Não é fácil inserir tantas temáticas em um enredo ficcional sem parecer gratuito ou forçado, mas o autor vem conseguindo com louvor. Todos os dramas estão inseridos no contexto, complementando os conflitos da trama e deixando os personagens ainda mais cativantes, despertando atenção de quem assiste. A primeira situação abordada foi a gravidez na adolescência, através de Keyla (Gabriela Medvedoski), que pariu em pleno metrô de São Paulo, implicando na aproximação das cinco protagonistas.
Os problemas da menina em criar um filho sem pai e em época escolar foram o foco do começo da temporada, servindo para reforçar cada vez mais o elo do quinteto central, uma vez que todas ajudavam nos cuidados com o pequeno Tonico. Aos poucos, essa dificuldade de Keyla foi cedendo espaço para outras, que eram inseridas com o intuito de destacar outros personagens.
O racismo sofrido por Anderson (Juan Paiva), vítima do preconceito de Mitsuko (Lina Agifu), cresceu na história, expondo as dificuldades que o rapaz tinha em namorar Tina (Ana Hikari). O preconceito de classe também era um dos pilares.
A irmã de Anderson, Ellen (Heslaine Vieira), tempos depois, virou a protagonista da temática do racismo quando a menina aceitou uma bolsa de estudos na escola particular de Tina e Lica (Manoela Aliperti). Essa questão, por sinal, se misturou com o bullying através de constantes humilhações sofridas por ela no novo ambiente escolar. As patricinhas do Colégio Grupo não aceitavam a novata e demonstravam um racismo velado nos ataques, como jogar farinha na garota, por exemplo. A própria professora, a vilã Malu (Daniela Galli), deixa seu preconceito exalar quando lida com a aluna.
Dentro da questão escolar, por sinal, Cao também explorou uma situação importantíssima: as dificuldades financeiras de uma escola pública. O desabamento do telhado do Cora Coralina serviu para abordar a precariedade do ensino no país, cujos investimentos seguem escassos há séculos. A dura batalha da diretora Dóris (Ana Flávia Cavalcanti) é comovente e um claro incentivo ao melhoramento das instituições que deveriam zelar pela educação dos jovens e não deixá-los jogados, sem o mínimo de condição para um estudo digno.
A diretora, vale citar, ainda se viu envolvida recentemente em outro conflito, implicando em outra abordagem interessante: os direitos humanos e a não violência como elemento punitivo. Dogão (Giovani Gallo) era de outra escola e foi obrigado a estudar no Cora em virtude de um incêndio no antigo colégio. Problemático e agressivo, o rapaz já procurou confusão com vários alunos e colocou uma bomba no banheiro, atingindo Benê (Daphne Bozaski), que perdeu momentaneamente parte da audição. Para culminar, agrediu Dóris, a empurrando e lesionando seu braço. Os demais se indignaram com a situação e se juntaram para agredir o garoto, que se feriu. Ao mesmo tempo que tudo isso ocorria, Bóris (Mouhamed Harfouch) discursava sobre os direitos humanos. Mais um contexto bem abordado. Porém, aqui é preciso uma observação importante: a diretora não ter ao menos suspendido o aluno foi um erro do autor, pois a não punição também é um elemento que gera a criticada justiça com as próprias mãos. Ela ameaçou suspender Tato (Matheus Abreu) e K2 (Carol Macedo), por exemplo, só porque ambos foram flagrados se beijando no terraço. Se preocupar com a regeneração de Dogão é válido, mas uma punição um pouco mais severa era necessária. Apenas organizar a Biblioteca soou ridículo.
Já o autismo é exposto através da personagem mais querida e cativante da história: Benedita. A menina sofre de Síndrome de Asperger (um grau leve da doença) e o 'problema' da menina nunca foi falado explicitamente. Todos sabem que ela é diferente, mas não têm ideia do porquê. Tudo é na base da sutileza, como a sensibilidade com os sons, a dificuldade do toque e a falta de compreensão da ironia. A sua relação com Guto (Bruno Gadiol) deixou o conjunto ainda mais delicado e o próprio rapaz demonstrou não ser uma pessoa 'comum'. Em uma franca conversa com Samantha (Giovanna Grigio), declarou não gostar de sexo como os demais. Ele simplesmente não demonstra interesse em transar. Inicialmente, chegou a se pensar que o menino era gay, mas a assexualidade ou a demissexualidade (só sentir atração por quem tem um elo emocional forte) é o seu conflito.
O uso de drogas foi exibido para o público através do descontrole de Lica, que chegou a ter uma overdose após mais uma festinha regada a álcool e MD (droga conhecida como Michael Douglas). Foram cenas com altas doses de realismo, demonstrando uma louvável ousadia da trama, expondo como realmente os jovens se comportam em 'reuniões' do tipo. Já o alcoolismo foi protagonizado pelo pai de Tato, Aldo (Claudio Jaborandy), enquanto a automutilação é o drama de Clara (Isabela Scherer), que se corta cada vez que enfrenta alguma briga familiar. E até a delicada questão do abuso sexual e do assédio foi explorado na história através de K1 (Talita Younan), que emocionou a todos nos capítulos mais recentes. Enfim, o que não falta é tema relevante no enredo.
