A novela das seis, escrita por Mário Teixeira e dirigida por Allan Fiterman, chegou ao fim nesta sexta-feira (17/03). A produção teve uma audiência satisfatória e o carisma dos personagens, somado ao bem escalado elenco, foi o maior acerto da história. Foi um folhetim leve e com muitas cenas divertidas, protagonizadas principalmente nos núcleos secundários. No entanto, houve uma falha grave no desenvolvimento do enredo, que andou em círculos durante quase todo o período de exibição.
Mário Teixeira não é um autor iniciante. Já trabalhou como colaborador de vários escritores na Globo, mas "Mar do Sertão" foi sua quarta novela como autor solo. E seu saldo não é positivo. "Liberdade Liberdade" (2016) foi a única que teve melhores desdobramentos, mas o roteiro era de Márcia Prattes, que foi retirada do projeto pela Globo e Mário foi escolhido para assumir. Já "I Love Paraisópolis" (2015) ---- escrita com Alcides Nogueira ---- e "O Tempo não Para" (2018) foram dois folhetins das sete que 'morreram' com um mês de exibição. Ou seja, o autor resolveu tudo em duas semanas e depois ficou sem história para contar, se aproveitando de situações pontuais nos núcleos secundários. Ironicamente, o erro foi repetido pela terceira vez porque foi exatamente o que aconteceu com "Mar do Sertão".
A história apresentou um dos mais conhecidos clichês da teledramaturgia: o mocinho que protagoniza um triângulo amoroso, sofre um acidente, é dado como morto e volta para se vingar. Mas o escritor resolveu tudo em menos de um mês. Zé Paulino (Sérgio Guizé) sofreu um acidente enquanto estava com Tertulinho (Renato Góes) e desapareceu nas águas. Pouco tempo depois, o vilão descobriu que o rival não tinha morrido e foi até o hospital para matá-lo.
Pensou que tinha conseguido, mas o herói escapou. Candoca (Isadora Cruz) ficou desolada, mas ninguém viu a reação da mocinha com a trágica notícia porque houve um atropelo de acontecimentos. Uma passagem de tempo de um ano para que Candoca se casasse com Tertulinho destruiu a narrativa. No dia do casamento, Zé Paulino voltou para a fictícia cidade de Canta Pedra e presenciou a cerimônia.O telespectador nunca soube como o protagonista se recuperou, conseguiu sobreviver durante meses e nem o seu plano de vingança. Mais dez anos se passaram e o rapaz retornou milionário. Isso tudo em uma semana. Como ficou rico? Ninguém soube. Zé se indignou porque o seu pai foi demitido e expulso das terras do coronel Tertúlio (José de Abreu), mas nunca o visitou durante todo o tempo em que esteve ausente e ainda perdeu seu progenitor. O público também nem viu o pobre homem falecer. O autor não se preocupou com nenhum momento de maior impacto da narrativa. Todos os instantes considerados de grande emoção foram descartados.
E a volta de Zé Paulino foi xoxa, capenga, desinteressante e decepcionante. Um verdadeiro anti-clímax. Nem pareceu que o protagonista ficou dez anos dado como morto. O único personagem que teve um choque plausível com o retorno foi o hilário Timbó (Enrique Diaz). Já os demais reagiram com uma naturalidade assustadora. A sensação era de que Zé voltou de uma longa viagem de férias e não de uma falsa morte. Em qualquer folhetim minimamente bem estruturado, o retorno do personagem principal seria perto da metade da novela, após muita expectativa para provocar a ansiedade do telespectador. Mário não quis nada disso. Preferiu colocar o retorno da forma mais boba e apressada possível. E o retorno não mudou a trama em nada. A história seguiria da mesma forma com ou sem Zé Paulino ali.
