"Passaporte Para Liberdade": uma minissérie que esbanja capricho

 No dia 20 de dezembro, a Globo estreou, pouco depois da meia noite, uma de suas produções de mais alto padrão: "Passaporte para Liberdade". Chamada anteriormente de "O Anjo de Hamburgo", a minissérie de oito capítulos precisou interromper suas gravações por conta da pandemia do novo coronavírus e retomar quase um ano depois para a finalização. A trama marca a primeira parceria entre a emissora e a Sony Pictures, que produziram tudo em conjunto e o canal internacional é o responsável pela venda para o mercado exterior. 

A minissérie mergulha na história de Aracy de Carvalho (Sophie Charlotte), uma mulher forte, determinada e, acima de tudo, justa. À primeira vista, ela passaria despercebida à maioria dos olhos. Simples e sem holofotes, Aracy nunca buscou por títulos ou reconhecimentos. Em 1935, a brasileira, divorciada de seu primeiro marido e com um filho pequeno, Eduardo Carvalho, vai para a Alemanha em busca de trabalho e não tarda em conseguir um cargo no consulado brasileiro em Hamburgo, no setor de passaportes. Foi ali que ela conseguiu salvar muitos judeus da prisão e do Holocausto ao facilitar a emissão de vistos para o Brasil ---- ignorando restrições e driblando empecilhos. 

A trama se desenvolve a partir da convocação de João Guimarães Rosa (Rodrigo Lombardi) para ocupar o cargo de cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo. Logo em seu primeiro dia de trabalho na nova cidade, o brasileiro recém-chegado conhece Aracy e se encanta por ela na mesma hora. Com o passar dos dias, João percebe que a funcionária do consulado escondia algo. Se encontrando com judeus às escondidas e sempre acompanhada de Hardner (Stefan Weinert), seu cúmplice e melhor amigo, Aracy é questionada e acaba explicando todo o seu esquema para João. Ele chega a hesitar, mas logo se convence de que era o justo a ser feito. A minissérie se desenvolve muito bem através desta trama, baseada em fatos reais, tendo cada episódio encerrado com depoimentos de judeus ou parentes de entes já falecidos que foram salvos por ela. 

A beleza e a simplicidade de Aracy chamam atenção não só do cônsul-adjunto, que passa a se tornar seu aliado no amor e na missão solidária, mas também de um importante capitão da SS, a tropa de elite de Adolf  Hitler. Não tardou para que o nazista Thomas Zumkle (Peter Ketnath) ficasse obcecado por descobrir o segredo dela, apesar do do caso amoroso com Vivi (Gabi Petry), a bela cantora do Cabaré Babel. Encantado e curioso, Zumkle começa a seguir cada passo da funcionária do consulado, e suas frequentes investidas, além de incomodar Aracy, passam a colocar em risco toda a ajuda que ela oferecia aos judeus. Há um clima constante de tensão no ar.

Como a produção é uma parceria entre Globo e Sony, há uma grande variedade de nacionalidades no elenco. São talentos brasileiros e internacionais muito bem escalados. Sophie Charlotte, que recentemente virou meme nas redes sociais por conta da viralização de uma cena impagável do remake de "Ti Ti Ti" (2011), mais uma vez mostra o quão amadureceu na carreira até se transformar em uma das atrizes mais prestigiadas da Globo. Seu desempenho na pele da protagonista é brilhante. Vale até ressaltar que a intérprete é nascida em Hamburgo (seus pais se conheceram e se casaram na Alemanha), o que aumentou a sua responsabilidade no papel. Rodrigo Lombardi também se destaca na pele de João Guimarães Rosa. Outros bons nomes nacionais são Tarcísio Filho, que vive o cônsul Souza Ribeiro; Gabriela Petry, a cantora de cabaré Vivian Landau, de família judia; João Cortês na pele de Wilfried Shwartz, soldano nazista; Bruce Gomlevsky como Hugo Levy, um dos judeus que recebe ajuda de Aracy, e Jimmy London como Mendel Krik, chefe da máfia judaica do porto de Hamburgo. Como a trama foi gravada toda em inglês, houve a necessidade de dublagem para exibição na Globo. Apenas Rodrigo Lombardi e Tarcísio Filho dublam eles mesmos. Todos os demais atores ganharam vozes de dubladores profissionais. Obviamente, algo que soa estranho para o telespectador. Mas há a opção de assistir com áudio original e legendas. 

Por sinal, é preciso elogiar também os atores internacionais: os alemães Peter Ketnath e Stefan Winert, que dão vida ao capitão das tropas SS Thomas Zumkle e ao amigo de Aracy, Milton Hardner, respectivamente; o britânico Thomas Sinclair Spencer, que interpreta o facínora soltado nazista Karl Schaffler; a atriz israelense Sivan Mast que vive Helena Krik, jovem da resistência contra Hitler que se apaixona pelo judeu Rudi Katz, vivido pelo italiano Jacopo Garfagnolli; além da polonesa Izabela Gwizdak, que na trama é Margarethe Levy, esposa de Hugo (Bruce Gomlevsky), uma das pessoas que recebe a ajuda de Aracy e acaba se tornando sua melhor amiga; e o americano Brian Townes, que interpreta o nazista Comandante Heinz. Todos estão muito bem e engrandecem as cenas. 

"Passaporte Para Liberdade" se mostrou uma minissérie luxuosa e que tem tudo para fazer um grande sucesso no mercado internacional. Vale uma menção especial ao momento traumático da chamada "Noite dos Cristais" ----- em novembro de 1938, quando o regime nazista impôs a destruição de templos, lojas e sinagogas judaicas ----, que impressionou pelo nível de realismo. A trama tem criação de Mario Teixeira, foi escrita por Mario Teixeira e Rachel Anthony, com direção artística de Jayme Monjardim, direção de Seani Soares e produção de Samantha Santos, Mariana Pinheiro e Fabiana Moreno. A produção executiva é de Silvio de Abreu, Monica Albuquerque (ambos não renovaram contrato com a Globo), Elisabetta Zenatti e Rachel Anthony. Vale a pena acompanhar, apesar do horário ingrato.