"Malhação - Vidas Brasileiras" falha na construção de todos os casais

A atual temporada de "Malhação" já merece ser considerada uma das piores da história do seriado adolescente. A tentativa de copiar o esquema da trama canadense "30 Vies", que apresentava um novo enredo a cada quinze capítulos, não deu certo e fica impossível o público ter qualquer empatia pelos personagens. O resultado é uma história rasa, forçada e desinteressante. Para culminar, a autora ainda fracassou na construção de absolutamente todos os casais de "Vidas Brasileiras".

Na verdade, a ausência de romances bem construídos é consequência de um roteiro limitado. Não há qualquer personagem carismático na trama, o que nunca aconteceu em 26 temporadas. Mesmo nas fases mais fracas, havia pelo menos um casal atrativo ou um perfil que roubava a cena. Não há nada disso agora. Então, é até compreensível a inexistência de pares que despertem algum tipo de torcida ou empatia.

Os protagonistas, por exemplo, formam um casal que provoca tédio. A intrometida professora Gabriela (Camila Morgado) e o apático Rafael (Carmo Dalla Vechia) sempre foram apaixonados, mas nunca conseguiram firmar a relação por conta de imprevistos do cotidiano. Os dois seguiram suas vidas e se reencontraram no início da história.
Porém, ela se casou e teve três filhos. E acabou traindo o marido com o ex. Para não prejudicar a imagem da heroína, a autora inventou recentemente um passado onde o esposo Paulo (Felipe Rocha) foi o responsável pela interceptação das cartas amorosas que Rafael enviava para Gabi, com o apoio da sogra. Nada desse conflito atrai e fica a cada dia mais cansativo. Ou seja, não adiantou inovar colocando dois atores mais experientes para protagonizar um seriado adolescente.

Mas as relações dos jovens não são diferentes. O triângulo inicial formado por Alex (Daniel Rangel), Pérola (Rayssa Bratillieri) e Maria Alice (Alice Milagres) foi uma clara tentativa da autora em reeditar o trio insosso de "Malhação - Casa Cheia" ----- Ben (Gabriel Falcão), Anita (Bianca Salgueiro) e Sofia (Hanna Homanazzi) ----, também escrita por ela, em 2013. E Patrícia conseguiu criar uma situação ainda mais rasa que a anterior. Os perfis não apresentam qualquer construção e mudam de acordo com a necessidade do roteiro. Pérola até parecia um tipo complexo no começo, mas não demorou para se mostrar tão superficial quando os demais.

Alex é um rapaz que aparenta integridade em alguns momentos e em outros se revela um cretino. Isso não tem nada de dubiedade, pois são ações que soam sempre gratuitas. Se apaixonou subitamente por Maria Alice e não se incomodou em trair Pérola, mesmo a patricinha passando por um dos piores instantes de sua vida, com o pai indo preso e a mãe ficando endividada. Nunca foi possível torcer por ele e a filha da empregada. Até mesmo o romance dos dois aparece pouco em virtude do foco semanal em algum conflito específico, sempre priorizando um personagem que tem seu problema magicamente solucionado em menos de dez dias. Para culminar, Pérola e Maria ficaram amigas e ele se interessou por uma menina em uma balada (vivida por Carla Diaz), sem se importar muito com a atual namorada.

Outra relação equivocada é a protagonizada por Tito (Tom Karabachian) e Flora (Jeniffer Oliveira). Os dois logo se mostraram perdidamente apaixonados no começo da trama e não houve qualquer desenvolvimento. Ainda assim, o romance nunca chegou a vingar de fato por conta do ciúmes que ela tinha de Jade (Yara Charry). O par também não teve uma boa sintonia. Os dois terminaram e pouco tempo depois ele se envolveu com a mesma Jade. Outro casal que não funcionou. Aliás, a cena da quase primeira vez de Tito com Jade chegou a ser constrangedora de tão artificial. O menino, então, terminou o relacionamento e se reaproximou de Flora. Vale citar o período em que Flora se envolveu com Érico (Gabriel Fuentes), garoto problemático que sempre gostou dela. Até sequestrada em uma Instituição para Menores Infratores ela foi, expondo o absurdo do roteiro. Mais uma trama forçada que não despertou interesse.

Verena (Joana Borges) e Hugo (Leonardo Bittencourt) também fazem parte da lista de romances equivocados. A menina foi abusada sexualmente pelo professor da escola e sofreu um trauma imenso. Já o rapaz tentou forçar uma transa com ela, o que só piorou o estado emocional da aluna. E como todos os conflitos e dramas da temporada só podem durar pouco tempo, esse sofrimento de Verena sumiu assim que o abusador acabou desmascarado e expulso da escola. O que ela fez então? Continuou o namoro com Hugo e as cenas eram romantizadas pela escritora, esquecendo que o público já havia visto ele tentando forçar relações. Depois, todavia, Patrícia parece ter se lembrado do ocorrido e o transformou em um machista. Ele não queria mais que a namorada andasse de saia curta ou treinasse com as amigas. O absurdo do contexto é que o mesmo garoto participou de um protesto com os demais alunos contra o professor abusador. Pelo menos esse relacionamento já acabou.

Infelizmente, o número de pares ruins é grande. Kavaco (Gabriel Contente) e Amanda (Pally Siqueira) não têm a menor química e a relação não foi explorada nem quando ele era o perfil central, pois o namoro não havia iniciado. Agora, ambos têm algumas breves cenas e todas sem empolgar. Se sumissem da história, inclusive, seria difícil de notar. O único casal que poderia render no roteiro era o formado por Pérola e Márcio (André Luiz Frambach). Porém, até esse a autora consegui falhar. Primeiramente na forma como começou. Os dois se esbarraram na rua, trocaram ofensas e ele logo a puxou para um beijo. Nunca tinham se visto na vida. Em um momento onde um beijo no rosto de uma repórter provoca indignação e reclamações de assédio, a situação foi surreal. Neste caso, todavia, há química entre os atores. O problema é justamente o desenvolvimento errôneo. Até mesmo a abordagem artificial e caricata da bulimia de Pérola prejudicou o romance, uma vez que o nível da doença chegou ao máximo em poucos dias e ele só foi se importar quando ela já estava quase morta. Por sinal, vale o adendo: até a relação de amizade entre todos os personagens não convence. Os vínculos soam falsos. A impressão passada é de meros conhecidos que conversam de vez em quando.

Enfim, não faltam problemas em "Malhação - Vidas Brasileiras" e o fracasso de todos os pares românticos é o reflexo da superficialidade do enredo de Patrícia Moretzohn, que não conseguiu construir bons personagens e muito menos desenvolver conflitos de forma consistente. Ela já havia falhado nesse sentido em "Malhação - Casa Cheia", mas na temporada de 2013, pelo menos, a autora conseguiu criar o apaixonante romance de Micaela (Laís Pinho) e Martin (Hugo Bonemer), que roubou a cena. Agora nem isso.