Até o vilão se enfraqueceu na novela. Tertulinho era o grande atrativo das primeiras semanas pelo seu deboche e cara de pau. Mas com a volta de Zé Paulino, o personagem perdeu a relevância e ficou jogado na história planejando pelos cantos assassinar o mocinho. O pior é que o protagonista ficou a novela quase toda querendo saber quem tentou matá-lo. A ponto de trazer a médica que cuidou dele (e conheceu o sujeito que tinha tentado assassiná-lo) para Canta Pedra com o intuito de reconhecer o criminoso. E não deu certo porque foi ameaçada e fugiu da cidade. Algo que abusou da inverossimilhança. Por que diabos Zé não mostrou uma foto de Tertulinho para ela? Não existe Google? A situação tosca causou a impressão da novela ser de época. Mas houve até uma esperança do roteiro andar quando Tertúlio contou que os rivais eram irmãos de sangue para acabar com a pancadaria protagonizada por ambos. As cenas foram ótimas e deram um fôlego ao enredo. Mas não durou muito. A história seguiu a mesma diante daquela informação e os núcleos secundários continuaram funcionando como maior atrativo.
Deodora (Deborah Bloch) foi outra vilã que não disse a que veio. Pareceu uma figurante. Passou a novela toda fazendo mil ameaças e nada fez. O único momento que deu um pouco de destaque para a ex de Tertúlio foi quando iniciou um caso com Pajeú (Caio Blat). Mas vilania mesmo nunca praticou. Ficou na promessa, o que foi uma pena por conta do talento desperdiçado de Deborah Bloch. Já Candoca e Zé Paulino foram mocinhos que transbordaram química, mas não tiveram grandes conflitos e acabaram ofuscados pelos demais personagens. Até porque a tal vingança prometida do mocinho nunca aconteceu. Não se vingou de ninguém e nem ajudou o melhor amigo Timbó a sair da condição miserável em que vivia com sua família, mais uma situação que não deu para entender. O carismático personagem só melhorou de vida quando descobriu petróleo em suas terras, o que rendeu sequências maravilhosas.
Aliás, como já mencionado, os perfis secundários levaram a novela nas costas. Timbó foi brilhantemente interpretado por Enrique Diaz, que fez uma parceria muito bem-sucedida com Clarissa Pinheiro, intérprete de Teresa. E o que comentar sobre Sabá Bodó e Nivalda? O casal 171 protagonizou as sequências mais impagáveis da trama. Welder Rodrigues e Titina Medeiros deram um show. É preciso destacar também outra personagem que roubou a cena e virou quase protagonista: Xaviera. Giovana Cordeiro viveu seu melhor momento na carreira e se entregou tanto nas situações cômicas quanto nas dramáticas. A ex-prostituta, Timbó e Sabá foram os melhores personagens da novela. Mas os núcleos paralelos eram recheados de bons perfis. Thardelly Lima esteve ótimo na pele do agiota Vespertino; Odilon Esteves ganhou destaque como o tímido advogado Firmino; Leandro Daniel divertiu como o delegado Floro Borromeu; Pedro Lamin e Theresa Fonseca conquistaram o público com o casal Maruan e Labibe; Mariana Sena foi uma grata surpresa como Lorena; Nanego Lira se saiu muito bem como o padre Zezo; Suzy Lopes esbanjou carisma na pele da fofoqueira Cira; José de Abreu formou um belo par com Heloísa Jorge ---- já perto da reta final, com o romance de Tertúlio e pastora Dagmar ----; Ana Miranda convenceu como a empregada Ismênia; Ju Colombo aproveitou bem a comicidade de Quintilha; e Marco França fez sucesso como o matador Fubá Mimoso. É preciso ainda destacar o talento do time infantil: Miguel Venerabile (Joca), Enzo Diniz (Manduca) e Theo Matos (Cirino) formaram um trio incrível.