"Malhação - Viva a Diferença" é uma temporada que já está na lista das mais marcantes e uma das suas várias qualidades é essa importante e bem explorada abordagem de conflitos reais. O chamado 'merchandising social' é o que mais tem na história escrita por Cao Hamburger e todos os problemas são inseridos com competência, engrandecendo os personagens e deixando a trama atrativa. É o popular 'unir o útil ao agradável'.
Mais um texto impecável sobre uma temporada impecável. E gostei do seu adendo criticando a punição besta do Dogão que foi mesmo um desserviço.
ResponderExcluirOlá Sérgio tudo bem???
ResponderExcluirAdorei seu post, abordou TUDO!!! Estou adorando essa temporada da Malhação, assisto todos os dias pelo globoplay, espero que a próxima temporada seja assim tão boa...
Beijinhos;
Débora.
https://derbymotta.blogspot.pt/
Diante de tantos acertos, o que fica em questão é porque a emissora não deixará a trama no ar? Copa não uma desculpa aceitável, uma vez que houve outras temporadas que passaram pela copa sem problemas. A pouca importância que a emissora deu ao longo desse tempo com a atual temporada de malhação. Temas tão reais e importantes, deveriam ser exautados pela a emissora em seus respectivos programas. Já anunciaram nova temporada e deram prazo de término para a produção Viva a Diferença. O um produto tão rico e bem elaborado, deveria ser mais valorizado, pois sim, essa é sem dúvidas, a melhor temporada em mais de duas décadas de programa. Deixará saudades. A globo ao menos poderia valorizar os atores dessa trama e contrata-los para outras produções. Pois a melhor temporada não vai durar 1 ano, uma vez que, outras inferiores duraram mais que isso
ResponderExcluirNesse quesito, considero VAD a melhor malhação de todas. A experiência de Cao com o público infanto-juvenil fez toda a diferença, uma vez que as demais temporadas tinham alguns elementos mais folhetinescos que chegavam a atrapalhar e soavam pouco críveis, como adolescentes que fingiam gravidez, subornavam médicos, se casavam nos finais de temporada, cometiam crimes dignos de vilões de novela, nunca se preocupavam com os estudos, apenas vez ou outra falavam em vestibular, enfim. Essa, como dito inúmeras vezes, retrata a adolescência real e, consequentemente, problemas reais enfrentados nessa idade. Outra coisa, os personagens são críveis. Ninguém é completamente inocente (talvez só a Benê, rs) ou completamente culpado. Até mesmo K2 tem seus motivos pra fazer as besteiras que faz, não que justifique, mas é isso. Alguns chatinhos tem reclamado da abordagem "exagerada" desses temas, mas eu acho que, como dissestes, está tudo muito bem amarrado e não soa como um merchan forçado e jogado na nossa cara, pelo contrário, todos os conflitos foram muito bem vindos e serviram para algo na história. A iniciativa de colocar uma escola pública e outra particular, sempre em contraste, embora não seja tão original, já que teve isso em Seu Lugar no Mundo (sendo que nessa, o autor achou que um dos problemas das escolas públicas seria como criar um bode no colégio), está excelente, e passa essa ideia de que o colégio não é apenas um pano de fundo, e sim, parte da vida dos alunos.
ResponderExcluirPS: A globo tá apostando forte em Vidas Brasileiras, né? Pra encurtar essa (que não é sucesso apenas de repercussão, mas de audiência tbm) e já alongar a próxima antes da estreia... Pra mim foi burrice. VAD vai deixar muitas saudades.
Ah, esqueci de falar do Dogão! De fato, foi incoerente ela ser rígida em certas ocasiões e tão molenga com ele. Óbvio que não concordo com o linchamento e tal, mas, ele merecia sim um castigo e não uma puniçãozinha. Aliás, ficou rápido demais a "rendição" dele. Do nada virou um anjinho! Único tropeço dessa temporada maravilhosa.
ResponderExcluirQue temporada bem cuidada!
ResponderExcluirSergio, essa temporada é tão impecável que já nem sabemos mais como elogiar a trama. Só acho lamentável ver a falta de uma boa divulgação da própria Globo. Dá a impressão que VAV está sendo completamente ignorada, embora as boas audiência e repercussão. Não engoli até agora a justificativa para o encurtamento da trama (Uma vez que a excelente Malhação Sonhos estreou depois da Copa e foi um sucesso) e a divulgação massiva da próxima temporada (A qual eu não boto muita fé), que além de não ser uma história original (Já que é uma adaptação de uma novela canadense), tem uma sinopse que eu só posso tecer um comentário: Dóris e os alunos do Cora Coralina mandam lembranças. Torço que essa temporada fracasse lindamente, para eu a Globo aprenda a valorizar o que é bom.
ResponderExcluirNo mais, vc fez mais uma excelente análise Sérgio sobre essa maravilha de temporada e vamos esperar o trabalho de Cao Hamburger ser valorizado em outra temporada de Malhação ou até mesmo em uma série/novela em outros horários.
