O que aconteceu com o protagonismo de Beatriz em "Garota do Momento"?

 A atual novela das seis da Globo, escrita por Alessandra Poggi e dirigida por Natália Grimberg, está há menos de um mês de seu final. "Garota do Momento" sempre foi uma obra muito elogiada e tem méritos de sobra para tal. Não por acaso, sua audiência vem aumentando por conta da expectativa do público a respeito dos derradeiros acontecimentos vivenciados pelos carismáticos e bem interpretados personagens. No entanto, a trama vem apresentando problemas visíveis de desenvolvimento e principalmente no arco central, o que inclui a perda do protagonismo de Beatriz (Duda Santos). 

A mocinha sempre foi o ponto central do enredo, vide o título da obra e até a abertura que representa toda a saga da menina que saiu de Petrópolis em direção ao Rio de Janeiro em busca de sua mãe. A autora conseguiu honrar a importância da personagem durante boa parte do enredo, mesmo através de uma grande dose de sofrimento em cima da garota. Até porque, mesmo diante de uma sucessão de acontecimentos pesados, a protagonista nunca perdia a sua força. 

É até difícil enumerar a quantidade de situações que Beatriz já enfrentou em "Garota do Momento", mas em todos teve inteligência para lidar com os vilões, a rival e todas as pedras que foram colocadas em seus sapatos. Começou sofrendo racismo assim que reencontrou sua mãe na Perfumaria Carioca, mas virou o jogo e conseguiu uma reparação a ponto de ser contratada como garota propagada da fábrica de sabonetes.

Quase foi assassinada, mas novamente agiu com inteligência, retornou vivinha da Silva e expôs seus algozes durante um concurso no Alfredo Honório Show. Conseguiu um emprego como atriz e se tornou a primeira protagonista negra de uma novela, a versão inovadora de "Senhora". Sofreu uma nova armação em pleno folhetim com o intuito de prejudicar seu namoro com Beto (Pedro Novaes), foi parar na cadeia acusada de um crime que não cometeu, mas logo descobriu a autoria e contou ao seu namorado. Ela não era feita de idiota nunca. Estava sempre atenta a tudo ao seu redor. 

Porém, a protagonista perdeu o seu brilho justamente depois da cena mais aguardada da novela: a recuperação da memória de Clarice (Carol Castro). Isso porque, mesmo depois de todas as lembranças, a mãe seguiu priorizando emocionalmente a Bia (Maisa) e manteve de pé e armação da filha para o casamento forçado com Beto. Tudo porque ela não podia correr o risco de sofrer um ataque cardíaco. E desde então é perceptível como Beatriz deixou de enfrentar Bia e de falar mal da rival que destruiu sua vida para não magoar a mãe. A personagem até desenvolveu uma empatia com a responsável pelo furto do colar que a botou na cadeia. Outro ponto importante é que nunca teve uma cena de Beatriz agredindo Bia, mas da Bia a agredindo foram várias. E a justificativa no texto foi não colocá-la como uma 'preta agressiva'. E qual o problema ser agressiva durante uma discussão em que ambas estão se ofendendo? Se a mocinha for negra, então, nunca poderá estapear a vilã? Que novas regras são essas?

Para culminar, Beatriz perdeu tempo de tela. É perfeitamente aceitável o destaque de Bia diante da tão aguardada revelação a respeito de sua vida de mentira, onde seu pai adotivo sempre foi o biológico e ainda assassinou sua mãe verdadeira com a conivência da avó. Mas para sobressair uma não precisa apagar a outra. E é o que vem acontecendo há muitas semanas. Fora as várias conveniências de roteiro que beneficiam Bia o tempo todo, incluindo o sumiço da asma da protagonista. Vale lembrar que a filha de Clarice tem uma doença tão grave quanto qualquer problema cardíaco. E vivia com falta de ar quando passava por alguma situação tensa. Agora, a mocinha não tem mais nada e o motivo é claro: Clarice está voltada para a recuperação de sua 'estrelinha', assim como todos os demais personagens, o que soa ridículo diante de todas as armações praticadas por ela até hoje. Um telespectador desavisado vai achá-la um poço de bondade do tanto que os outros se preocupam com sua saúde. 

É importante observar também que vários outros perfis sofreram apagamentos ao longo da história nos últimos meses, como Glorinha (Mariana Sena), Ulisses (Ícaro Silva), Eugênia (Klara Castanho), Vera (Tatiana Tibúrcio), Guto (Pedro Goifman), Anita (Maria Flor), Ana Maria (Rebeca Carvalho), entre tantos mais. É até normal personagens secundários terem momentos de destaque e outros nem tanto em qualquer novela longa, mas foi algo bastante perceptível na atual trama das seis. Só que o caso da mocinha é o mais grave porque é o motriz do enredo e vinha sendo muito bem desenvolvida. Sempre deu gosto torcer pela Beatriz. A menina é apaixonante, bem escrita e vem sendo interpretada por uma irretocável Duda Santos, que encara sua terceira novela transbordando talento. O público nas redes sociais vem protestando e exigindo a volta do protagonismo da garota do momento e com razão. Isso também só ocorre porque a mocinha deu certo e caiu no gosto popular. Os telespectadores teriam comemorado a perda de destaque diante de uma personagem mal interpretada ou com uma trama fraca. Mas não é o caso. 

Beatriz é uma protagonista carismática e muito bem defendida por uma atriz que valoriza todas as suas cenas. É lamentável essa perda de destaque. A impressão é que a menina era mais feliz e ativa quando a mãe não se lembrava dela. Há uma relação de dependência emocional nociva, onde a filha está sempre mendigando migalhas de afeto de Clarice, o que a fez se anular. Ela parece até sem forças nas poucas cenas em que tem aparecido. Precisa voltar a ser a garota do momento para o bem da novela e do público.