quarta-feira, 3 de maio de 2023

"Todas as Flores" comprova que núcleos paralelos sempre serão o ponto fraco de João Emanuel Carneiro

 A atual novela do Globoplay vem fazendo um merecido sucesso. "Todas as Flores" tem liderado os acessos na plataforma de streaming da Globo desde que a segunda parte estreou, após um hiato de três meses por conta do "BBB 23". A trama expõe o que João Emanuel Carneiro tem de melhor: a habilidade em criar um suspense que envolve o público no enredo central, além de suas carismáticas vilãs louras. Porém, a produção também tem reforçado o que o autor tem de pior: as histórias paralelas. 


O folhetim, vale lembrar, foi planejado para televisão aberta. No entanto, a Globo mudou os planos e decidiu transformar os 175 capítulos do enredo em 85 e colocá-lo como um produto exclusivo do Globoplay. O intuito era seguir com as novelas inéditas na plataforma, após o imenso sucesso de "Verdades Secretas 2", que marcou a estreia da leva de folhetins exclusivos. A mudança repercutiu nas redes sociais e na imprensa. Alguns jornalistas consideraram até uma espécie de rebaixamento ou um desrespeito com a carreira do escritor. Mas a verdade é que João tirou a sorte grande. Todo novelista sonha com uma trama mais curta e até hoje o desejo não foi (e nem será) realizado na grade da emissora por questão de gastos.

A redução de capítulos implicou na mudança na narrativa e no destaque de alguns personagens, o que ficou visível. E justamente por conta disso que João Emanuel Carneiro se beneficiou. Os núcleos secundários perderam relevância, o que é ótimo no caso do autor.

Porém, ainda assim, as tramas paralelas se mostram desinteressantes e prejudicam o conjunto da obra. Embora carismáticos e bem interpretados, os personagens protagonizam situações repetitivas e a função da comicidade nunca foi alcançada. Há uma quebra brusca de ritmo quando qualquer um aparece e a vontade de adiantar as cenas é grande. 

A família de Oberdan (Douglas Silva) representa uma espécie de fetiche de João Emanuel Carneiro: o homem que não resiste e trai a esposa com várias mulheres. No caso, há até um desserviço em torno do 'priapismo'. Embora o nome da enfermidade ---- que consiste em ereções involuntárias e dolorosas ---- não seja citada de forma explícita, acaba o tempo todo sendo mencionada subliminarmente como uma espécie de justificativa para as traições do pagodeiro. O personagem protagoniza quase sempre a mesma situação, que resulta em barracos com a mulher, Jussara (Mary Sheila). Para culminar, o filho do casal, Celinho (Leonardo Lima Carvalho), é um menino tímido que se orgulhava da virgindade até transar com Brenda (Heloísa Honein) e se dizer 'abusado' por ela. A única transa com a interesseira provoca uma mudança radical em sua personalidade: se transforma em um galinha feito o pai. As cenas são constrangedoras de tão ruins. Aliás, Brenda é uma clara reedição da Suellen (Isis Valverde), de "Avenida Brasil" ---- mas, embora muito bem interpretada por Heloísa, uma grata revelação, a personagem não desperta interesse porque está sempre inserida na mesma situação: querendo pegar qualquer homem que apareça na sua frente.

Outro núcleo secundário que se esgota pela repetição é o da Gamboa, bairro boêmio conhecido do Rio de Janeiro. A família de Darci (Xande de Pilares) nunca protagonizou conflitos interessantes e todas as situações criadas para a comicidade não atingem o objetivo. Chininha (Micheli Machado) sempre sonhou em ser atriz e acabou traindo o marido com o malandro Joca (Mumuzinho), um aproveitador de mulheres que se escorava no dinheiro de Mauritânia (Thalita Carauta), irmã de Chininha. A ex-prostituta e atriz pornô largou o 171 depois que herdou a fortuna de Raulzito (Nilton Bicudo), mas o sujeito acabou indo morar na casa de Darci, que aceitou o chifre sem problemas. Há ainda a matriarca, Darcy, vivida pela ótima Zezeh Barbosa, e Javé (Jhona Burjack), filho de Darci com Patzy (Suzy Rêgo). Infelizmente, os personagens nunca despertaram interesse. A exceção era Mauritânia, que roubou a cena na primeira parte, exibida ano passado, e virou um dos trunfos de "Todas as Flores", principalmente porque passou a integrar o núcleo central. No entanto, na atual segunda parte, a personagem se apagou quando se interessou pelo sobrinho, Javé. Agora apenas protagoniza cenas de beijo com o rapaz e caiu muito fácil no golpe de Humberto (Fábio Assunção), que roubou sua herança. Aparece bem menos. É preciso citar também a ótima dobradinha que Thalita fazia com Suzy Rêgo anteriormente e que perdeu força. Suzy tem sido bem desvalorizada.