Com direção artística de Paulo Silvestrini adicionado estar sendo escrita por Cao Hamburger essa temporada trata de temáticas do cotidiano, com profundo realismo, sutileza e pitadas de dureza.
ResponderExcluirQuestionamento que geralmente circundam apenas no setor teorico, ganharam vez e voz: que deixa explícito na fala dos personagens, todas as suas falhas, lacunas, preconceitos e equívocos; Bem como suas nuances e traços de humanidade e bondade.
Tão importante é que nenhum perfil em cada personagem é vilão por mero acaso ou comodidade. E nem é altruísta por benevolência.
O maniqueísmo não se faz absoluto, nem quando a bondade ou a maldade, grita na voz de algum perfil.
Oi, Sérgio como vai?
ResponderExcluirHoje estou passando para agradecer seu carinho durante o ano todo, desejo boas festas, que seu 2018 seja de alegrias, realização e paz! Agrade abraço, tudo de bom!
Olá Sérgio! Precisamos de um dicionario porque está difícil encontrar mais elogios pra essa temporada. Acabar antes com a desculpa de Copa do Mundo (Oba Copa! Sim gosto muito de futebol) não é um tiro no pé é um tiro no corpo todo e porque acabar antes se a Copa é só em Junho? Eu lembro que a casa cheia acabou poucos dias antes de começar o evento e a Sonhos estreou depois que terminou o mundial. Eu não entendo porque essa pressa de finalizar uma das melhores temporadas de todos os tempos.
ResponderExcluirAh eu não sei se é impressão minha, mas ao meu ver o Cao está falando sutilmente de politica através do Plot da Malu com os alunos do grupo.
Antes que eu me esqueça você é o melhor blogueiro de TV que existe. Quero agradecer seu carinho durante o ano, poucos blogueiros respondem aos comentários e valorizam a opinião dos leitores mesmo que às vezes elas sejam divergentes, não à toa que seu blog é o melhor. Muito obrigada, feliz natal e um próspero ano novo!
Uma temporada maravilhosa, que merece todos os elogios que vem obtendo.
ResponderExcluirConcordo Sérgio.Essa temporada é mt boa e o Cao é ótimo na abordagem de temas que ainda ajudam a movimentar a trama e enriquecer os personagens, mas em compensação ele deixa bastante a desejar no desenvolvimento dos pares românticos: Gunê foram quase que esquecidos e só aparecem em cenas com o Juca, Jotellen demorou mais de 100 capítulos para ficarem juntos e quando finalmente se desenvolvem, Ellen vai ficar com ciúmes ridículos do Fio o que não condiz com a personagem.A temporada é ótima e merece mts elogios, mas seria ainda melhor se os pares românticos fossem melhores desenvolvidos.
ResponderExcluirO Lucinho Mauro tá ótimo como Roney né? Confesso que nunca pensei!
ResponderExcluirOlá Sérgio!!
ResponderExcluirConcordo plenamente com o texto. Elogiar essa temporada já virou uma rotina, e é tudo muito merecido.
Sempre é arriscado abordar muitos assuntos em uma mesma obra, a chance que alguns (ou muitos) deles fiquem só na promessa e virem um desserviço é enorme. Felizmente não é o caso aqui. Eu fico impressionada com a quantidade e a qualidade na abordagem dos temas, todos servindo ao roteiro (quase) sem didatismo. Tirando um ou outro equívoco na condução (como esse caso citado do Dogão, ou alguns plots do Colégio Grupo, tipo o das catracas e das apostilas, que eu achei um tanto fúteis) tudo está muito bom.
E eu gostaria de engrossar o coro de insatisfação com o encurtamento dessa temporada: se a razão é a Copa do Mundo, creio que o ideal seria fazer o que foi feito em 2014: terminar a temporada em junho, tirar um mês de "férias" e começar a nova temporada depois do mundial. Na verdade eu temo uma correria com essa história de terminar em março.
No mais, é isso. Abraços!!
P.S.: Gostaria de desejar um Feliz Natal à você, sua família e aos leitores do blog!! Bjos!!
Obrigado, Brunaa.
ResponderExcluirDuvido mt que seja, Debora...
ResponderExcluirEndosso cada vírgula, Eslane.
ResponderExcluirPerfeito, Malu. E tb acho mta burrice da Globo...
ResponderExcluirSim, essa situação do Dogão ficou bem forçada...
ResponderExcluirMt bem cuidada, anonimo!
ResponderExcluirMt obrigado, anonimo. E realmente nao dá pra entender...
ResponderExcluirVerdade, Izabel.
ResponderExcluirEu que agradeço, Vane! bjs
ResponderExcluirLeitora, obrigado pelo carinho e fiquei feliz lendo seu comentário. Agradeço a sua presença aqui sempre prestigiando o blog. Honra. bjss
ResponderExcluirIsso, Chaconerrilla.
ResponderExcluirEntendo, Gustavo!
ResponderExcluirÓtimo msm, Débora.
ResponderExcluirExatamente, Germana!
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