No entanto, até nos núcleos secundários os problemas de desenvolvimento eram visíveis. Vários perfis apareciam e sumiam repentinamente. Não houve um fio condutor. Os personagens eram usados para alguma esquete semanal e depois ficavam desaparecidos por um tempo. A grande maioria não tinha um arco narrativo e os conflitos próprios eram raros. Só serviam mesmo para protagonizar situações cômicas, ainda que deliciosas. Jessilaine destacou o talento de Giovanna Figueiredo, uma grata revelação, mas a filha de Sabá Bodó e Nivalda ficou jogada na história. Eli Ferreira esteve excelente na pele da arrogante Laura e seu péssimo humor era um dos maiores atrativos. No entanto, a personagem virou vilã do nada, depois desapareceu e só voltou na última semana para ser vítima de um atentado planejado por Deodora. Joel Leiteiro (Matteus Cardoso) e Anita (Julia Mendes) eram um delicioso casal, mas ficaram a trama toda sem função e só tiveram cenas relevantes na reta final. Sara Vidal também poderia ter rendido muito mais na pele da professora Rosinha. Érico Brás foi mais uma vítima do sumiço dos personagens, já que o jornalista Eudoro mal apareceu. Cesar Ferrario e Quitéria Kelly divertiram como o casal Zahym e Latifa, mas o par ficou deslocado por boa parte do tempo. Já Caio Blat mostrou uma nova faceta na pele do assassino Pajeú, porém o jagunço desapareceu em vários momentos e sem explicação alguma. Déo Garcez (Catão), Cosme dos Santos (Janjão) e Marcelo Mello Jr. (Vanclei) foram outros nomes desperdiçados.
A reta final reforçou todos os pontos negativos da novela. Não houve nada de relevante. A ausência de enredo na trama central se expôs ainda mais. O autor precisou repetir exaustivamente vários planos para matar Zé Paulino. A história inteira se resumiu a isso. Tanto que Fubá Mimoso tentou novamente acabar com a vida do mocinho a mando de Tertulinho e depois acabou se aliando ao mocinho. Até Deodora, que ficou a história toda sem agir, resolveu assassinar Zé no último capítulo. Situações que só provocaram exaustão no telespectador. O roteiro andou tanto em círculos que não teve como despertar empolgação ou emoção no final. No entanto, houve uma surpresa: Tertulinho acabou assassinado por Deodora durante o jantar que a vilã promoveu para matar Zé Paulino envenenado. Um clichê já visto em muitas novelas, cuja maior referência é a antológica cena protagonizada por Débora (Ana Lucia Torre), em "Alma Gêmea" (2005). Pena que o contexto para a sequência acontecer tenha sido tão absurdo. Como Zé e Candoca aceitaram confraternizar com uma mulher que os odiava? Não deu para engolir. O pior é que o autor novamente se mostrou inimigo das catarses porque eliminou as reações de Tertúlio e Xaviera com a morte do vilão. Momentos que destacariam o talento de Giovana Cordeiro e José de Abreu.
Já a melhor personagem teve o melhor final. Xaviera teve um momento de pura sensibilidade na igreja, quando falou sobre a importância de se amar e não achar a solteirice algo ruim. A igreja florescendo como um sinal de aprovação da Virgem Maria para sua decisão emocionou. E que sacada genial colocá-la sendo a nova prefeita de Canta Pedra com direito a uma cerimônia de posse igual a do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, repleta de representatividade. Também merece elogio o desfecho de Sabá Bodó e Nivalda, presos pela polícia, mas felizes para sempre ---- com direito a uma hilária homenagem a Welder relembrando o Jorge Beviláqua, personagem vivido por ele no humorístico "Tá no Ar", quando Eudoro disse: "Foca em mim!". E a última sequência primou pela delicadeza com todos os personagens reunidos para a inauguração do açude de Timbó, irrigando toda a cidade vitimada pela seca. Foi muito bonito. E a diversão ficou por conta dos repentistas que cantaram todas as músicas criadas por eles ao longo dos meses e acompanhados de toda a equipe da trama.
