"Se Eu Fechar os Olhos Agora" é uma adaptação caprichada de um instigante romance

Edney Silvestre sempre foi um grande jornalista e quando se aventurou em sua primeira aventura literária, há dez anos, também ganhou um reconhecimento merecido. "Se Eu Fechar os Olhos Agora" recebeu inúmeros elogios e ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Romance, além de ter feito imenso sucesso em Portugal. O autor Ricardo Linhares, então, resolveu adaptar a obra do amigo para a televisão e a produção já está finalizada desde o início de 2018. Dia 15 de abril, cerca de um ano  depois, estreou na Globo.

A história, ambientada em 1961, começa quando os adolescentes Paulo (João Gabriel D`Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) encontram o corpo  da jovem e linda Anita (Thainá Duarte) à margem de um lago. Os dois correm para a delegacia da fictícia e aparentemente pacata São Miguel, mas viram suspeitos sem chance de defesa. Porém, após serem liberados, resolvem investigar esse macabro crime cercado de mistérios que ameaçam o jogo político e social da cidade do interior fluminense. A ousadia da trama, narrada por Paulo já maduro (vivido por Milton Gonçalves), é justamente desvendar um assassinato através de dois jovens que mal saíram da infância.

Dirigida com competência por Carlos Manga Jr., a minissérie tem todos os elementos necessários para prender a atenção de quem assiste e apresenta bem esse conjunto já no primeiro capítulo. A morte da belíssima ''ninfeta" logo promove um reboliço na cidade e expõe lados obscuros de vários personagens aparentemente 'ilibados', como o prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benício) --- um ferrenho defensor da família e da moral ---, a primeira-dama Isabel (Débora Falabella) --- que mantém uma relação de aparências ---,
o bispo Dom Tadeu (Jonas Bloch), o empresário Geraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes) e sua esposa Adalgisa (Mariana Ximenes), e o dentista e marido da vítima, o medroso Francisco (Renato Borghi), que acaba confessando o crime.

Porém, o jornalista Cassiano (Pierre Baitelli) não acredita na confissão do viúvo e faz questão de explanar para todos, incluindo o delegado Gabino (Antônio Grassi). Ele, inclusive, chama os meninos para uma entrevista com o intuito de investigar mais esse crime. O primeiro gancho da trama provoca o público justamente porque exibe a casa do rapaz incendiada e os bombeiros retirando seu corpo do local. Paulo e Eduardo, que foram para compartilhar as suas informações com Cassiano, se assustam com essa nova vítima e se dão conta que a situação é ainda mais grave do que se imaginava. Pronto, o telespectador já foi fisgado.

A trama, contudo, tem um início vagaroso. Há uma preocupação em expor as ''sombras'' dos personagens de forma cautelosa, ambientando o público. O racismo, a intolerância religiosa, os preconceitos velados e os vícios de cada um também são colocados sem pressa. É preciso uma certa paciência até o quinto capítulo. Porque é a partir do sexto que o enredo engrena e as inúmeras pontas soltas iniciam um entrelaçamento repleto de situações bem escabrosas. Passados obscuros vêm à tona e a hipocrisia que reina naquele interior do Rio de Janeiro vai se tornando cada vez mais incomodamente visível. E o elenco, também aos poucos, vem ganhando destaque e ótimas cenas. Muito inteligente, inclusive, exibir 'spoilers' de menos de dois segundos em alguns momentos, atiçando a curiosidade de quem assiste. São sequências muito curtas, mas impactam.

Débora Falabella está impecável na pele da submissa Isabel e o desfecho da personagem honra o talento da intérprete que domina sua última cena com uma total entrega. Murilo Benício é outro nome que merece elogios pela sua composição precisa do frio Adriano. Mariana Ximenes é um dos destaques da minissérie interpretando uma mulher à frente do tempo que foi escrita especialmente para ela por Ricardo Linhares. A sensual Adalgisa não existe no livro de Edney e profere as frases mais sarcásticas da história. O grande Antônio Fagundes também brilha na pele do misterioso Ubiratan e o trio formado com os meninos funciona. As investigações de um idoso com duas crianças promovem momentos inusitados. Paulo Rocha impressiona com sua expressão de psicopata ---- é até difícil identificar o ator como o violento açougueiro Joel. Enzo Romani vive um ótimo momento como o arrogante Renato;  Eike Duarte convence vivendo o provocador Antônio; e Jonas Bloch mostra o competente ator que sempre foi na pele do bispo Dom Tadeu. Renato Borghi, Lidi Lisboa (madre Maria Rosa), Gabriel Braga Nunes (Geraldo), Gabriel Falcão (Edson), o saudoso Leonardo Machado (Rodolpho), Vitor Thiré (Danilo), Marcela Fetter (Cecília) e Antônio Grassi são mais alguns nomes que merecem menção.

Já as três crianças seguram bem todas as cenas, inclusive as mais tensas. Xande Valois e João Gabriel D`Aleluia formam uma bonita parceria, enquanto Xande tem uma evidente química com Jullia Svacinna. Aliás, as breves sequências românticas de Eduardo e Vera Lúcia transbordam pureza em meio a vários acontecimentos repletos de sujeira na minissérie. As participações especiais são breves, mas significativas. Vide a luxuosa presença de Ruth de Souza em apenas um episódio como avó de Paulo. A sua curta cena com João Gabriel expôs todo o sentimento daquela senhora conhecendo seu neto. E Betty Faria só entra no penúltimo capítulo, porém, as sequências da cafetina Hanna Wizoreck com Ubiratan e Adriano são ótimas. O sempre elogiado Milton Gonçalves narra a história com maestria e o ator só aparece no final. Mas emociona.

"Se Eu Fechar os Olhos Agora" é uma produção de extremo capricho e a Globo acertou em cheio quando resolveu exibi-la na sua grade. Vale lembrar que a minissérie estreou no Now, serviço de streaming do canal a cabo Net, ano passado e foi disponibilizada na íntegra na Globo Play ---- plataforma da emissora na internet ---- no dia 8 de abril. A obra de Edney Silvestre ganhou uma adaptação inspirada de Ricardo Linhares, cujo desfecho conseguiu surpreender, emocionar e não fantasiar em cima de tradicionais finais felizes.