"As Five" entra na grade da Globo em péssimo horário e com censura

 A Globoplay estreou "As Five", série oriunda de "Malhação - Viva a Diferença" (2017/2018), ano passado, no dia 12 de novembro. A estratégia, na época, foi exibir um episódio por semana, atraindo mais engajamento e audiência em uma determinada hora. Funcionou. Tanto que um esquema parecido vem sendo feito com "Verdades Secretas 2", que tem dez capítulos disponibilizados na plataforma a cada 15 dias. Agora a emissora resolveu lançar a produção em sua grade duas vezes por semana: toda terça e quinta, após a reprise de "Verdades Secretas". 

Todavia, não precisa ser um especialista em televisão para constatar que o horário escolhido foi o pior possível. A trama está indo ao ar depois da meia noite, após a nova temporada do "The Voice Brasil" e a já citada reexibição de "Verdades Secretas". Parece até que a Globo está querendo esconder o produto. Aliás, vem sendo de difícil entendimento as novas estratégias da líder. A nova novela das 21h, escrita por Lícia Manzo, que irá ao ar toda gravada e será a primeira trama totalmente inédita da faixa durante a pandemia do novo coronavírus, teve uma péssima campanha de divulgação. Somente nas últimas semanas houve uma maior atenção. Mas pareciam mais preocupados em falar do remake de "Pantanal", que só estreia em 2022. 

Agora a empresa resolveu colocar "As Five", um produto inédito na grade aberta, em um horário complicado para todos que trabalham no dia seguinte. Tudo bem que a história é mais "pesada" que a vista em "Malhação" e não poderia ser colocada no ar muito cedo. Mas não seria melhor esperar o fim da reprise de "Verdades Secretas"?

Aguardar ano que vem em um horário mais acessível, como depois da novela das nove? Por sinal, seria bem mais inteligente para a divulgação da segunda temporada, que começa a ser gravada em 2022. Já está tudo certo para continuação do spinoff de Cao Hamburger. Mas, pelo visto, a diretoria do setor de entretenimento da emissora está com pressa. 

Para culminar, o primeiro episódio teve vários cortes, mesmo indo ao ar de madrugada. Ellen fumando maconha foi ignorado, assim como Tina oferecendo droga em uma festa. Até alguns palavrões foram limados na edição. Ou seja, nem a desculpa de levar a série ao ar de madrugada existe, já que até cenas "polêmicas" são cortadas. Ficou claro que seguirão a lógica da reprise de "Verdades Secretas" e sequências consideradas mais "pesadas" ficarão somente para os assinantes da Globoplay. 

O que é possível observar da nova saga das protagonistas de "Malhação" é a permanência de todas as características já observadas no seriado adolescente vespertino. Tanto na essência das personagens quanto na elaboração de seus dramas. E, como a temporada foi primorosa, não é um demérito. É no momento mais conturbado da vida de Tina (Ana Hikari) que as cinco jovens se reencontram após seis anos sem se verem e cerca de três desde a última mensagem no grupo "As Five". As amigas se mobilizam para estarem presentes no velório da mãe de Tina. Morando nos Estados Unidos, Ellen (Heslaine Vieira) volta ao Brasil especialmente para acompanhar a cerimônia. Keyla (Gabriela Medvedoski) leva Tonico (Matheus Dias), agora com sete anos, para rever as madrinhas. Mas o garoto prefere andar em um patinete elétrico, derrubando o caixão de Mitsuko (Lina Aigu), a interagir com elas, de quem mal consegue lembrar. Lica (Manoela Aliperti) chega sozinha ao local e fica constrangida quando seu olhar cruza com o de Samantha (Giovanna Grigio). Já Benê (Daphne Bozaski) conta com a companhia de Guto (Bruno Gadiol) e nem imagina que seu casamento está com os dias contados. 

O maior atrativo da nova saga é a junção de Benê e Lica. As duas sempre representaram figuras diametralmente opostas. A primeira sofre da Síndrome de Asperger, um leve grau de autismo, e sempre foi muito metódica. Tudo tem que seguir um padrão, uma regra. Já a segunda nunca teve responsabilidade para nada e esbanja rebeldia. Ainda adolescente, tinha a militância como principal foco, mas como adulta deixou essa característica de lado e passou a se preocupar apenas em curtir o momento, sem saber o dia de amanhã. Benedita passa a morar no apartamento da amiga, sustentado por Marta (Malu Galli), e as inúmeras diferenças entre elas logo surgem. Uma pena, porém, que para realizar esse ótimo 'plot' o autor tenha transformado Guto em um babaca. A forma como o rapaz termina uma relação de seis anos com Benê é fria, grosseira e ainda deixa a então companheira sem moradia. 

Aliás, é importante ressaltar que a série não foi feita para os fãs de "Viva a Diferença". Parece contraditório, mas basta assistir a primeira temporada inteira para constatar o fato. Vários desdobramentos são criados ignorando tudo o que aconteceu em "Malhação". O caso mais gritante é o de Keyla criando um filho sozinha e sem qualquer suporte. Afinal, Roney (Lúcio Mauro Filho) sempre foi um pai presente e Tato (Mateus Abreu) lutou a temporada toda para ficar com Keyla e assumir o filho de Deco. Os dois deixarem a personagem desamparada com uma criança desperta muitos questionamentos. Até mesmo o fato de Keyla e Benê nunca terem se falado durante anos. Josefina (Aline Fanju), mãe de Benedita, praticamente se casou com Roney no seriado adolescente. É um produto de qualidade e merece ser visto, mas apresenta problemas visíveis ao longo dos episódios. Ainda assim, merecia o mínimo de respeito da emissora em sua grade.

Desenvolvida pelos Estúdios Globo, criada e escrita por Cao Hamburger, com Vitor Brandt, Jasmin Tenucci, Luna Grimberg, Ludmila Naves e Francine Barbosa ---- com supervisão de Direção de Fabrício Mamberti e Cao Hamburger, direção de Dainara Toffoli, Rafael Miranda, Natalia Warth e José Eduardo Belmonte ----,  "As Five" fez um grande sucesso na Globoplay e merecia ir para a grade aberta. Mas Globo cometeu um erro crasso no horário. Só para ter uma ideia mais clara do equívoco: o episódio de estreia, nesta terça-feira (26/10), entrou no ar depois de meia noite e meia e acabou perto de uma e vinte da madrugada. Um completo absurdo.