O fato é que o autor sempre tropeçou em seus enredos paralelos. "Da Cor do Pecado", "Cobras & Lagartos", "A Favorita" e "A Regra do Jogo" foram novelas com enredos centrais ótimos e secundários muito ruins. No caso de "Segundo Sol", João fracassou até no enredo principal e pouco se salvou de seu pior folhetim. Já em "Avenida Brasil" houve um inédito conjunto de acertos, onde até mesmo as histórias dos coadjuvantes eram divertidas --- embora o núcleo Cadinho (Alexandre Borges) tenha sofrido uma avalanche de críticas. 

Com a ida de "Todas as Flores" para o streaming, era esperado que os conflitos secundários fossem extintos e apenas o principal fosse contado. Mas ficou evidente que a alteração ficou apenas no quesito tempo de tela. Caso a novela estivesse na grade da Globo, os núcleos de Oberdan e Darci teriam muito mais destaque, o que seria bem pior para a produção. É importante ressaltar que a atrativa saga de Diego (Nicolas Prattes) não se enquadra em história secundária porque está diretamente ligada ao pilar do folhetim, que é a organização criminosa que trafica crianças e pratica trabalho escravo. 

João Emanuel Carneiro é um autor talentoso e não precisa mais provar nada para ninguém. O sucesso de "Todas as Flores" é merecido e marca a volta em grande estilo do autor, após o fracasso da problemática "Segundo Sol". Ainda assim, a atual novela do Globoplay deixa explícita a dificuldade do escritor em criar tramas paralelas tão envolventes quanto as centrais. Pelo visto, sempre serão seu ponto fraco. 

11 comentários:

  1. Disse tudo o que eu gostaria de dizer ao autor da novela.

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  2. Sim, é preciso que os núcleos paralelos recebam a mesma atenção e cuidado que o principal. Mas eu não sou fatalista, acho que as coisas podem mudar. E desejo que o autor vença esse desafio.


    Beijão

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  3. De fato João Emanuel Carneiro poucas vezes (ou quase nenhuma) acerta na construção das tramas paralelas de suas obras, recheadas de sequências constrangedoras e sem a menor comicidade. Reconheço o enorme sucesso de "Avenida Brasil" (2012), embora nunca a tenha considerado uma das melhores novelas a que assisti. Você pode até discordar do que direi, Sérgio, mas na minha humilde opinião, um ou outro núcleo paralelo de "Avenida Brasil" era dispensável, como por exemplo, os de Cadinho (Alexandre Borges) e Suellen (Ísis Valverde), e quanto ao núcleo central, uma ou outra cena da família de Tufão (Murilo Benício) não me agradava. E um dos maiores vícios e desserviços de condução de narrativa por parte do autor é a abordagem de relacionamentos homoafetivos, sugerindo a "conversão" para a heterossexualidade de um ou outro personagem destacado em tal trama.

    Guilherme

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  4. Não importa ,eu quero ver a segunda temporada pq eu amei,coloquem logo a nossa disposição, quero ver o final,parabéns pelo trabalho,essa série é para os críticos que não conseguem se imaginar seja em qual for os personagens,...

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  5. Eu adoro essa novela! Quem está na hora de se aposentar é a Glória Perez!

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  6. Concordo , aliás que novela péssima está da glória Perez, não consegui assistir a nenhum capítulo, novela.confusa, sem enredo, sem sal ,horrível mesmo

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  7. Gostei muito de sua análise!

    Bom fim de semana!
    Ane/De Outro Mundo :)

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  8. Oi, Sérgio!

    Vc é excelente em explicar tudinho, mas eu como portuguesa fico em desvantagem. Pode ser que um dia, ela apareça por cá.

    Beijos,

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  9. Eu gostava de todos os núcleos de Avenida Brasil, até do Cadinho (só ficou ruim depois que ele ficou pobre). Das outras novelas concordo que eram ruins, será que a solução não seria chamar colaboradores pra escrever núcleos paralelos?

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  10. Resenha impecável. Adorei!

    Boa semana!

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    Até mais, Emerson Garcia

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  11. adoro os atores, mas a trama desse núcleo era sofrível. beijos, pedrita

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