"Mar do Sertão" elevou os índices da faixa das 18h da Globo e cumpriu sua missão. A direção de Allan Fiterman merece um elogio à parte e a ideia de dois repentistas ---- Totonho (Juzé) e Palmito (Lukete) ---- serem os responsáveis pelo resumo do capítulo do dia seguinte transbordou genialidade. Foi uma novela agradável e repleta de personagens carismáticos, que ajudaram a camuflar a falta de enredo. Mas Mário Teixeira precisa urgentemente mudar sua forma de desenvolver um folhetim. Nenhuma produção pode ser sustentada apenas pelos núcleos secundários. O público merece um trabalho bem feito também na trama central.
Sempre cirúrgico! Concordo com todas as suas palavras.
ResponderExcluirPerfeito. A novela divertia, mas nunca teve um enredo. Era sempre a mesma coisa e me surpreendeu a Kogut nao ter falado nada a respeito disso.
ResponderExcluirExistem novelas que se mostram erráticas em muitos elementos do conjunto geral e dessa forma permanecem ao longo dos meses em exibição nas emissoras de televisão. "Mar Do Sertão" (2022) não é uma exceção. O folhetim teve seus encantos, como alguns personagens coadjuvantes e os repentistas. Mas não há como negar que, assim como Claudia Souto, Mário Teixeira precisa rever a maneira de conduzir uma narrativa, sobretudo no tocante às tramas dos núcleos centrais de suas obras.
ResponderExcluirGuilherme
Olá, tudo bem? Confesso que não fiquei envolvido com a novela. Welder Rodrigues sempre me remetia ao Tá no Ar... Enfim... A novela não foi um desastre, como Travessia... Terminou com a missão cumprida. Abs, Fabio www.blogfabiotv.blogspot.com.br
ResponderExcluirSem falar no hospital que nunca saiu do papel. O povo de Canta Pedra, continuou sem assistência. E as mudanças prometidas por Zé Paulino?? Os autores estão deixando muito a desejar.
ResponderExcluirEu fico impressionada com o descuido dos autores, especialmente nesses tempos de concorrência feroz com outros meios de entretenimento. Ainda bem que os personagens secundários fizeram bem a parte deles.
ResponderExcluirBeijão
Como nos divertimos com personagens hilarios,vide repentistas,Saba,fuba,timbo(o melhor de todos)vou sentir falta da novela.
ResponderExcluirComo sempre uma análise perfeita.
ResponderExcluirUm grande abraço e bom Domingo
Achei uma novela deliciosa de acompanhar, leve, divertida, assuntos pertinentes, uma direção, elenco e produção, primorosos, fabulosos, diante de tantas coisas chatas e cansativas q existem. Parabéns a todos os envolvidos 👏amei!
ResponderExcluirAmei o timbo vai deixar saudades meu marido amava o timbo .
ResponderExcluirMar do Sertão, deixou saudades!
ResponderExcluirUma novela divertida!!!
Boa semana de paz, Sérgio!
Um abraço.
Um primor de novela. Concordo com tudo que você relatou aqui.
ResponderExcluirBoa semana!
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Até mais, Emerson Garcia
Isadora Cruz foi uma grata revelação como Candoca. Mas a mocinha era perfeita demais e cansava o telespectador. Inclusive, pouco fez dentro da novela. Muitas vezes parecia uma coadjuvante.
ResponderExcluirValeu, anonimo.
ResponderExcluirTb me surpreendeu, Gabi.
ResponderExcluirPerfeito, Guilherme.
ResponderExcluirSem problemas, Fabio.
ResponderExcluirBoa lembrança, anonimo.
ResponderExcluirBjs, Marly!
ResponderExcluirIsso sim, anonimo.
ResponderExcluirBjs, Maria.
ResponderExcluirFoi uma novela agradável, anonimo.
ResponderExcluirTimbó era incrível, anonimo.
ResponderExcluirBjs, Fatyma.
ResponderExcluirAbçs, Emerson.
ResponderExcluirIsadora foi mt bem, anonimo, mas a mocinha era mt chata.
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