A parte cômica ficou por conta da ótima participação de Jorge Vercillo como garçom do Motel Arriba Caracas, servindo Deusa e Odaílson, ainda cantando a música tema do casal de sua autoria ("Final Feliz"). Neném terminando com Rose e ficando com Paula também foi um desfecho esperado pelo sucesso do par, mas o autor poderia ter feito antes. Não precisava esperar os minutos finais para a junção do casal. A empresária se rastejou a novela inteira pelo jogador ---- merecia uma construção melhor de um encerramento feliz. E faltou uma cena de Flávia e Guilherme juntos ao som da música do par. Já a última cena, com todo o elenco cantando "E Eu" (Jesus Lumma) foi emocionante e com uma mensagem de esperança que todos estão precisando. Bonito.
"Quanto Mais Vida, Melhor!" fechou seu ciclo com um saldo bastante positivo. Mauro Wilson estreou como autor principal de uma novela com o pé direito. Sua parceria com o diretor Allan Fiterman rendeu e a criatividade de sua história merece reconhecimento, além da escalação feliz do elenco. Um folhetim despretensioso que saiu da mesmice e fez jus ao horário das sete.
De fato Mauro Wilson trilhou um caminho vitorioso na condução de sua primeira novela como autor titular, trazendo a leveza característica das produções da faixa das 19h30min e de que todos precisávamos desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao país, além de uma mensagem motivacional essencial contida no título da obra. Ainda que o folhetim não tenha alcançado a meta de audiência almejada, Mauro sabe que venceu e fez acontecer um produto de milhões. Motivos não faltaram para celebrar sobretudo a vida, porque "Quanto Mais Vida, Melhor!" (2021).
ResponderExcluirGuilherme
EU AMEI O FINAL. NÃO QUERIA QUE NINGUEM MORRESSE. MAS QUERIA A PAULA COM A CARMEM.
ResponderExcluirAdorei a novela e considero a melhor novela das 7 da história! O finsl foi perfeito e sua análise também.
ResponderExcluirAssino embaixo, Guilherme. Vou sentir muita falta.
ResponderExcluirEu também queria Paula e Carmem, anonimo.
ResponderExcluirMuito obrigado, anonimo. Tb adorei a novela e já coloquei na lista das melhores.
ResponderExcluirTeste
ResponderExcluirUm belo resumo, Sérgio! Deixo abraços praianos, chica
ResponderExcluir.Penso que em Portugal não passa/passou essa novela
ResponderExcluir.
Cumprimentos. Feliz fim de semana.
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Pensamentos e Devaneios Poéticos
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Olá, tudo bem? Como já disse desde os primeiros capítulos, não fiquei envolvido com Quanto Mais Vida, Melhor!. E o autor "amarelou" no desfecho. Comentarei sobre isso no meu blog hj. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br
ResponderExcluirParabéns eu amei a novela maravilhosa...espero que vc faça uma outra novela boa como essa
ResponderExcluirQUE NOVELA BOA E LEVE! EU AMEI E ENDOSSO TODA A CRÍTICA!
ResponderExcluirUma novela leve, sem dúvida. O capítulo final não abordou, com mais detalhes, aspectos que eu esperava fossem mais transparentes. Suas apreciações são sempre preciosas, Sergio. Abraço.
ResponderExcluirMais uma vez não conhecia! Obrigada pela partilha!
ResponderExcluirBjxxx
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Adorei o resumo que fez, e concordo com tudo!
ResponderExcluirSentirei saudades QMVM <3
Bjs, Chica!!!
ResponderExcluirAbçs, Rykardo.
ResponderExcluirAbçs, Fabio.
ResponderExcluirEu nao fui o autor nao, anonimo. rs
ResponderExcluirEntendo sua reclamação, Marilene. Tb achei.
ResponderExcluirBjs, Teresa.
ResponderExcluirTb sentirei, Bia. Bjão!!!
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